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O chat GPT: o que o novo oráculo de delfos tem a dizer aos advogados?

O grande diferencial da ferramenta, como toda ferramenta tecnológica inovadora, será no modo como é utilizada para extrair os benefícios da mesma.

20/1/2023

O Templo de Apolo em Delfos era reconhecido como um centro sagrado e um lugar onde os indivíduos da antiga Grécia buscavam orientação divina para questões de importância ética, política, militar e pessoal através de seu Oráculo. Sua sacerdotisa, a Pítia, a qual, de acordo com a crença popular, era possuída pelo deus Apolo, podia fornecer respostas proféticas a indagações formuladas por aqueles que buscavam orientação.

Hoje, passados 2600 anos, nos encontramos diante de novos oráculos a exemplo do Chat GPT da OPEN AI que está gerando muitas expectativas em todos os segmentos da sociedade. Apenas uma semana após o seu acesso público mais de um milhão de pessoas começaram a usar a ferramenta, um crescimento exponencial que superou o Netflix que levou 3 anos para atingir tal marca, a Meta que demorou 10 meses e o Instagram que esperou 3 meses para chegar ao mesmo número de usuários.

No Brasil, o advogado e professor Amaro Moraes e Silva Neto foi um dos primeiros estudiosos do Direito e Tecnologia no Brasil e um dos primeiros a explorar a magnitude do fenômeno. Nas suas pesquisas estudou diversas civilizações, povos, tradições e mitos que traduziam o anseio humano por encontrar uma fonte universal de conhecimento.

Dizia Amaro que este anseio havia tomado vários nomes e formas nestas tradições: um oráculo, um místico vendo figuras se formarem em um caldeirão ou outro vendo imagens em uma bola de cristal, mas sempre o fenômeno é o mesmo: um ser humano acessando uma fonte de conhecimentos maior do que a que qualquer outro ser humano sozinho pode deter.

Diante de tal quadro, concluía Amaro que podemos nos orgulhar de sermos a primeira geração a viver a era da perfeita bola de cristal, afirmando que eram os buscadores, como o Google, a nossa bola de cristal contemporânea.

A presença física de Amaro se extinguiu em novembro de 2012, de modo que o pensador não pôde presenciar a evolução da nossa moderna bola de cristal do modelo do buscador para o do Chat de Inteligência Artificial, o novo oráculo de Delfos.

Entre buscadores como o Google e uma inteligência artificial, como o Chat GPT, existe uma diferença significativa. Uma das características é que, diante de uma busca ou questionamento, o usuário irá encontrar inúmeras, às vezes milhares de fontes (links) de resposta. Esta abundância de informação contraria tudo a que estamos acostumados e muito frequentemente nos leva a uma paralisia ou a limitar a consulta aos indicados pelo algoritmo na “primeira página” da busca. Em uma “conversa” com o ChatGPT e diante da mesma pergunta o usuário receberá o “conforto” de uma resposta assertiva, sem crises de possibilidades e, pensam alguns, sem “perda de tempo”. 

O certo é que, assim que modelos de IA como o Chat GPT surgiram, uma das primeiras coisas que lemos foi: “É o fim dos buscadores!”. E em decorrência deste vaticínio hoje empresas como o Google correm para adaptar o modelo ao dos chats de IA e a Microsoft está de olho na ferramenta para investir mais de US$ 10 bilhões.

Os benefícios do Chat GPT são tão incríveis que começaram a surgir indagações como: “É o fim dos professores”, “...dos jornalistas”, “...dos escritores”, etc. Agora se fala que talvez seja o fim dos advogados, será?

O advogado não será substituído pela Inteligência Artificial, os profissionais do direito que usam Inteligência Artificial irão. No futuro mais do que técnicos do direito, precisaremos de juristas e filósofos aptos a extrair o potencial máximo da IA. Mesmo diante do grande avanço da IA o advogado competente é e sempre será indispensável. Entretanto, mais do que nunca se torna fundamental o dever de atualização constante que se traduz na obrigação de conhecer e usar as ferramentas que possam ajudar o profissional a se destacar no meio da revolução em curso.

