Migalhas de Peso

A manutenção deletéria da invisibilidade negra: reflexões jurídicas

É crucial o protagonismo negro, para que sejam hasteadas as bandeiras de uma verdadeira justiça social, sem que haja o controle de discursos pelos grupos dominantes.

10/2/2023

A carga histórica advinda de todo o processo de subjugação do negro por séculos a fio ainda deturpa os espaços de poder e torna invisíveis, com sutileza e austeridade, a maior parcela da sociedade brasileira1.

O projeto colonial implementado pela Europa fez surgir uma forma de degradação do ser humano que não encontra precedentes na história, posto que a escravidão erigida na era moderna estava fundada em uma justificativa irreal e cruel de inferioridade biológica. Os negros, portanto, foram jogados no calabouço fantasmagórico da coisificação do ser humano, pois ser escravizado significava perder o “lar”, o direito de disposição sobre o próprio corpo e o estatuto político2.

Sem respaldo antropológico, genético ou de qualquer natureza, a institucionalização do sectarismo racial se traduziu (e ainda se traduz) como um projeto político, cujo intuito era o de promover as bases do expansionismo capitalista3.  Afinal de contas, por exemplo, a economia de plantation jamais teria se estruturado adequadamente sem a força motriz da mão-de-obra escravizada4 5.

Consolidam-se, assim, as linhas diretivas da necropolítica, a qual define a soberania sob a ótica do poder de determinar quem irá morrer ou quem irá viver. Desse modo, tem-se um rankeamento de vidas, tendo em conta que alguns indivíduos possuem, a priori, maior relevância que outros.

Particularmente, em relação aos negros, a transformação destes em mercadoria, equiparando-os a objetos, elimina qualquer necessidade de justificação aprofundada de um agir excepcional.

A subtração da condição humana dos negros acaba por transformar o homicídio em um mero ato de disposição sobre coisa móvel, exaltando, assim, o que Achille Mbembe6 denomina de “loucura codificada”, diante do sustentáculo da escravidão pelo arcabouço jurídico vigente.

Ultrapassada essa fase de subversão da lógica do humano, que representou não apenas um genocídio, mas um etnocídio, instaurou-se um período de busca pela consolidação de uma verdadeira identidade. O olhar histórico eurocentrista ignorou a profundidade cultural e, principalmente, os movimentos de resistência do negro7.

Nessa linha de intelecção, cumpre destacar que o movimento decolonial, de forma salutar, promove um arranjo que vai além da transformação da descolonização, posto que representa uma refundação dos processos histórico, político e social, a partir das perspectivas dos povos submetidos à coerção8.

Desconstroem-se, desse modo, pretensões epistemológicas universais europeias alheias ao contexto daqueles que foram submetidos à sanha colonizadora. A construção do conhecimento, portanto, é despolarizada, a fim de abarcar outros saberes distantes dos paradigmas da Europa.

Todavia, mesmo após os escombros da escravidão, o negro continuou relegado à precariedade, diante da falta de condições reais de inserção nas estruturas de poder, nas fileiras educacionais prestigiadas e nos postos de trabalho de maior envergadura. Criou-se um abismo para o qual o negro foi empurrado e tem lutado intensamente para sair, com o escopo de ter voz, vez e representatividade adequada.

Consoante bem destaca Judith Butler, o reconhecimento da vida precária, mormente sob o ponto de vista normativo, deveria implicar na necessidade de reforço de políticas públicas concretas ligadas a questões das mais variadas ordens, tais como, habitação, saúde e alimentação9.

No Brasil, a marginalização da população negra, na pandemia ocasionada pelo coronavírus, demonstra que ainda estamos distantes da superação de um déficit histórico incalculável. Constatou-se, a título exemplificativo, que a maior parte dos óbitos decorrentes da COVID-19 atingem pessoas negras e pobres10 11. 

Lado outro, tenta-se, a qualquer custo incutir a ideia de uma salomônica meritocracia, olvidando-se o cenário de completa desigualdade que está enraizado em nossa sociedade. Inexiste competitividade isonômica, quando as partes são desniveladas.12 13 Por essa razão, políticas de cotas, seja para o preenchimento de certos postos de trabalho ou de vagas no sistema educacional superior, são medidas que, de alguma maneira, suavizam o baixo índice de negros em posições de destaque.

