INTRODUÇÃO
O Código Tributário Nacional regulamenta a solidariedade e responsabilidade tributária nos seus capítulos II, seção II, artigo 124, Capítulo IV, Seção I, artigo 121 e Capítulo V, artigo 128 e seguintes, fixando uma série de estruturas lógico deônticas compostas de normas jurídicas primárias (juridicizando os fatos e lhes subsumindo a consequências jurídicas decorrentes desses fatos) e normas jurídicas secundárias (sanção legal em decorrência do descumprimento do consequente da norma jurídica), de modo a permitir a tributação mediante a imposição de obrigações àqueles que não praticaram o fato gerador, sendo, portanto, uma exceção à hipótese de incidência tributária, porquanto impõe obrigações tributárias a terceiros.
Nesse cotejo, considerando que a responsabilização tributária de terceiro possui caráter excepcional, sua incidência é palco de discussões doutrinárias e de interpretações diversas o que costumeiramente implica em manejamento de ônus impróprio, cabendo nesse sentido uma profícua análise e atuação do intérprete do direito de modo a permitir a correta incidência da sujeição passiva delimitada no artigo 121, parágrafo único, inciso II1 e 124, inciso I2, ambos do Código Tributário Nacional.
Isso porque não se pode sob o pretexto da praticidade e simplificação da arrecadação mitigar condições de responsabilização estabelecidas no ordenamento jurídico tributário e, de tal modo realizar verdadeira confusão entre responsabilização tributária de terceiros, prevista legalmente e a inaceitável ampliação de sujeição passiva do tributo sem amparo expresso de lei.
Todavia, no contencioso tributário administrativo e judicial é comum deparar-se com a autuação e responsabilização de pessoas jurídicas diversas sob o argumento da existência de grupo econômico de fato com interesse comum no fato gerador da obrigação tributária conforme dicção legal do artigo 124, inciso I do Código Tributário Nacional.
Nesse contexto, objetiva-se com este trabalho, a delimitação semântica da descrição legal da norma encartada no artigo 124, I do Código Tributário Nacional objeto de fundamentação para responsabilizar pessoas jurídicas sob o contorno de grupo econômico de fato com interesse comum e, por conseguinte, indicar se há a necessidade para a incidência da prescrição legal em referência a detecção de interesse econômico das pessoas jurídicas envolvidas ou há ainda a indispensabilidade do interesse jurídico para a responsabilização.
Para tanto, através de uma metodologia qualitativa, amparada em estudo de caso hipotético que reflete a problemática vivenciada no contencioso tributário administrativo, pretende-se com este trabalho fixar os contornos e limites da responsabilização de grupos econômicos de fato sob o fundamento de interesse comum na situação que constituiu o fato gerador da obrigação tributária principal, com base no conceito jurídico de responsabilidade tributária, grupo econômico, entendimento jurisprudencial e do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais sobre o interesse comum encartado no artigo 124, I do Código Tributário Nacional.
Dessa forma, o presente estudo será distribuído em quatro capítulos nos quais, após a fixação do caso hipotético com base no problema central em destaque, será sedimentado o conceito de Responsabilidade Tributária e pressupostos de incidência.
No terceiro capítulo, será balizado o conceito de grupos econômicos, sua classificação e eventuais distinções. Analisaremos em seguida, no quarto capítulo o a interpretação, limite e alcance do interesse comum na responsabilidade tributária de pessoas jurídicas sob fundamento de existência de grupos econômicos de fato com interesse comum no fato gerador da obrigação principal.