No Brasil desde 2017 foi fundada a AB2L (Ass. Brasileira de Lawtechs e Legaltechs). Inicialmente, congregando 20 empresas de tecnologia jurídica. Hoje, na AB2L são mais de 300 soluções que fazem parte do ecossistema de inovação jurídica, com mais de 700 associados entre Lawtechs, Escritórios de Advocacia e Departamentos Jurídicos e, recentemente, criou uma certificação com critérios objetivos para identificar os Departamentos Jurídicos 4.0, e em breve, será lançada uma certificação para escritórios de advocacia afinados com o momento de transformação tecnológica. 

No momento no qual escrevemos este artigo nossas redes sociais, incluindo vários grupos de discussão muito específicos, estão em êxtase com a notícia de que a IA subjacente ao APP DoNotPay irá “defender” um réu perante uma corte de justiça em um julgamento.1 O App DoNotPay não é propriamente uma novidade, mas os seus usos se expandem a cada dia e mesmo achando que ele está longe do cotidiano dos Fóruns da Justiça Brasileira, a notícia é chocante .

KAI-FU LEE abre a sua obra “INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL”2 afirmando que, nas palestras que profere, as perguntas que lhes são feitas pelas crianças sobre o futuro da robótica e da IA, são as mesmas feitas pelos grandes líderes mundiais. Em verdade, estamos todos, indistintamente, perplexos com o atual patamar atingido pela inteligência artificial nas nossas vidas e, igualmente, confusos. 

No início do século, o tema da Inteligência Artificial já era usual e instigante, mas parecia estar destinado a permanecer por longo tempo fora da vida cotidiana. A ideia de IA inspirava cálculos matemáticos, fins estratégicos ou, no máximo, ganhar uma partida de xadrez. Vivemos assim por boa parte das duas primeiras décadas do Século até que, quase de repente, a IA se candidata a ser uma presença cotidiana nas nossas vidas.

A grande virada entre aquele modelo e a realidade de “ficção científica” que se avizinha, é o domínio pela IA da possibilidade de se apropriar da linguagem natural. A compreensão da sintaxe linguística e sua utilização quase que perfeita nos conduz hoje àquele estado de indiferenciação entre o pensamento humano e o da máquina que Turing propôs pôr à prova no seu famoso teste3.

Recentemente o jornal New York Times publicou o resultado de um experimento no qual vários especialistas falharam em conseguir diferenciar o texto escrito por uma IA de um texto produzido por uma criança, e este é um exemplo apenas dentre vários4. Importante frisar que a versão atual do chat GPT, versão 3, atua com 175 bilhões de parâmetros, em breve na nova versão, GPT4, serão 100 trilhões de parâmetros.  

Não que não estejamos acostumados com surpresas tecnológicas, nossa sociedade tem vivido de sobressaltos cada vez mais rápidos quando se trata de ciência. O advento da web e dos buscadores de conteúdo como o Google, Bing ou os históricos Yahoo ou Cadê, são fantásticas mudanças ocorridas recentemente que se tornaram tão naturais nas nossas vidas que nos impedem de ver como a sociedade seria realmente diferente sem elas.

Que aplicações concretas podemos ter do Chat GPT na advocacia?

Imagine: é um dia normal, o advogado consulta a sua agenda e lá consta a tarefa de elaborar um contrato de locação de imóvel para o cliente X. Ninguém parte do zero neste tipo de tarefa ou, pelo menos, não deveria. Neste dia comum, o advogado lembra de outros contratos parecidos que já fez e que se encontram armazenados na base de dados do escritório, gasta algum tempo navegando nos diretórios e escolhe alguns modelos. Uma leitura dos modelos escolhidos o conduz a especificidades que o levam a mesclar os textos fazendo uma síntese. Feito isto, é hora de verificar as alterações possíveis na legislação, como tem evoluído a jurisprudência e digitar os dados do imóvel das partes contratantes, o valor do imóvel e o no final da manhã o trabalho está quase no fim.

