Em 5 de outubro de 2018 o Tribunal de Justiça do Paraná publicou o edital de abertura das inscrições do 3º Concurso Público de Provas e Títulos para outorga de delegações de notas e de Registo do Estado do Paraná (modalidade provimento e remoção). O concurso ofertava mais de quatrocentas serventias e contou com mais de oito mil inscritos (considerando remoção, provimento e PCD).
Desde então, os candidatos inscritos se submeteram a quatro fases: prova objetiva de seleção, prova escrita, prova oral e exames de títulos. Além disso, enfrentaram uma pandemia e uma grande insegurança quanto a conclusão do concurso.
São juízes, promotores, serventuários da justiça, advogados, estudantes dentre várias pessoas que dedicaram anos de estudos para concorrer a uma das serventias do Estado do Paraná. Alguns por almejarem relevantes ganhos financeiros e outros pela qualidade de vida ou por permanecer próximo a família, mas todos com um ponto em comum: a dedicação e renúncia em busca do concurso que poderia mudar suas vidas.
Mas se engana quem idealiza que a trajetória do concurseiro depende tão somente de sua dedicação aos estudos. Em um concurso de tamanha magnitude como o de cartórios do Estado do Paraná, são quase oito mil pessoas buscando interesses individuais, e muitas vezes utilizando o judiciário para alcança-los.
E nesse cenário, é que o advogado – indispensável à administração da justiça – incorpora o papel de coadjuvante em busca da democracia no ingresso ao serviço público juntamente com os membros da comissão do certame.
No caso do Paraná, sem dúvidas os dois últimos meses que antecederam a homologação do resultado final do concurso foram os mais intensos para a maioria dos candidatos já aprovados. Isso porque haviam dois grupos: aqueles que não mediam esforços para encerrar o certame, escolher a serventia, se investir e entrar em exercício, e aqueles que ao contrário de todo o conhecimento jurídico adquirido em anos de estudos, insistiam em utilizar o judiciário como instância recursal a fim de auferir benefícios em relação a pontuação, colocação e critérios de remoção.
Nesse cenário, foram inúmeros mandados de segurança impetrados contra suposto ato do Presidente da Comissão do Concurso para assegurar a manutenção de candidatos reprovados ou que tiveram suas inscrições definitivas canceladas, para majorar nota, subir de posição, para apresentação de documentos extemporâneos, e até mesmo para rever posição já consolidada pelo CNJ, dentre vários outros motivos.
Concomitantemente, esses mesmos candidatos abarrotavam o Conselho Nacional de Justiça e o Supremo Tribunal Federal renovando as mesmas discussões jurídicas já definida em instâncias ordinárias.
Felizmente, em 8 de dezembro de 2022 foi realizada a audiência de escolha de serventias e de outorga de delegação e investidura do cargo do 3º Concurso Público de Ingresso na atividade Notarial e de Registro do Estado do Paraná. Na oportunidade, o Presidente da sessão, Desembargador Fernando Paulino da Silva Wolff Filho comunicou que os candidatos que optassem por não realizar a investidura no ato, ficariam cientes de que a nova investidura se daria no dia 18 de janeiro de 2023.
Para os candidatos, estava-se diante da conclusão do certame, já que todas as serventias estariam escolhidas e boa parte dos candidatos já haviam se investido em 8 de dezembro e por conseguinte entrado em exercício em suas respectivas comarcas.
No entanto, em 19 de dezembro de 2022 um dos candidatos na modalidade remoção ajuizou uma reclamação com pedido liminar (RCL 574431) perante o Supremo Tribunal Federal visando suspender os efeitos da audiência de escolha já realizada em 8/12/22 bem como a audiência de investidura que se realizaria em 18/1/23. E para a surpresa de todos os candidatos (e agora já agentes delegatários), em 18/1/23 o Ministro Gilmar Mendes deferiu o pedido liminar para suspender os efeitos da audiência de escolha realizada em 8/12/22 e os atos dela decorrentes, e como consequência também suspendeu a audiência de investidura marcada para dia 18/1/23, que então não foi realizada.
A Reclamação ajuizada pelo candidato da modalidade remoção indicava que o presidente da Comissão do Concurso supostamente havia descumprido decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal.
“Ocorre que, durante a audiência de escolha, o Desembargador Fernando Paulino da Silva Wolff Filho, Presidente da comissão do concurso, após registrar ter tomado ciência da decisão concedida no MS 38.878 e de outras liminares dessa Suprema Corte, optou por informar que gostaria de alertar os candidatos sobre as consequências de eventual não confirmação das liminares.
O alerta foi dado de forma inusitada e surpreendente. Em seguida, o Desembargador afirmou, sem respaldo legal, que caso os candidatos beneficiados exercessem o direito de escolha naquele momento e as liminares não viessem a ser confirmadas, eles ficariam “sem cartório algum” (....)
Ao assim proceder, a autoridade reclamada criou ilícito e abusivo cenário ao reclamante, impondo-lhe temor e situação de erro de que a escolha de nova serventia naquele momento resultaria na perda de ambas serventias – nova e original – em caso de insucesso no STF, o que não condiz com a realidade”.
Por sua vez, por entender estarem presentes o fumus boni iuris e o periculum in mora, o ministro optou por deferir o pedido liminar. Constou a decisão:
“Todavia, consta dos autos que, durante a realização da audiência de escolha das serventias, não obstante o reclamante tenha sido incluído na listagem final de aprovados, o Presidente da Comissão Examinadora teria constrangido de forma abusiva os participantes que foram beneficiários de decisão liminar proferida por esta Corte, conforme extrai-se do seguinte trecho retirado da ata da referida audiência: (...)