1 HIPÓTESE DE RESPOSABILIZAÇÃO DE GRUPOS ECONÔMICOS DE FATO SOB ARGUMENTO DE INTERESSE COMUM NA SITUAÇÃO QUE CONSTITUIU O FATO GERADOR DA OBRIGAÇÃO PRINCIPAL
Para a delimitação semântica do "interesse comum" e a consequente responsabilização de pessoas jurídicas diversas, em tese independentes, sob o argumento de existência de grupo econômico de fato, partiremos de um caso hipotético de Autuação Administrativa, cujos nomes empresariais, elementos numéricos e datas são fictícios, servindo apenas para a conferência prática da regularidade e legalidade da incidência da responsabilidade tributária por solidariedade encartada no artigo 124, inciso I do Código Tributário Nacional em pessoas jurídicas diferentes. Vejamos:
Imagine o seguinte caso e dados hipotéticos: Em 8/5/18, após instauração de procedimento de fiscalização pela Receita Federal do Brasil, sobre a pessoa jurídica de “A”, foi constatado pela Autoridade Fiscal que em 2016, período fiscalizado, a Empresa apresentou Escrituração Contábil Fiscal – ECF para o ano-calendário fiscalizado, apuração do IRPJ e CSLL a pagar sob o regime de apuração de lucro presumido, porém sem o devido recolhimento e sem a declaração dos débitos via Declaração de Débitos e Créditos de Tributos Federais – DCTF.
Foi solicitado ainda à Empresa pela Autoridade Fiscal para que apresentasse as EFD Contribuições para o ano-calendário de 2016, intimação esta que não foi atendida, concluindo-se, portanto, com base na informação contida nas notas fiscais de prestação de serviços, e nos valores de retenção dos tributos, pela tributação das contribuições ao PIS/PASEP e COFINS.
Portanto, o procedimento fiscal apurou valores a serem lançados de ofício para o IRPJ, CSLL, PIS/PASEP e COFINS da ordem de R$ 2.063.000,00 (dois milhões e sessenta e três mil reais).
Por derradeiro, a Autoridade Fiscal formalizou relatório de Grupo Econômico Irregular, Interposição de Pessoas e Responsabilidade Solidária, no qual destacou que após analisada a contabilidade da empresa fiscalizada, transmitida através da Escrituração Contábil Digital - ECD notou-se que foram realizados diversos créditos de empréstimo e recebimento entre a empresa “A” e “B”, totalizando 150 (cento e cinquenta) lançamentos contábeis de empréstimos e recebimentos.
Isso porque a autoridade fiscal identificou no Balancete Contábil de 2016 da empresa “B” um saldo de Créditos no valor de R$ 280.000,00 (duzentos e oitenta mil reais) a título de empréstimos para a empresa “A”.
Além disso, constataram-se que embora as empresas supracitadas tivessem sócios distintos em seus quadros societários, elas tiveram, ainda que em períodos distintos, representante/administrador por procuração pública idêntico.
Na sequência, analisaram-se informações cadastrais das empresas e evidenciou-se que utilizavam o mesmo código de atividade econômica principal, qual seja limpeza em prédios e domicílios.
Com base em tais premissas, pelo fundamento legal dos artigos 124, inciso I do Código Tributário Nacional bem como do Parecer Normativo COSIT/RFB 4, de 10 de dezembro de 20183, a Autoridade Fiscal entendeu pela existência da responsabilidade solidária das empresas em referência.
Justificou para tanto a existência de interesse comum da empresa “B”, na situação vinculada ao fato jurídico tributário consubstanciado em unidade de direção e de operação de mais de uma pessoa jurídica por mesmo representante/administrador, demonstrando artificialidade da separação jurídica de personalidade, realizando a empresa corresponsabilizada indiretamente o fato gerador dos respectivos tributos e, de tal maneira, possuindo interesse comum para ser imputada.
Em decorrência dos tributos constituídos de ofício e da responsabilização solidária das empresas “B” e “A” pelo fundamento de existência de interesse comum na situação que constituiu o fato gerador da obrigação principal, aplicou-se multa de 150% do seu valor, nos termos do artigo 44,§1º da lei 9.430/964 e artigos 71, 72 e 73 da lei 4.502, de 30 de novembro de 19645, pela suposta ação dolosa tendente à sonegação fiscal suscetíveis de afetar a obrigação tributária principal e o crédito tributário correspondente, uma vez que teriam mediante a utilização de pessoas jurídicas diversas, tentado evitarem o recolhimento e/ou a recuperação do crédito tributário.
De todo o procedimento fiscal, foram as empresas intimadas a extinguir o crédito tributário constituído pelo lançamento de ofício, por meio do pagamento ou outra forma de extinção prevista em lei, ou impugná-lo, no prazo de 30 (trinta) dias, contado da ciência do auto de infração, nos termos dos artigos 5, 15, 16 e 17 do decreto no 70.235/726, com as alterações introduzidas pelas leis no 8.748/93,9.532/97, 11.196/05 e 11.941/09.
