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O indulto presidencial e os crimes contra a Ordem Tributária: abolicionismo ao apagar das luzes?

Premente a adoção do direito penal com fundamento nos princípios da fragmentariedade e da instrumentalidade, funcionando como verdadeira ultima ratio em uma sistema punitivo que clama por enxugamento.

18/1/2023

O ex-presidente Bolsonaro, ao apagar das luzes de seu governo, promulgou o decreto-lei 11.302/22, que trata das hipóteses legais para concessão do tradicional indulto natalino aos condenados criminalmente, visando à extinção da punibilidade (art. 107, II, CP).

Muito se falou acerca do indulto presidencial, constitucional porque despersonalizado, tendo em vista sua aplicação aos gravíssimos crimes praticados no contexto do Massacre do Carandiru. Neste sentido, a Procuradoria Geral da República propôs ADIn (7.330) perante o Supremo Tribunal Federal visando a declaração da inconstitucionalidade do art. 6º, caput e parágrafo único, e do art. 7º, § 3º, do decreto presidencial 11.302/22, que, da forma como redigido, permite a concessão de indulto a infrações penais que atualmente pertencem ao rol de crimes hediondos.

Contudo, não obstante o aparente desacerto dos dispositivos acima citados e de uma nítida propensão ao perdão de agentes públicos, mormente das forças armadas e segurança pública (arts. 2º, 3º, 6º, 7º, §3º), o decreto-lei inova em muitos outros aspectos, apresentando-se como verdadeira proposta abolicionista em relação a diversas infrações, dentre as quais destacam-se os crimes contra a Ordem Tributária.

Inovando no histórico dos indultos presidenciais, o decreto-lei não contempla a exigência de tempo mínimo de cumprimento de pena privativa de liberdade para sua concessão. E vai além.

O art. 5º, parágrafo único, prevê a decretação da extinção da punibilidade (art. 107, inciso II), pela aplicação do indulto, a crimes cuja pena máxima prevista em abstrato não ultrapasse os cinco anos, sendo consideradas, individualmente, as penas aplicadas em caso de concurso de infrações.

Os crimes contra a Ordem Tributária (lei 8.137/90) e seus congêneres, crimes previdenciários, como a apropriação indébita previdenciária (art. 168-A CP) e a sonegação de contribuições previdenciárias (art. 337-A CP), além das infrações penais de descaminho e contrabando (arts. 334 e 334-A CP), têm suas penas máximas fixadas, exatamente, em 05 anos de reclusão, com exceção do descaminho, que encerra com 04 anos de pena máxima abstratamente prevista. 

Da mesma forma, os crimes contra a economia e as relações de consumo, também previstos na lei 8.137/90, encontram-se compreendidos na hipótese de concessão de indulto.

O decreto-lei, por outro lado, silencia em relação às causas de aumento de pena aplicadas aos referidos tipos penais, como a prevista no art. 12 da lei 8.137/90, aplicáveis aos crimes tributários. Diante da omissão no texto legal, por serem acessórias ao tipo penal, deverão acompanhar o principal, sendo desconsideradas no cômputo a que se refere o art. 5º, caput, do decreto-lei, uma vez que a opção do decreto presidencial foi pela pena abstratamente considerada e não pelo momento de pena concretizada na sentença condenatória.

Outra inovação importante e que tende a minimizar os impactos do superlotado sistema carcerário e das apinhadas varas de execuções penais é a desnecessidade de se aguardar a expedição de guia de recolhimento, podendo o pedido ser dirigido ao próprio juiz de conhecimento, garantindo uma prestação jurisdicional célere e sob a égide do princípio da economia processual (art. 9º, III).

Sem prejuízo das demais infrações penais abarcadas pelo indulto presidencial, os crimes contra a ordem tributária e congêneres encontram-se, hoje, contextualizados em um sistema punitivo equiparado à prisão civil por dívidas – vedada pelo art. 5º, LXVII, CF – não só em decorrência da possibilidade de extinção de punibilidade em caso de pagamento do débito tributário e suspensão em hipótese de parcelamento, mas também pela consolidação do entendimento sobre a retroatividade da súmula vinculante 24 do Supremo Tribunal Federal.

O indulto presidencial vem em boa hora, fazendo justiça a infrações penais cometidas há mais de 20 anos que, em razão da retroatividade da citada súmula, sob a justificativa de conferir ao sistema de justiça segurança jurídica, findou por punir crimes praticados sob a égide de outro sistema legal, violando o princípio da irretroatividade da lei penal mais gravosa (artigo 5º, XL da CF e artigo 2º do CP) e criando, de per si, absoluta insegurança jurídica para o contribuinte que se veja em conflito com a lei penal.

As alterações legislativas, impulsionadas pelos amplos debates acerca do momento consumativo dos crimes contra a Ordem Tributária, com o julgamento do paradigmático HC 81.611, no ano de 2003, em um breve espaço de tempo – até o julgamento dos procedimentos administrativos tributários – resultaram em transitória calmaria nas ações penais, contudo, posteriormente, geraram forte insegurança jurídica ao contribuinte, cujas consequências ainda se observam em decisões judiciais conflitantes entre Câmaras Julgadoras pertencentes a Órgãos da Jurisdição, inclusive, dentro um mesmo Tribunal.

A solução para a punição criminal do devedor da Fazenda, é certo, passa ao largo da aplicação do indulto natalino, devendo ser foco de constante provocação da Advocacia perante o Poder Judiciário, visando a alterar precedentes e entendimentos consolidados na força (vis) arrecadatória do Estado.

Premente, ainda, a adoção do direito penal com fundamento nos princípios da fragmentariedade e da instrumentalidade, funcionando como verdadeira ultima ratio em uma sistema punitivo que clama por enxugamento.

Contudo, enquanto tais debates não alcançam seus resultados práticos necessários, o indulto presidencial, aplicável aos crimes contra a Ordem Tributária e congêneres, distribui justiça por uma via reflexa, devolvendo ao cidadão e contribuinte aquilo que a lei e os Tribunais Superiores ainda não foram capazes de solucionar: o fim da prisão por dívida.

Ana Carolina Moreira Santos
Advogada criminalista, Presidente da Comissão da Mulher Advogada da Subseção de Pinheiros da OAB/SP, mestranda em Direito Médico, membra da diretoria da ABMCJ, Comissão São Paulo.

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