Em um outro cenário.  É um dia normal, um advogado consulta a sua agenda e consta a tarefa: elaborar contrato de locação de imóvel comercial do cliente X. O advogado abre o seu editor de textos, copia a tarefa dentro do editor acrescenta a informação dos contratantes e as informações específicas constantes em um banco de dados, tecla ENTER e o contrato surge, quase que magicamente. Neste cenário, uma inteligência artificial subjacente e generativa fez em milésimos de segundo a síntese de todos os modelos armazenados na sua base de dados, o cotejo com alterações da legislação e da jurisprudência recente e formulou cláusulas contratuais específicas para o caso, em português claro e correto5.

A cena não é de um filme de ficção científica, é praticamente possível com o uso da API do ChatGPT com scripts e funções internas do Word e tudo isso, por enquanto, praticamente de graça6. Esta possibilidade real abre espaços para cenários futuros nos quais a agenda pode não mais existir, um chat poderia receber o pedido do próprio cliente e o processaria. A tarefa poderia nem existir, diante da possibilidade de um atendimento instantâneo da demanda e, por consequência, a figura do advogado poderia nem existir.

Além da geração de contratos, o Chat GPT também responde a consultas jurídicas, apresenta caminhos para solução de conflitos, é capaz de redigir petições e atua tranquilamente como um assistente virtual muito eficaz mas todas as vezes em que tarefas do tipo são requisitadas, ela deixa disclaimer de que não é um advogado e que se deve buscar o profissional competente para tais tarefas. 

Mas, afinal, quais as mudanças uma ferramenta com este potencial pode trazer para a área jurídica? Dora Kaufman, em recentíssimo artigo publicado sobre as limitações tecnológicas do ChatGPT, lembra que a própria OpenAI alertou para o fato de que, ocasionalmente, o Chat GPT pode gerar informações incorretas e produzir instruções prejudiciais ou conteúdos tendenciosos, e que se trata de um projeto de pesquisa que deverá seguir sendo refinado7.

O grande diferencial da ferramenta, como toda ferramenta tecnológica inovadora, será no modo como é utilizada para extrair os benefícios da mesma. Muitos profissionais do direito possuem um smartphone, mas não são todos que usam de maneira inteligente. Não basta o acesso, é necessário saber usar estrategicamente.

Mesmo diante de tais limitações, entretanto, os avanços são incríveis, razão pela qual fizemos uma pequena entrevista com mais um especialista, o próprio ChatGPT3, abaixo as respostas dadas: 

Pergunta: Quem criou o Chat GPT?

Resposta:  O GPT (Generative Pre-training Transformer) é um modelo de linguagem de treinamento prévio gerativo desenvolvido pela OpenAI. Ele foi criado como uma maneira de treinar modelos de linguagem de uma maneira mais eficiente e precisa, utilizando técnicas de pré-treinamento em grandes conjuntos de dados. O GPT foi o primeiro modelo da série GPT (Generative Pre-training Transformer) desenvolvida pela OpenAI, e foi seguido pelo GPT-2 e GPT-3.

Pergunta: Quais pessoas, empresas e instituições mantem o chat GPT?

Resposta: O GPT é mantido pelo grupo de pesquisa de Linguagem de Computador da OpenAI. Este grupo é composto por cientistas de dados, pesquisadores de linguagem de computador e engenheiros de software que trabalham juntos para desenvolver novas técnicas e tecnologias de processamento de linguagem natural. A OpenAI é uma empresa de pesquisa de inteligência artificial sediada em San Francisco, na Califórnia. Ela é financiada por uma combinação de doações, investimentos e patrocínios de empresas e indivíduos interessados em promover o avanço da IA de forma responsável.

Pergunta: Como gostamos de um pouco de fofoca, é verdade que Elon Musk é uma importante figura oculta no desenvolvimento do chatGPT?

Resposta: Elon Musk é um co-fundador da OpenAI, mas ele não tem nenhum papel ativo na pesquisa ou no desenvolvimento de tecnologias de linguagem de computador como o GPT. Elon Musk é mais conhecido como o CEO da SpaceX e da Tesla, Inc., empresas que ele fundou e lidera. Ele também é conhecido por suas visões futuristas e pelo seu interesse em tecnologias avançadas, incluindo a inteligência artificial. No entanto, ele não tem nenhum envolvimento direto na pesquisa ou no desenvolvimento do GPT ou de qualquer outra tecnologia de linguagem de computador da OpenAI.