Neste escopo, balizado o caso hipotético, torna-se imperioso em atenção à problemática proposta neste trabalho, apurar se a responsabilização das empresas supracitadas sob o fito da formação de grupos econômico de fato e interesse comum no fato gerador dos respectivos tributos gozou de pertinência legal dentro da extensão semântica da expressão "interesse comum" pretendida pelo Legislador Tributário no texto do regramento contigo no artigo 124, inciso I do Código Tributário Nacional, ou melhor, se a precitada responsabilização preencheu as hipóteses de incidência dessa espécie de responsabilidade.
Para tanto, faz-se necessário compreender inicialmente o conceito de responsabilidade tributária e seus pressupostos de incidência, o conceito de grupos econômicos, sua classificação e eventuais distinções.
Posta tais premissas, a despeito da amplitude doutrinária acerca dos conceitos que se pretende chegar sobre a responsabilidade tributária e grupos econômicos de fato, a partir daí buscar-se a interpretação, limite e alcance do interesse comum na responsabilidade tributária de pessoas jurídicas de modo a permitir a confirmação da legalidade ou não da imputação das empresas “B” e “A” na conclusão deste trabalho.
2 CONCEITO DE RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA
No desafio de conceituar a responsabilidade tributária ou sujeição passiva de terceiro previsto no artigo 121, inciso II do Código Tributário Nacional7, não se pode ignorar que embora o artigo 1118 do mesmo diploma legal em destaque indique a interpretação teleológica e literal da legislação tributária como diretriz hermenêutica, há de se considerar que o intérprete do direito não pode ficar limitado ao significado básico dos signos jurídicos sob pena de, caso contrário, restar impedido de extrair a totalidade das significações dos comandos legislativos pelo contexto e não somente pelo texto.
Segundo Carvalho:
não há como aceitar uma interpretação econômica do direito ou uma interpretação histórica do direito, mecanismos espúrios que ainda contaminam nossa cultura jurídica. [...] O que pode acontecer é o sistema S’ tomar conhecimento de informações do sistema S’ e processar esses dados segundo seu código de diferença, vale dizer, submetendo-o ao seu peculiar critério operacional. Em linguagem jurídica, é o direito recebendo fatos econômicos, por exemplo, em suas hipóteses normativas e, a partir delas, produzindo novas relações jurídicas por meio dos operadores deônticos (V, P e O). (CARVALHO, 2021, p. 153).
Ou seja, dentro de um contexto de liberdade do intérprete para extrair sua interpretação (significações normativas) a pretensão será, dessa maneira, alcançar e balizar os requisitos incontroversos reconhecidos pela doutrina e jurisprudência majoritária sobre sujeição passiva do terceiro quanto à obrigação tributária independente de ter realizado o fato jurídico tributário.
Partindo-se desse pressuposto, é incontroverso que a responsabilização de terceiro pende da existência de crédito tributário inadimplido pelo realizador da hipótese de incidência (sujeito passivo direto), requisito objetivamente consolidado no artigo 128 do Código Tributário Nacional9 na expressão "a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário" (Brasil, 1966). É o caso, por conseguinte, como leciona Costa (Costa, 2021, p. 270) da responsabilização de "outra pessoa pelo pagamento do tributo, quando não for pago pelo sujeito passivo direto".
Ou seja, como estampado no inciso II do artigo 121 do Código Tributário Nacional, o terceiro não pode ser o contribuinte (quem realiza o fato gerador da obrigação tributária), mas, todavia, como leciona Luciano Amaro (2010, p. 331), seja "elegível como sujeito passivo à vista de um liame indireto com o fato gerador".
Outro requisito para a incidência da norma de responsabilização é a exigência de disposição expressa de lei conforme preconiza o artigo 121, parágrafo único inciso II do Código Tributário Nacional.
Nesta linha, importante frisar a pertinência legal da premissa supracitada fixada pelo legislador originário, pois que atendeu o princípio da legalidade anteriormente mencionado nas linhas introdutórias deste trabalho.