Como visto, a autoridade reclamada, ainda que por via transversa, impôs restrições ao cumprimento da liminar proferida no MS 38.878, ao coagir e constranger os beneficiários da decisão, entre os quais o reclamante que abriu mão do direito de escolha com receio de posteriores represálias, especialmente em virtude da ameaça ilegal de perder a serventia que ocupa originalmente. Nesses termos, as alegações deduzidas na inicial encontram-se revestidas de verossimilhança, requisito necessário para a concessão do pedido liminar. Da mesma forma, tendo em vista a notícia de que a audiência de investidura está agendada para amanhã (18.1.2023), resta configurado, também, o periculum in mora. Ante o exposto, defiro o pedido liminar para suspender os efeitos da audiência de escolha realizada em 8.12.22, e os atos dela decorrentes. Como consequência, determino também a suspensão da audiência de investidura marcada para o dia 18.1.2023, até decisão final na presente reclamação. Comunique-se com urgência.
Agora, imagine a situação dos candidatos, que depois de mais de quatro anos, foram aprovados em todas as fases do concurso, escolheram suas serventias, se investiram, alguns entraram em exercício, outros pediram demissão de seus antigos trabalhos ou exoneraram-se do cargo público que ocupavam. Vários outros mudaram-se para o Paraná, realizaram benfeitorias nos cartórios, contrataram servidores e de repente uma decisão do Supremo Tribunal Federal suspende liminarmente todos os efeitos da audiência de escolha e os atos dela decorrentes.
Os efeitos dessa decisão foram, em suma, catastróficos já que a escolha das serventias já havia ocorrido em 8/12/22, e nessa mesma data grande parte dos candidatos já haviam se investido e por conseguinte entrado em exercício. Deste modo, a suspensão dos efeitos da audiência de escolha e investidura de 8/12/22 e da audiência de investidura prevista para 18/1/23 trazia apenas instabilidade e prejuízo incalculáveis aos interessados e a sociedade do Estado do Paraná.
Dessa maneira, centenas de candidatos ficaram totalmente a mercê de uma insegurança jurídica jamais vista. Nesse momento, novamente os advogados se mostraram indispensáveis, pois precisavam revogar ou reformar a decisão monocrática o mais rápido possível.
Por conseguinte, em 24 de Janeiro (terça-feira) o Ministro Gilmar Mendes acertadamente revogou a própria liminar e negou seguimento a reclamação, sob os seguintes fundamentos:
Inicialmente, por entender que estariam demonstrados os requisitos necessários para a concessão do pleito de urgência, deferi o pedido liminar na reclamação, inaudita altera pars. Todavia, levando em consideração todos os elementos apresentados nos autos após o deferimento da liminar e tendo agora o quadro fático completo, verifico que a decisão proferida no mandado de segurança não foi descumprida.
Explico. Consoante as informações prestadas pela autoridade reclamada, extrai-se dos autos que o impetrante figurou na lista de aprovados e participou regularmente da audiência de escolha, sem que lhe fosse exigido o requisito temporal. (...)
Nesses termos, verifica-se que não ocorreu, na hipótese, qualquer desrespeito à autoridade da decisão proferida no MS 38.858, uma vez que foi assegurada a participação do impetrante no concurso de remoção sem a exigência do requisito temporal.
Ademais, cumpre registrar que a discussão acerca do momento em que ocorrerá a vacância da serventia de origem no caso de remoção não foi objeto do mandado de segurança em questão, de modo que os avisos proferidos pelo Presidente da Comissão sobre o assunto não foram capazes de configurar afronta à decisão do STF.
Ante o exposto, casso a liminar anteriormente deferida e nego seguimento à reclamação. Prejudicados os agravos regimentais e pedidos de reconsideração.
Agora, espera-se que os candidatos ainda não investidos o façam na próxima audiência de investidura já agendada para 31 de Janeiro de 2023 e por conseguinte entrem em exercício contribuindo com serviço público Paranaense. Do mesmo modo, os candidatos já investidos e em exercício esperam não serem mais surpreendidos com decisões judiciais descuidadas.
Em todo caso, o advogado - constitucionalmente definido como indispensável a administração da justiça - certamente se torna um personagem importante ao prezar pela exata aplicação do Direito. Cabendo a ele zelar pelo exercício do contraditório e da ampla defesa, pela conciliação das partes, bem como para elevar os níveis das discussões, prezar pelo interesse público e pela paz social.
Nas palavras de Ruy Barbosa “Em todas as nações livres, os advogados se constituem na categoria de cidadãos que mais poder e autoridade exercem perante a sua sociedade”.
Por fim, encerro esse relato registrando minha admiração pelo grupo de candidatos do 3º Concurso Público de Provas e Títulos para outorga de delegações de notas e de Registo do Estado do Paraná que não mediu esforços para que o mesmo fosse concluído de maneira justa e imparcial. Ressalto ainda o brilhante trabalho da Comissão Organizadora pelo zeloso trabalho prestado durante os últimos quatro anos. E por fim, destaco o brilhantismo de meus colegas advogados que carregam consigo a responsabilidade de solucionar problemas, instigando o debate e propondo soluções que sejam respeitosas com nosso Estado Democrático de Direito.
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1 Disponível em: https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6541155