No sentido literal, “lixo eletrônico” nos remete à ideia de resíduos eletroeletrônicos, fato que merece bastante atenção e tem sido alvo de preocupação especialmente do ramo do Direito Ambiental, pois esses resíduos, por serem feitos com alta tecnologia, podem conter substâncias tóxicas e metais pesados, como o chumbo, mercúrio, cromo e cádmio, capazes de contaminar o solo, a água e os alimentos – impactando tanto o ambiente quanto a saúde humana.
Atualmente sabemos que os eletrônicos têm um nível grande de descarte à medida que a todo momento são criados aparelhos eletrônicos mais tecnológicos, tornando seus antecessores completamente obsoletos. Sendo assim, despertam no consumidor o desejo de consumo. Não raras as vezes os consumidores guardam os objetos eletrônicos ultrapassados nos fundos de suas gavetas, pois nem sequer têm valor de venda ou, ainda, os descartam de maneira inadequada, gerando inúmeros problemas ambientais.
Este é mais um dos exemplos de como todos os ramos do Direito estão intimamente ligados. Diante dessa temática podemos mencionar a preocupação que a questão do lixo eletrônico gera em operadores do Direito Digital e do Direito Ambiental, sob pontos de vista diversos.
Enquanto os operados do Direito Ambiental se preocupam especialmente com os danos ambientais que o descarte inadequado dos aparelhos eletrônicos pode gerar no meio ambiente, bem como com o aumento exacerbado da produção de lixo, os operados do Direito Digital voltam seus olhos especialmente para os dados que estes aparelhos podem conter. O descarte indevido de dados pessoais pode dar origem a um vazamento de dados, que tem repercussões jurídicas e sociais potencialmente graves. Por isso, convém que mídias contendo informações confidenciais sejam guardadas e destruídas de forma segura e protegida, como incineração ou trituração ou a remoção dos dados para uso por outra aplicação.
Mas não é só isso. Interessante pensar no lixo eletrônico além de seu sentido literal. Pensando em “lixo eletrônico” em seu sentido figurado, podemos começar a refletir o quanto de “lixo” está sendo produzido em ambiente digital. O campo da internet tem sido terreno fértil para a prática dos mais diversos crimes, especialmente de ódio, contra a honra e divulgação de fake news, entre outros. “Lixos”, que ainda que sejam “descartados” posteriormente após eventual decisão judicial que determine sua remoção deixam vestígios devastadores.
Um indivíduo que teve sua honra maculada pelo espalhamento de fake news ou que foi alvo de Cyberbullying, por exemplo, ou, ainda, foi vítima de vazamento de fotos íntimas pelo ex-parceiro(a) (fenômeno conhecido como revanche pornô), certamente conviverá com os efeitos negativos destas condutas pelo resto de sua vida. O fato de conseguir uma decisão judicial – o que por si só demanda tempo e energia - que determine a remoção do conteúdo não será suficiente para “apagar” o sofrimento que o indivíduo sofreu. Nem mesmo eventual indenização por danos morais será capaz de reparar os danos psicológicos que o “lixo eletrônico” pode produzir.
Por isso, todos os usuários precisam ser responsáveis e jamais agirem por impulso na internet, uma vez que suas postagens podem causar danos irremediáveis. Nesse sentido, é sempre muito importante checar a fonte das informações antes de republicar algum conteúdo, a fim de evitar a propagação de fake news e/ou conteúdo nocivo, lembrando que não somente o autor do conteúdo, mas também quem o divulga pode ser civil e penalmente responsabilizado.
Soma-se a isso o fato de que o “print” é eterno. Ainda que a plataforma digital seja compelida pelo Poder Judiciário a desindexar o conteúdo, inúmeros usuários da internet podem já ter “printado” a informação que pode ser usada anos mais tarde, fora de contexto, para assombrar suas vítimas.
De outra banda não é demais lembrar que, em fevereiro de 2021, o Supremo Tribunal Federal (STF) estabeleceu que o direito ao esquecimento é incompatível com a Constituição Federal (Tema 786), o que modificou o entendimento firmado anteriormente pelo STJ.
A tese fixada é de que é incompatível com a Constituição a ideia de um direito ao esquecimento, assim entendido como o poder de obstar, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos e publicados em meios de comunicação social analógicos ou digitais. Eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso, a partir dos parâmetros constitucionais - especialmente os relativos à proteção da honra, da imagem, da privacidade e da personalidade em geral - e as expressas e específicas previsões legais nos âmbitos penal e cível.
Ainda que o direito ao esquecimento não se aplique apenas em caso de divulgação de dados ou fatos verídicos e licitamente obtidos, fato é que a “internet nunca esquece” não fazendo diferenciação entre fatos verídicos ou não.
Sobre este ponto encerramos deixando uma reflexão ao leitor - pois tudo no campo jurídico depende de ponderação, visto que nenhum direito é absoluto - mesmo em caso de divulgação de fatos que sejam comprovadamente verídicos e que possam de alguma forma acarretar efeitos negativos na vida do indivíduo, prevalece o direito da coletividade de ter acesso a esses dados em prol da defesa de seus interesses ou prevalece o direito de privacidade do indivíduo?