Desta maneira, conclui-se que o Código Tributário Nacional, lei Ordinária com status de lei Complementar, fixou em seus artigos 121 e 128 as premissas de incidência da responsabilização de terceiro.
Estando definidas as exigências legais de incidência da norma de responsabilização, conclui-se que a responsabilidade tributária em linhas gerais é a implicação tributária (obrigação de pagar) daquele que em decorrência da prática de um fato lícito ou ilícito permite sua responsabilização ainda que não tenha sido ele a pessoa que praticou o fato jurídico de incidência tributária, tendo como características seu enquadramento em responsabilidade pessoal, subsidiária ou solidária.
Para este trabalho, o foco será a responsabilidade solidária do artigo 124, inciso I do Código Tributário Nacional.
2.1 RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DECORRENTE DO INTERESSE COMUM NA SITUAÇÃO QUE CONSTITUIU A OBRIGAÇÃO PRINCIPAL
A responsabilidade solidária decorrente de interesse comum na situação que constituiu o fato gerador da obrigação principal da forma como fixada pelo Legislador na redação da previsão do inciso I do artigo 124 do CTN é por demais imprecisa, o que prejudica a delimitação de sua abrangência pela simples leitura de seu texto normativo.
Nesse aspecto, torna-se necessário a verificação interpretativa de seu texto advindo do processo legislativo de modo a extrair a interpretação que esteja ancorada no enfoque hoje corrente sobre a matéria.
Isso porque, como leciona o Jurista Celso Lafer: (2009, p. 18) apud Ferraz Junior (2009, p. 18):
Não existe um critério unívoco da boa e correta interpretação, assim como não existe um critério unívoco da boa e correta tradução (...) No caso do Direito, a uniformização do sentido do jurídico, pela interpretação, tem a ver com o poder da violência simbólica, que, se apoiando na autoridade, na liderança e na reputação, privilegia um enfoque, entre muitos enfoques possíveis, que passa a ser o uso competentemente consagrado de uma escolha socialmente prevalecente. (2009, p.18 apud FERRAZ JUNIOR, 2009, p.18).
Dentro desse contexto extrai-se do inciso I do artigo 124 do CTN um conteúdo normativo cuja significação indica a constituição do crédito tributário de forma solidária entre aqueles agentes que possuam interesse e participação com o fato tributável.
Como bem fixado em decisão do Superior Tribunal de Justiça10 ainda no ano de 2008, em processo judicial em que se discutia a responsabilização tributária de empresas de um mesmo grupo econômico, entendeu-se, "imprescindível que ambas realizem conjuntamente a situação configuradora do fato gerador, sendo irrelevante a mera participação no resultado dos eventuais lucros auferidos pela outra empresa coligada ou do mesmo grupo econômico".
Ou seja, o interesse juridicamente relevante e que caracteriza a incidência da responsabilização não é meramente o econômico, mas sim o jurídico não bastando a interdependência de empresas para a sua aplicação.
Explico:
No caso hipotético apresentado neste trabalho, temos empresas prestadoras de serviços técnicos. Imaginemos tratar-se de empresas prestadoras de serviços de limpeza. Nesse caso, se acatada a tese de que bastaria a hipótese de simples interesse econômico para a responsabilização de outras empresas, todos os fornecedores de produtos e materiais de limpeza seriam responsáveis solidários pelo pagamento dos tributos oriundos da venda de prestação do serviço pelas empresas autuadas.
Todavia, a premissa supracitada não pode ser aceita, dado que a responsabilização solidária do inciso I do artigo 124 do Código Tributário Nacional pende do necessário interesse comum juridicamente qualificado e não meramente econômico, de modo que seja visível que os sujeitos passivos da relação tributária tenham deveres idênticos em relação ao fato gerador (tenham praticado o fato tributável em conjunto) extraindo benefícios de sua ocorrência, evidenciando, portanto, o interesse das sociedades empresárias nos resultados decorrentes do fato gerador.
