O reembolso assistido é um tema que divide opiniões e, recentemente, seu debate foi reacendido pelo entendimento da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça no âmbito do REsp 1959929/SP.
Num primeiro momento, cumpre bem compreender o que é reembolso assistido.
Bom, sabemos que, no mercado de saúde brasileiro, operadoras de planos de saúde e seguradoras podem comercializar seus produtos.
As operadoras comercializam planos privados de assistência à saúde e possuem rede de profissionais, clínicas, laboratórios e hospitais própria ou credenciada disponível a seus beneficiários. Podem, ainda, oferecer a opção de reembolso em situações específicas ou, até mesmo, por livre escolha.
As seguradoras, por sua vez, comercializam seguros e operam mediante rede referenciada não obrigatória ou reembolso por livre escolha.
Nessa modalidade de reembolso por livre escolha, o beneficiário goza de liberdade para eleger profissionais e estabelecimentos de sua confiança, estando certo de que receberá da operadora ou da seguradora um montante relativo aos atendimentos e procedimentos, cujas informações para cálculo devem constar em contrato, nos termos do Anexo I da Instrução Normativa 23/9 da ANS.
Por vezes, os consumidores desconhecem a melhor forma de usufruir do reembolso, de modo que os prestadores de serviços os assistem, havendo, inclusive, a possibilidade de o beneficiário ceder-lhes seus direitos de reembolso.
Essa dinâmica, se praticada em observância ao princípio da boa-fé, como de fato ocorre na esmagadora maioria dos casos, não apresenta prejuízo algum ao mercado, na medida em que há efetiva prestação de serviços aos pacientes que previamente contrataram planos ou seguros que incluem o reembolso.
Ademais, o consumidor estar ou não assistido pelo prestador de serviço no processo de requerimento e recebimento de reembolso não caracteriza ilicitude alguma, pois, em ambas as situações, há a prestação do serviço, há a emissão dos documentos exigidos em contrato do plano ou seguro de saúde comprovando a prestação do serviço, há o reembolso.
Num segundo momento, cabe destacar que o instituto do reembolso no contexto da relacional entre beneficiários e operadoras ou seguradoras carece de regulamentação específica, inexistindo, portanto, qualquer vedação com base legal ao reembolso assistido.
Sabemos que os entes privados gozam de liberdade e autonomia para estabelecerem suas relações jurídicas, sendo limitados apenas, e tão somente, por força da lei. Entretanto, o que temos observado é um movimento agressivo de operadoras e seguradoras tentando intervir em relações jurídicas estabelecidas entre paciente e seus prestadores de serviços de confiança – o que verdadeiramente é vedado.
Num terceiro momento, imperioso ressaltar que o reembolso assistido se consolidou no mercado, sendo usufruído pelos consumidores já há tempo suficiente para que seja um elemento desejado e considerado no momento da contratação de um plano ou seguro de saúde que preveja reembolso por livre escolha.
Aliás, quando da venda desses produtos aos consumidores, é evidenciado o benefício da liberdade de se escolher seus prestadores de serviço de confiança, mas, em momento algum, são mencionadas todas as dificuldades que hoje vemos ser impostas para a efetivação do reembolso.
Dificuldades essas abusivas, na medida em que excedem disposições contratuais ao se exigir documentação além das previamente informadas em contrato; desencorajam os consumidores a exercerem seu direito de livre escolha ao forçá-los a redigir declaração manuscrita de pagamento com registro em cartório; quebram o sigilo bancário dos beneficiários ao obrigá-los a apresentar extratos de suas contas...
Ora, dentre outros requisitos, o reembolso deve ocorrer com a efetiva prestação de serviço por parte dos profissionais ou dos estabelecimentos, sendo que sua comprovação depende apenas da apresentação de nota fiscal. A imposição unilateral de exigências adicionais claramente serve para dificultar o gozo do reembolso por livre escolha – embora o consumidor pague mensalidades elevadíssimas para poder usufruir desse direito.
Num quarto momento, há que se reconhecer a indispensabilidade da modalidade de reembolso assistido para a concretização do direito de acesso à saúde no Brasil.
Sabemos que, temendo não serem atendidos pela deficitária rede pública de saúde, diversos são os brasileiros que se esforçam para pagar seus planos ou seguros de saúde.
Muitos brasileiros optam intencionalmente por produtos que ofereçam o reembolso por livre escolha, por desejarem ter a possibilidade de eleger prestadores de serviços de sua confiança. Outros muitos dependem do reembolso assistido para honrar o pagamento dos serviços realizados, porque nossa realidade é de uma maioria que não possui recursos financeiros para arcar prontamente com despesas adicionais relativas a atendimentos e procedimentos de saúde.
A partir do momento que há uma alteração repentina de uma prática já consolidada no mercado, há um prejuízo severo aos consumidores pois, enfrentando dificuldades para exercerem a livre escolha, experimentarão insatisfação; precisando realizar serviços de alto custo, terão dificuldade de receber o reembolso e correrão o risco de nem mesmo receber; desejando mudar de plano ou seguro diante dessas dificuldades, enfrentarão um processo burocrático que, ainda, poderá obrigá-los a se submeter a prazos carenciais.
Num quinto momento, necessário esclarecer que o entendimento da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, no âmbito do REsp 1959929/SP, de que o desembolso pelos beneficiários seria um dos pressupostos para o reembolso por parte de operadoras e seguradoras, aplica-se única e exclusivamente às partes do processo.
Com o devido respeito, infelizmente tal entendimento representa um retrocesso no acesso à saúde pelos consumidores.
Já é possível observar que operadoras e seguradoras têm utilizado o acórdão com o fim de justificar exigências cada vez mais abusivas para o reembolso, prejudicando pacientes que já utilizaram serviços e precisam do reembolso bem como desencorajando que a livre escolha seja exercida.
Diante desse cenário, é importante que os beneficiários saibam que o acórdão tem efeito tão somente entre as partes do REsp 1959929/SP, por não ser uma decisão vinculante. Logo, qualquer condicionamento do reembolso à exibição de documentos não previstos em contrato, sob a justificativa de suposto entendimento jurisprudencial, é equivocado e abusivo.
Por fim, não resta dúvida acerca da urgência em regulamentar a matéria.
Diante da relevância e da consolidação do reembolso assistido no mercado de saúde brasileiro, bem como de sua essência lícita, a proibição não é a solução adequada. Principalmente, uma proibição construída a partir do Poder Judiciário que, com a devida vênia, não é um órgão regulador exclusivo do setor da saúde – papel esse da própria ANS – Agencia Nacional de Saúde Suplementar.
Assim sendo, necessário que instituições dedicadas à regulamentação do mercado de saúde brasileiro e à proteção dos direitos dos consumidores passem a seriamente estudar e debater uma regulamentação para o reembolso assistido, com vistas a dissolver dúvidas e conflitos que têm severamente prejudicado os pacientes.