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Subordinação por algorítimo: A aplicação da inteligência artificial nas plataformas digitais gera vínculo de emprego?

Enquanto não houver uma norma que regulamente o tema, o entendimento da Corte trabalhista é no sentido de que a inteligência artificial ainda não é suficiente para a fiscalização do trabalho, nem tampouco para a caracterização do vínculo empregatício, pois os requisitos legais não são preenchidos de forma cumulativa.

18/1/2023

É inegável que a tecnologia veio para facilitar a vidas de todos nós, pois, atualmente, existem inúmeras ferramentas que nos auxiliam no dia a dia, fazendo com que nossas vidas sejam cada vez mais práticas.

Dentre essas tecnologias está a inteligência artificial das plataformas de intermediação de prestação de serviços, em que pedimos comida, bebida, transporte de pessoas e objetos, serviços de beleza, entre outros milhares de serviços existentes no mercado.

Nesse sentido, e sem nos adentrarmos ao mérito social da questão, já que há grande controvérsia sobre a geração de trabalho e precarização da mão de obra, mas com foco apenas jurídico, não é raro encontrarmos profissionais que trabalham com plataformas digitais acionarem o poder judiciário em busca do reconhecimento do vínculo empregatício, como forma de garantir o pagamento dos direitos previstos na Consolidação das leis Trabalhista (“CLT”). 

Mas afinal, existe mesmo o vínculo empregatício em tal relação?

O artigo 3º da CLT prevê cinco elementos essenciais para a caracterização do vínculo de emprego, os quais precisam coexistir, de forma cumulativa, a saber:

  1. Pessoa física: Somente pessoa física pode figurar como empregado.
  2. Pessoalidade: O trabalho deve ser prestado de forma pessoal, sem que o empregado possa se fazer substituir por outra pessoa.
  3. Onerosidade: O trabalho deve ser remunerado em dinheiro, sendo vedado o pagamento com produtos como cigarro, álcool ou qualquer ilícito.
  4. Não eventualidade; O trabalho deve ser habitual.
  5. Subordinação: Deve existir a figura do superior hierárquico, com fiscalização e cumprimento de regras impostas pelo empregador.

Citamos aqui como exemplo a figura do profissional parceiro de plataformas de transporte, como Uber, Rappi e 99. Nessa relação é possível verificar a presença de alguns elementos elencados da CLT, no entanto, ainda lhe falta a subordinação.

Isso porque a figura do empregador, que fiscaliza o trabalho prestado pelo profissional, não está presente nessa relação, uma vez que inexiste a figura de um superior hierárquico controlando as atividades, exercendo o poder diretivo. Além disso, o profissional parceiro tem liberdade para decidir o dia e o horário que quer trabalhar, bem como o chamado que quer atender.

Para esses trabalhadores, o vínculo empregatício estaria na possibilidade de a inteligência artificial suprir o poder diretivo do empregador, já que os algoritmos da plataforma seriam capazes de controlar a produtividade dos trabalhadores por meios de softwares, que geram relatórios de desempenho. Caso o algoritmo aponte que o trabalhador não atende os requisitos mínimos exigidos pela plataforma, este profissional pode ser punido, inclusive, com a sua exclusão da plataforma. Trata-se, portanto, de legítima prestação de serviços, com exigência de padrões mínimos de qualidade e não de vínculo empregatício.

Nesse sentido, o Tribunal Superior do Trabalho (“TST”), última instância especializada da Justiça do Trabalho, de forma acertada, na opinião dos escritores, vem se mostrando contrário ao reconhecimento do vínculo de emprego de motorista da plataforma de transportes. Atualmente já são 6 (seis) decisões que afastam o vínculo de emprego pretendido pelos profissionais que trabalham em plataformas, contra zero decisão que reconheça o vínculo empregatício no TST.

Destaca-se que o TST é formado por 8 (oito) Turmas diferentes, sendo que dessas oito Turmas apenas duas já se manifestaram sobre o tema: a 4ª Turma do TST, com cinco decisórias contrárias ao vínculo empregatício e a 5ª Turma do TST, com uma decisão no mesmo sentido. Ou seja, ainda existem 6 Turmas que não se manifestaram quanto a existência, ou não do vínculo.

Para Ives Gandra Martins, ministro do TST e relator do último acórdão proferido pela 4ª Turma do TST, as novas formas de trabalho e a incorporação de tecnologias digitais vem provocando uma profunda transformação na Justiça do Trabalho, mas que ainda carecem de regulamentação específica para que seja possível distinguir uma legitima relação de “emprego”.

Em sua decisão, de dezembro/22, o acórdão destacou que não há habitualidade na prestação de serviços, uma vez que compete ao motorista definir os dias e horários em que prestará seus serviços. O acórdão ressalta, também, que inexiste subordinação jurídica, pois é possível ao profissional desligar o aplicativo, sem que lhe seja imputado penalidades.

Enquanto não houver uma norma que regulamente o tema, o entendimento da Corte trabalhista é no sentido de que a inteligência artificial ainda não é suficiente para a fiscalização do trabalho, nem tampouco para a caracterização do vínculo empregatício, pois os requisitos legais não são preenchidos de forma cumulativa.

Ainda, cabe ressaltar que a matéria já está sendo examinada pela Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1), órgão responsável pela uniformização da jurisprudência das Turma, a fim que a temática seja pacificada.

Assim, pelo menos por enquanto, não há se falar em reconhecimento de vínculo empregatício entre plataformas digitais e pessoas físicas prestadoras de serviços, sendo a relação meramente comercial e de natureza civil.

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Lei 5.452/1943 (CLT)

https://jurisprudencia-backend.tst.jus.br/rest/documentos/9db0e4310182ab26740b0b47336bfbb3

https://jurisprudencia-backend.tst.jus.br/rest/documentos/ce0b7f9aec6bf87d0fa2fc754543af33

https://jurisprudencia-backend.tst.jus.br/rest/documentos/ace750066abb32447598485e6cfcab3e

https://jurisprudencia-backend.tst.jus.br/rest/documentos/861c9cf8eea955f623082ed22a3e0cd1

https://jurisprudencia-backend.tst.jus.br/rest/documentos/2b8d19fd13c4e3eaf56e33b73cd6207d

https://jurisprudencia-backend.tst.jus.br/rest/documentos/ff33d22717107c2c7302d776a403acee

Yara Leal Girasole
Formada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, com Pós-graduação em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela PUC/SP.

Felipe Barbosa Cândido
Advogado no escritório HSVL Advogados

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