O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais em decisão de processo Administrativo Acórdão nº. 2403-002.683 sobre questão análoga considerou que:
[...] Contudo, em se tratando de caracterização de grupo econômico na seara fiscal, independentemente dos fundamentos expostos, temse que o mero fato de as empresas pertencerem ao mesmo grupo econômico não é suficiente a ensejar a solidariedade no pólo passivo de uma demanda fiscal, fazendose imprescindível a demonstração da prática conjunta do fato gerador pelos demais responsáveis tributários. [...] O grupo econômico restou caracterizado, segundo a fiscalização, através da transferência de ações por parte da COOPARDO à empresa BERTIN LTDA. Conforme relata, até então a empresa era controlada pela referida cooperativa, passando agora, através das transferências de ações, o controle para a responsável tributária imputada. Neste aspecto, a autoridade fiscal não esmiuçou detalhes cruciais para identificação e caracterização de grupo econômico. A mera transferência de ações não atesta que a prática comum do fato gerador, de que efetivamente a responsável solidária tenha realizado atos em comum para a ocorrência do fato gerador. A inexistência de elementos probatórios suficientes a ensejar a dita caracterização, impede que se estabeleça uma relação jurídica de solidariedade por não estar devidamente comprovada a prática comum do fato gerador.
Nesse caso, a 3ª Turma entendeu pela inexistência de responsabilidade solidária de duas pessoas jurídicas pelo não preenchimento dos requisitos do artigo 124, inciso I do Código Tributário Nacional destacando ainda que a existência de um grupo econômico não é condição automática para a solidariedade quanto à responsabilidade tributária, pois que ela depende da realização conjunta do fato gerador.
Outra não foi a decisão do Tribunal Regional da 3ª Região, em julgamento recente sobre a responsabilização solidária decorrente de interesse comum no fato que constituiu a obrigação tributária. Vejamos:
E M E N T A DIREITO PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. TERMO DE SUJEIÇÃO PASSIVA TRIBUTÁRIA. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. ARTIGO 124, I, CTN. GRUPO ECONÔMICO DE FATO. ATUAÇÃO EM SINERGIA PARA OBTENÇÃO DE FATURAMENTO COMUM. INTERESSE JURÍDICO. REALIZAÇÃO DO FATO GERADOR EM COMUM. 1. A previsão de solidariedade passiva do artigo 124, I, do CTN, não exige, como conditio “sine qua non”, infração de qualquer sorte - basta a existência de interesse no suporte fático concreto da hipótese tributária. Todavia, a interpretação jurisprudencial da norma resta consolidada no sentido de que o interesse em comum não é o econômico, mas o jurídico, traduzido na exigência de que o fato gerador, em específico, tenha sido praticado, conjuntamente, entre dois ou mais entes jurídicos que, assim, respondem solidariamente. 2. A autoridade fiscal lavrou auto de infração contra a empresa GIGANTE ARMAZENADORA E DISTRIBUIDORA DE DERIVADOS DE PETRÓLEO E ÁLCOOIS LTDA, constituindo débitos de PIS/COFINS incidentes sobre faturamento da venda de álcool carburante, que deixaram de ser declarados em DCTF/DIPJ. Diante da caracterização da evasão fiscal, foram responsabilizados solidariamente os sócios da pessoa jurídica, sendo ainda lavrado “Termo de Sujeição Passiva Solidária” para responsabilização de diversas empresas, em razão da caracterização de grupo econômico de fato, com confusão patrimonial e negocial, unidade gerencial e identidade de objeto social, tudo reforçado por sentença da Justiça do Trabalho proferida em reclamação trabalhista, com ampla produção de prova testemunhal, utilizada por empréstimo. 3. A responsabilização solidária não decorreu tão somente da adoção de sentença proferida na Justiça do Trabalho, tal como alegou a agravante, resultando ainda da constatação pela fiscalização da existência de grupo econômico de fato, com unidade gerencial, sócios em comum, confusão patrimonial e desvio de finalidade, bem como da presença de interesse jurídico comum na situação que constituiu fato gerador dos débitos exigidos (COFINS e PIS), qual seja, a apuração de faturamento, evidenciando que o agrupamento de fato foi constituído para possibilitar a evasão fiscal, maximização de lucros e blindagem patrimonial, tanto que, diante da iminência da constituição de ofício de débitos tributário, adotou-se expediente de esvaziamento patrimonial da devedora principal, com transferência de veículos. 