E por fim...

Pergunta: Caro Chat GPT, somos advogados, precisamos ter medo de você? Você vai tirar o nosso emprego?

Resposta: Os modelos de linguagem como o GPT são projetados para ajudar os seres humanos a realizar tarefas de maneira mais eficiente e precisa, e não para substituí-los. É verdade que a IA pode desempenhar um papel na automação de algumas tarefas e na tomada de decisões, mas é pouco provável que os modelos de linguagem, como o GPT, possam substituir completamente profissionais qualificados em campos como o direito. A IA pode ser uma ferramenta útil para os advogados, ajudando-os a realizar tarefas de pesquisa e análise de dados de maneira mais rápida e precisa, mas ainda é necessário o julgamento humano e a interpretação para tomar decisões complexas e tomar medidas estratégicas. Enquanto isso, é importante continuar investindo em habilidades e formação contínua para garantir que os profissionais estejam sempre atualizados e preparados para enfrentar as mudanças no ambiente de trabalho.

Assim terminamos o nosso artigo e a entrevista esperando ter inspirado reflexões e aproximado o leitor desta incrível novidade que é a Inteligência Artificial aplicada ao Direito.

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1 CAPARROZ, Leo. Inteligência artificial vai defender um réu no tribunal. SUPERINTERESSANTE. Disponível em: https://super.abril.com.br/ciencia/inteligencia-artificial-vai-defender-um-reu-no-tribunal/. Acesso em: 5 jan 2023. 

2 LEE, Kai-Fu. Inteligência Artificial. Rio de Janeiro: Globo Livros, 2019.

3 O Teste de Turing testa a capacidade de uma máquina de exibir comportamento inteligente equivalente ao de um ser humano, ou indistinguível deste. O teste foi introduzido por Alan Turing em seu artigo de 1950 "Computing Machinery and Intelligence", que começa com as palavras: "Eu proponho considerar a questão 'As máquinas podem pensar?'

4 THE NEW YORK TIMES. Chatbot Child Essays. Disponível em:  https://www.nytimes.com/interactive/2022/12/26/upshot/chatgpt-child-essays.html. Acesso em: 06 de janeiro de 2023. 

5 Na prática a IA não é tão precisa, a base de dados do ChatGPT no momento está atualizada até 2020 de forma razoável falhando em informações mais recentes e apresenta respostas melhores sobre o sistema jurídico dos EUA além de as vezes confundir a legislação brasileira com a americana. A tendência, entretanto, é que com o próprio uso da plataforma estes erros venham a ser eliminados. 

6 A Microsoft já anunciou que em breve irá incluir o acesso ao ChatGPT nativamente na sua suíte de aplicativos. 

7 KAUFMAN, Dora. As limitações da sensação tecnológica de 2023: o ChatGPT. GLOBO.COM. Disponível em: https://epocanegocios-globo-com.cdn.ampproject.org/c/s/epocanegocios.globo.com/google/amp/colunas/iagora/coluna/2023/01/as-limitacoes-da-sensacao-tecnologica-de-2023-o-chatgpt.ghtml. Acesso em: 06 de janeiro de 2023. 

Daniel Marques
Advogado, filósofo, professor, palestrante e escritor. Diretor Executivo da AB2L - Associação Brasileira de Lawtechs e Legaltechs, com atuação em Gestão Jurídica 4.0 e Regulação de Novas Tecnologias. Graduado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). MBA em Gestão Empresarial pela Fundação Getulio Vargas (FGV-Rio), Bacharel em Antropologia e Ética pela Università Regina Apostolorum, Roma, Itália. Mestrado em Filosofia da Ciência e Epistemologia pela Università Regina Apostolorum, Roma, Itália.

José Caldas Gois Junior
Advogado em Caldas Gois Advogados Associados, Professor na Universidade Estadual do Maranhão e na Universidade Ceuma nas disciplinas Direito de Internet e Direito do Consumidor. Especialista em Metodologia da Pesquisa e Ensino Superior, Mestre em Direito Público pela UFPE. Coordenador do Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa em Direito de Informática da UEMA. Coordenador da Pós Graduação em Direito Processual Contemporâneo da Universidade CEUMA.

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