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Usucapião por ilha oceânica: abordagem sobre acordão proferido no TRF da 2ª região

É possível usucapir, segundo a Constituição Federal, Ilha Oceânica situada em Mar Territorial?

8/2/2023

Trata-se de questão, levada a 3ª Seção Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, de declaração de domínio público de Ilha Oceânica, sobre uma fração de 68.280 metros quadrados, situada na Ilha do Araújo, em Paraty, no Rio de Janeiro.1

Trazendo os ensinamentos de Arnaldo Rizzardo,2 “todas as terras brasileiras, ainda quando Portugal descobriu o Brasil, passaram a ser de domínio da Coroa Portuguesa”. Para que as terras brasileiras começassem a ser povoadas, a Coroa Portuguesa começou, através das capitanias hereditárias, as chamadas sesmarias, a conceder, frações de terras, pertencentes ao solo brasileiro, “à particulares, com a finalidade única de que nela se fosse cultivada e implementada moradia”. Essa fração de terra concedida pela Coroa Portuguesa ao particular, uma vez “não sendo cultivada e não sendo implementada moradia”, “retornava ao domínio da Coroa Portuguesa e passava a ser considerada como terras devolutas”.

Com a Independência do Brasil, mediante a lei 601, de 1850, que tratava sobre as terras devolutas do Império, foi marcada a passagem das terras que pertenciam a Coroa Portuguesa para a Coroa Brasileira. Por meio da lei 601, de 1850, mais precisamente no seu artigo 3º e parágrafos, restou determinado que a aquisição de terras devolutas por particulares seriam permitidas nas seguintes situações:

Primeira, as que não fossem de uso público nacional, provincial ou municipal.

Segunda, as que não fossem de domínio particular adquiridas por qualquer título legítimo e nem fossem havidas por sesmarias ou por outras concessões do Governo Geral.

Terceira, as que não fossem dadas por sesmarias ou por outras concessões do Governo Geral, desde que revalidadas pela lei 601, de 1850.

Quarta, as que não estivessem, à época, ocupadas por posses, que, apesar de não obterem título hábil, fossem legitimadas por lei.

Adentrando no tema, propriamente dito, passamos a demonstrar a argumentação do acórdão, que é o domínio público sobre Ilhas Oceânicas.

Restou determinado no artigo 4º, alínea “a”, do decreto 22.250, de 1932, conjuntamente, com o artigo 1º, alínea “a”, do decreto 710, de 1938, que cabe a Diretoria do Domínio da União do Tesouro Nacional executar os serviços pertinentes aos bens de domínio da União, dentre os quais, os Mares Territoriais.

Ficou estabelecido, também, no artigo 1º, alínea “d”, do decreto 9.760, de 1946, que as Ilhas situadas nos Mares Territoriais fazem parte dos bens imóveis da União, salvo se adquiridas por particulares por qualquer título legítimo.

As Constituições de 1824, 1891, 1934, 1937 e 1946 não trouxeram o tema de forma expressa, que é domínio público sobre Ilhas Oceânicas.

Porém, o artigo 4º, inciso II, da Constituição Federal de 1967 trouxe essa questão detalhadamente, dizendo que as Ilhas Oceânicas integram os bens da União.

Ficou demonstrado no acórdão, então, que somente serão válidas asaquisições de Ilhas Oceânicas pelo particular caso se dessem por título hábil apto a comprovação de sua titularização, seguindo o que está disciplinado no artigo 1º, alínea “d”, do decreto 9.760, de 1946.

A Constituição Federal de 1988, vigente e aplicável atualmente, no seu artigo 20, inciso IV, trouxe essa questão.

Diz o artigo 20, inciso IV, que as Ilhas Oceânicas integram os bens da união.

Para maior argumentação sobre aquisição de domínio público sobre Ilhas Oceânicas, o acórdão trouxe a Súmula 340 do STF, na qual prevê que desde a vigência do Código Civil, que ocorreu no ano de 1916, os bens públicos não podem ser adquiridos por usucapião.