Resta evidente, em face do exposto, que ainda seguimos a passos curtos, no processo de mudança e inserção efetiva dos negros, principalmente nos espaços de influência e poder.

Não se pode olvidar a existência de um verdadeiro racismo estrutural, cuja essência envolve a manutenção institucional de padrões racistas, os quais são reflexos da ordem social.

O Poder Judiciário brasileiro é um retrato do alheamento da população da negra. Apesar de algumas políticas de inclusão, tal como a Resolução 203/15 (Dispõe sobre a reserva aos negros, no âmbito do Poder Judiciário, de 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e de ingresso na magistratura.) e o Pacto Nacional do Judiciário pela Equidade Racial14, em 2021, o Conselho Nacional de Justiça divulgou os resultados da pesquisa “Negros e negras no Poder Judiciário” e constatou, por exemplo, que apenas 7,8% dos Desembargadores são negros15.

Essa deturpação entre o número de negros no Brasil e o percentual de integrantes dos órgãos de cúpula do Poder Judiciário demonstra a manutenção do status quo racista. Como bem destacou, em 30/6/21, o Ministro do Superior Tribunal de Justiça Benedito Gonçalves16: "O racismo estrutural está cristalizado na cultura do povo de um modo que, muitas vezes, nem parece racismo. A presença do racismo estrutural pode ser constatada pelas poucas pessoas negras que ocupam lugar de destaque nas instituições.".

O processo ruinoso de tornar o negro “invisível” também pode ser verificado na reduzida representação em eventos jurídicos, os quais contam, em sua maioria, com professores brancos, de tal sorte que há notória redução dos espaços de fala e, consequentemente, constroem-se compreensões dos institutos à luz de um status cultural e material privilegiado.

Lado outro, a escalada tecnológica, na quarta revolução industrial, poderá significar ampliação dos preconceitos enraizados na sociedade, por ducto de ferramentas de inteligência artificial, nos moldes do que já vem se verificando em sistemas de reconhecimento facial17 e em processos de seleção curricular automatizada, por exemplo18.  As novas tecnologias, portanto, podem ser utilizadas como reais instrumentos de poder, possibilitando que minorias tenham cada vez menos representatividade e influência decisória, instaurando um verdadeiro processo de discriminação algorítmica19.

Desse modo, os projetos de Inteligência Artificial, mormente no Poder Judiciário, precisam ser estruturados por equipes multidisciplinares e plurais, com o objetivo de obstaculizar vieses discriminatórios20. Busca-se, assim, evitar casos como o da Corte de Wisconsin, nos Estados Unidos, que utilizou um sistema computacional segregacionista para auxiliar a autoridade julgadora, indicando a probabilidade de reincidência dos apenados (a ferramenta apontava, sem qualquer respaldo, índices maiores para negros e latinos)21. 

É possível, frente às considerações expostas, cogitar a existência de um verdadeiro “racismo tecnológico” que precisa ser objeto de reflexão e estudo, principalmente através de um diálogo entre vários ramos do conhecimento, dentre eles Direito, Tecnologia da Informação e Sociologia.

Outro aspecto que precisa ser analisado com mais profundidade é a forma como concebemos a hermenêutica constitucional, posto que esta não pode prescindir de um olhar diferenciado em relação aos negros e a outros grupos subalternizados. Afinal de contas, o processo de delimitação de sentido e alcance das normas jurídicas, em seus mais variados matizes, necessita considerar o papel transformador do Direito e o contexto histórico, social e político de certos grupos22.

Não há como partir da premissa de referenciais neutros e objetivos, quando da busca pela concretização de direitos e garantias fundamentais, uma vez que não se equivalem os grupos sociais, no bojo da odiosa estratificação na qual estamos inseridos constantemente. A matéria, inclusive, foi objeto de debate, quando do julgamento do HC 154.248/DF23, ocasião em que o Supremo Tribunal Federal decidiu que o crime de injúria racial é uma espécie de racismo e, portanto, reveste-se de imprescritibilidade. Nessa linha de intelecção, destacou o Ministro Luís Roberto Barroso que: “Não podemos ser condescendentes com essa continuidade de práticas e de linguagem que reproduzem o padrão discriminatório” .

O legislador perlustrou a mesma senda do STF, ao editar a lei 14.532, de 11 de janeiro de 2023, na qual a injúria racial passou a ser considerada crime de racismo, reparando-se, por conseguinte, uma histórica injustiça. 

Lado outro, perfaz-se fundamental, tal como pontuado em linhas pretéritas, não apenas tomar o racismo sob a concepção individualizada, pois a reprodução sistemática de padrões discriminatórios é reveladora de um quadro estrutural que exige uma mudança na dinâmica social.

Outrossim, não se pode deixar de destacar que a formulação da arquitetura jurídica, enquanto instrumento de poder, tende a privilegiar os grupos hegemônicos, tornando as pretensões dos marginalizados projetos de segunda categoria. Por essa razão, pouco se avança na construção de um arcabouço normativo e aplicativo que seja verdadeiro espelho de uma sociedade plural.

Apesar dos arroubos inclusivos constitucionais (Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.), respira-se o simbolismo de enunciados normativos que servem de mero pano de fundo alegórico24.

A marginalização, portanto, é uma avançada tecnologia para manipular grupos, rendendo-os aos voluntarismos daqueles que ocupam as posições mais destacadas de poder.

Nessa ordem de ideias, é crucial o protagonismo negro, para que sejam hasteadas as bandeiras de uma verdadeira justiça social, sem que haja o controle de discursos pelos grupos dominantes25, consoante destaca Adilson José Moreira26, nos seguintes termos: “Discussões sobre questões raciais e, principalmente, políticas públicas, precisam estar sob a tutela branca para que possam ser legitimadas. Esse argumento é parte de um projeto de dominação que tem como principal objetivo promover o silenciamento.”

Postas tais considerações, faz-se imprescindível a ampliação do debate acerca do racismo estrutural e das formas de reversão do histórico processo de exclusão dos negros dos espaços de poder e, consequentemente, da sua alocação à margem da sociedade.

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1 https://jornal.usp.br/radio-usp/dados-do-ibge-mostram-que-54-da-populacao-brasileira-e-negra/. Acesso em 07/02/2023. 

2 MBEMBE, Achille. Necropolítica. Traduzido por Renata Santini. Paris: N-1 edições, 2018, p. 27.

3 MBEMBE, Achille. Crítica da razão negra. Traduzido por Sebastião Nascimento. Paris: N-1 edições, 2020, p. 28. 

4 MBEMBE, Achille. Necropolítica. Traduzido por Renata Santini. Paris: N-1 edições, 2018, p. 27. 

5 Nesse sentido, manifesta-se Edward E. Baptist: “A expansão interligada tanto da escravidão quanto do capitalismo financeiro era agora a força motriz de um sistema econômico nacional emergente que beneficiou as elites e outras pessoas em toda a Costa Atlântica e no interior.” (BAPTIST, Edward E. A metade que nunca foi contada: a escravidão e a construção do capitalismo norte-americano. Traduzido por Fernanda Miguens. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2019, p. 66.  

6 MBEMBE, Achille. Crítica da razão negra. Traduzido por Sebastião Nascimento. Paris: N-1 edições, 2020, p. 13. 

7 Nessa linha de intelecção, vale destacar as considerações tecidas por João José Reis e Flávio dos Santos Gomes sobre a reduzida produção bibliográfica acerca das revoltas escravas, no Brasil: “Não obstante os esforços de pesquisadores de ofício, o tema da revolta escrava coletiva, ao contrário das fugas e quilombos, não tem sido dos mais frequentados pela chamada historiografia da escravidão, exceto as insurgências baianas, que foram estudadas por uma plêiade de interessados brasileiros e estrangeiros.”  (REIS, João José; GOMES, Flávio dos Santos (orgs.). Revoltas escravas no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2021, p. 28). 

8 Bernardino-Costa, Joaze; Maldonado-Torres, Nelson; Grosfoguel, Ramón (org.). Decolonialidade e pensamento afrodiaspórico. 1. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2018.

9 BUTLER, Judith. Quadros de guerra: quando a vida é passível de luto? Traduzido por Sérgio Tadeu de Niemeyer Lamarão e Arnaldo Marques da Cunha. 7ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2020, p. 30. 