Em que pese os usucapiendos argumentarem que todos os requisitos legais para a comprovação da aquisição da posse, adquirida por mais de 30 anos, na qual foi consagrada na sentença, proferida ainda no ano de 1985, a 3ª Seção Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região entendeu que a fração de 68.280 metros quadrados, situada na Ilha do Araújo, em Paraty, no Rio de Janeiro, integra patrimônio público da união.Pois bem, ficaram consagradas duas teses, a primeira proferida na sentença e a segunda proferida no acórdão.

A primeira, que é a da sentença, disse que o marco inicial da aquisição da posse se deu com a vigência do artigo 4º, inciso II, da Constituição Federal de 1967, quando restou determinado que as Ilhas Oceânicas, no ano de 1967,passaram a integram bem de domínio público e, como já dito, os usucapiendos, no ano de 1985, já haviam implementado todos os requisitos pertinentes a prescrição aquisitiva, dentre os quais, aqui examinado, o lapso temporal.

A segunda, que é a do acórdão, determinou que a prescrição aquisitiva sobre posse de bem de domínio público, sem título legítimo a comprovação daárea usucapienda, suspendeu a prescrição aquisitiva, no ano de 1946, face o advento do artigo 1º, alíena “d”, do decreto 9.760, no qual determinou que as Ilhas Oceânicas situadas nos Mares Territoriais passaram a integrar os bens imóveis da União, salvo se adquiridas por particulares por qualquer título legítimo. O que não é caso dos autos.

Nesse caso, ainda que os usucapiendos tivessem na posse desde 1965, essa prescrição aquisitiva foi suspensa com a promulgação do 1º, alíena “d”, do decreto 9.760, de 1946.

Para terminar essa breve abordagem sobre a Ação Rescisória de 0004338-34-2014-4-02-0000 / RJ, julgada pela 3ª Seção Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, demonstraremos nosso posicionamento.

Ainda, que os usucapiendos tenham permanecido na posse, da Ilha Oceânica, desde a época do Império até a data do acórdão, que se deu em 20de outubro de 2022, essa prescrição aquisitiva foi suspensa no ano de 1946, face o advento do artigo 1º, alíena “d”, do decreto 9.760. Uma vez suspensa a posse, no ano de 1946, os usucapiendos deixaram de preencher todos os requisitos necessários a aquisição de posse via usucapião, aqui em comento, o lapso temporal.

Sim, se sabe que os usucapiendos estavam na posse por mais de 30 anos, mas a questão é que, no ano de 1946, com o advento do decreto 9.760, a posse restou suspensa.

Daí decorre o Princípio da Supremacia da Constituição, que dispõe que “a Constituição Federal se situa no topo da hierarquia do sistema normativo, de tal sorte que todos os demais atos normativos, assim como os atos do Poder Executivo e do Poder Judiciário, devem ter como critério de medida a Constituição”.3 Queremos com isso dizer que embora decreto não seja lei, deve ser cumprido, já que está previsto, no inciso VI, do artigo 59, da Constituição Federal.

O entendimento do acórdão, ao que parece, portanto, está correto, já que a prescrição aquisitiva dos usucapiendos foi suspensa com o advento do artigo 1º, alíena “d”, do decreto 9.760, de 1946.

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1 TRF DA 2ª REGIÃO. 3ª Seção Especializada do Tribunal Regional da 2ª Região. Ação Rescisória Nº 0004338-34-2014-4-02-0000 / RJ. Desembargador Federal Relator: Ricardo Perlingeiro. Julgada em 20 de outubro de 2022.

2 RIZZARDO, Arnaldo. Direito das Coisas. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2004. p. 844

3 SARLET, Ingo Wolfgang. Curso de Direito Constitucional / Ingo Wolfgang Sarlet, Luiz Guilherme Marinoni, Daniel Mitidiero. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. p. 215

Débora Minuzzi
Advogada; Mestre em Direito pela PUCRS, Área de Concentração: Teoria Geral da Jurisdição e do Processo; Especialista em Direito Ambiental pela UFRGS; Especialista em Processo Civil pela UFRGS.

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