10 "O que a pandemia tem evidenciado é o que vários estudos já mostravam em relação ao maior prejuízo da população pobre e negra ao acesso da saúde. A covid-19 encontra um terreno favorável porque essas pessoas estão em um cenário de desigualdade de saúde e de precarização da vida", afirma Emanuelle Góes, doutora em saúde pública pela Universidade Federal da Bahia e pesquisadora do Cidacs/Fiocruz sobre desigualdades raciais e acesso a serviços de saúde.” (https://www.bbc.com/portuguese/brasil-53338421 . Acesso em 07/02/2023). 

11 Em linha de convergência, manifesta-se Joel Birman: “Não resta qualquer dúvida, então, como os indivíduos negros e pardos foram mais atingidos pela Covid-19, se mensurarmos tanto os casos clínicos de infectados quanto os mortos, uma vez que esse contingente populacional se encontra principalmente entre as classes sociais pobres e precárias, muito mais expostas à disseminação do vírus do que as populações brancas, representadas pelas classes médias e elites.” (BIRMAN, Joel. O trauma na pandemia do coronavírus: suas dimensões políticas, sociais, econômicas, ecológicas, culturais, éticas e científicas. Rio de Janeiro: José Olympio, 2020, p. 98.) 

13 SANDEL, Michael. A tirania do mérito: o que aconteceu com o bem comum? Traduzido por Bhuvi Libanio. 2ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2020. 

14 Em reforço ao argumento destacado, pontua Sílvio Almeida: Assim, a soma do racismo histórico e da meritocracia permite que a desigualdade racial vivenciada na forma de pobreza, desemprego e privação material seja entendida como falta de mérito dos indivíduos. (ALMEIDA, Sílvio. O que é racismo estrutural? Belo Horizonte: Letramento, 2018, p. 63)

15 O Pacto Nacional do Judiciário pela Equidade Racial consiste na adoção de programas, projetos e iniciativas a serem desenvolvidas em todos os segmentos da Justiça e em todos os graus de jurisdição, com o objetivo de combater e corrigir as desigualdades raciais, por meio de medidas afirmativas, compensatórias e reparatórias, para eliminação do racismo estrutural no âmbito do Poder Judiciário. (https://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/direitos-humanos/pacto-nacional-do-judiciario-pela-equidade-racial/ . Acesso em 07/02/2023. 

16 https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2021/09/rela-negros-negras-no-poder-judiciario-290921.pdf . Acesso em 07/02/2023. 

17 https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/30062021-Questoes-juridicas-estao-base-racismo-estrutural-precisam-ser-enfrentadas-diz-Benedito-Goncalves-no-Seminario-de-P.aspx. Acesso em 07/02/2023

18 https://www.technologyreview.com/2021/08/15/1031804/digital-beauty-filters-photoshop-photo-editing-colorism-racism/?utm_medium=tr_social&utm_source=instagram&utm_campaign=site_visitor.unpaid.acquisition&utm_content=instagramstory . Acesso em 07/02/2023. 

19 https://www.uol.com.br/tilt/noticias/redacao/2021/06/14/como-o-uso-da-ia-para-selecionar-curriculos-pode-ampliar-a-desigualdade.htm. Acesso em 07/02/2023. 

20 Sobre o tema, pronuncia-se Adilson José Moreira: “A inteligência artificial promove a opressão racial porque atua sobre uma realidade estruturada a partir de sistemas de dominação, uma combinação responsável pela manutenção de disparidades entre grupos sociais. Aqueles responsáveis pela criação de algoritmos argumentam que eles operam de forma neutra, a mesma estratégia discursiva utilizada pelos membros do grupo racial dominante. Entretanto, a realidade se mostra muito mais complexa do que essas pessoas procuram nos convencer.” (MOREIRA, Adilson Moreira. Tratado de Direito Antidiscriminatório. São Paulo: Contracorrente, 2020, p. 517.)

21 Nesse sentido, é importante destacar que a Resolução nº 332, de 21 de agosto de 2020, do Conselho Nacional de Justiça, cujos termos versam sobre ética, transparência e governança na produção e no uso de Inteligência Artificial no Poder Judiciário, elenca dispositivo próprio sobre a não discriminação: Art. 7o As decisões judiciais apoiadas em ferramentas de Inteligência Artificial devem preservar a igualdade, a não discriminação, a pluralidade e a solidariedade, auxiliando no julgamento justo, com criação de condições que visem eliminar ou minimizar a opressão, a marginalização do ser humano e os erros de julgamento decorrentes de preconceitos. § 1o Antes de ser colocado em produção, o modelo de Inteligência Artificial deverá ser homologado de forma a identificar se preconceitos ou generalizações influenciaram seu desenvolvimento, acarretando tendências discriminatórias no seu funcionamento. § 2o Verificado viés discriminatório de qualquer natureza ou incompatibilidade do modelo de Inteligência Artificial com os princípios previstos nesta Resolução, deverão ser adotadas medidas corretivas. § 3o A impossibilidade de eliminação do viés discriminatório do modelo de Inteligência Artificial implicará na descontinuidade de sua utilização, com o consequente registro de seu projeto e as razões que levaram a tal decisão.

22 https://towardsdatascience.com/compas-case-study-fairness-of-a-machine-learning-model-f0f804108751. Acesso em 07/02/2023. 

23 Em linha de convergência, posiciona-se Adilson José Moreira (MOREIRA, Adilson José. Pensando como um negro: ensaio de hermenêutica jurídica. São Paulo: Contracorrente, 2019, p. 35.): “Precisamos pensar o lugar da raça dentro do processo hermenêutico porque o princípio da igualdade também precisa ser examinado a partir de novas posições. Não tenho dúvidas de que as noções de igualdade formal e de igualdade material ainda são parâmetros relevantes, mas eles se mostram insuficientes em uma ordem racial como a nossa. A discussão sobre a constitucionalidade de ações afirmativas, o problema do encarceramento em massa da população negra, o genocídio da juventude negra, despertou um debate importante que é a questão da igualdade de status entre grupos sociais. 

24 HABEAS CORPUS. MATÉRIA CRIMINAL. INJÚRIA RACIAL (ART. 140, § 3º, DO CÓDIGO PENAL). ESPÉCIE DO GÊNERO RACISMO. IMPRESCRITIBILIDADE. DENEGAÇÃO DA ORDEM. 1. Depreende-se das normas do texto constitucional, de compromissos internacionais e de julgados do Supremo Tribunal Federal o reconhecimento objetivo do racismo estrutural como dado da realidade brasileira ainda a ser superado por meio da soma de esforços do Poder Público e de todo o conjunto da sociedade. 2. O crime de injúria racial reúne todos os elementos necessários à sua caracterização como uma das espécies de racismo, seja diante da definição constante do voto condutor do julgamento do HC 82.424/RS, seja diante do conceito de discriminação racial previsto na Convenção Internacional Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial. 3. A simples distinção topológica entre os crimes previstos na Lei 7.716/1989 e o art. 140, § 3º, do Código Penal não tem o condão de fazer deste uma conduta delituosa diversa do racismo, até porque o rol previsto na legislação extravagante não é exaustivo. 4. Por ser espécie do gênero racismo, o crime de injúria racial é imprescritível. 5. Ordem de habeas corpus denegada. (STF - HC 154248, Relator(a): EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 28/10/2021, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-036  DIVULG 22-02-2022  PUBLIC 23-02-2022)

25 NEVES, Marcelo. A constitucionalização simbólica. São Paulo: Martins Fontes, 2011. 

26 PAIXÃO, Marcelo. A santa aliança: estudo sobre o consenso crítico às políticas de promoção da equidade racial no Brasil. In: ZONINSEIN, Jonas; FERES JÚNIOR, João (Coords.). Ações afirmativas no ensino superior. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2009.

27 MOREIRA, Adilson José. Pensando como um negro: ensaio de hermenêutica jurídica. São Paulo: Contracorrente, 2019, p. 217. 

Luís Manoel Borges do Vale
Procurador do Estado de Alagoas, Doutorando pela Universidade de Brasília - UnB, Mestre em Direito Processual pela Universidade Federal de Alagoas, Membro do IBDP, da ANNEP e da IAPP.

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