4. No grupo econômico de fato, diante da confusão patrimonial, unidade gerencial e identidade de sócios, não cabe cogitar, tecnicamente, de faturamento isolado de uma empresa em relação às demais, já que a obtenção e maximização de lucro, assim como sua ocultação da fiscalização tributária, interessa a todos – sendo este exatamente o intuito da atuação oculta. Por sua vez, a identidade de objetos entre os membros evidencia a realização de atos empresariais de forma sinérgica, tendente à obtenção de lucro comum, o que permite concluir que o faturamento obtido por uma das empresas, compartilhado e buscado também pelas demais, configura também fato gerador de tributos, cuja origem decorre de atuação em comum dos membros do grupo econômico, sendo a estrutura formal como personalidade independente dos membros simulacro para evasão aos controles da fiscalização tributária com intuito de possibilitar a frustração de eventual pretensão de cobrança de tributos indevidamente omitidos. 5. Do “Termo de Verificação Fiscal” não constou que a transferência de veículos da devedora principal (GIGANTE) à agravante ocorreu anteriormente ao início do procedimento fiscal, no PAF 10865.721433/2012-28, mas apenas que ocorreu antes da cientificação do crédito tributário, sendo certo que o procedimento fiscal tem início muito antes da lavratura do auto de infração, podendo esta ser antecedida da exigência de documentos e esclarecimentos ao contribuinte pelo Fisco, o que possibilita a adoção de medidas evasivas e tendentes à ocultação patrimonial anteriormente. 6. Agravo de instrumento desprovido. (TRF-3 - AI: 50034763820204030000 SP, Relator: Desembargador Federal LUIS CARLOS HIROKI MUTA, Data de Julgamento: 10/08/2020, 3ª Turma, Data de Publicação: Intimação via sistema DATA: 13/08/2020).
Na decisão supracitada, restou clarificado que a situação fática sobre julgamento não se tratou de mero interesse comum verticalizado entre empresas (controladora e controlada), mas sim, na verdade, decisões vinculadas, economicamente, mediante unidade gerencial e o mais grave, esvaziamento patrimonial da empresa Controladora com o evidente objetivo de dificultar ou afastar a cobrança dos tributos inadimplidos, através de transferência de bens.
Assim sendo, o interesse jurídico ou interesse no fato antecedente à incidência da regra matriz tributária (mais de uma pessoa praticando o critério material de incidência tributária) é que permitirá a responsabilização pela dicção legal do artigo 124, I do Código Tributário Nacional.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça11 tem sido rica em exemplos de decisões sobre a questão, merecendo transcrição o acórdão abaixo:
TRIBUTÁRIO. ICMS. EMPRESA VENDEDORA. NÃO RECOLHIMENTO. ADQUIRENTE DE BOA-FÉ. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. INAPLICABILIDADE. (…) O “interesse comum” de que trata o preceito em destaque refere-se às pessoas que se encontram no mesmo polo do contribuinte em relação à situação jurídica ensejadora da exação, no caso, a venda da mercadoria, sendo certo que esse interesse não se confunde com a vontade oposta manifestada pelo adquirente, que não é a de vender, mas sim de comprar a coisa. (AREsp 1198146/SP, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 04/12/2018, DJe 18/12/2018).
Há também doutrinadores12 que defendem a responsabilização solidária pela simples constatação de fraude ou conluio com o fito de fraudar a atividade fiscalizatória e arrecadatória do Fisco.
Quanto à responsabilidade tributária originária de fraude à atividade fiscalizatória e arrecadatória do fisco, sua base de sustentação se encontra na premissa de que embora presente distintas pessoas jurídicas, possuem propósito comum de fraudar o fato jurídico ou maquiá-lo para impedir a tributação utilizando-se de interpostas pessoas para barrar a fiscalização.
Nesse ponto, importante trazer à baila lição de Ferragut - a qual aderimos -quanto à constatação de prática de atos dolosos que visam dificultar a atividade fiscalizatória e incidência tributária, para a qual não haveria a incidência do artigo 124, inciso I, do Código tributário Nacional, mas sim a regra do artigo 149, inciso VII do mesmo diploma legal. Vejamos:
Ademais, na hipótese de existência apenas formal de outras sociedades, cujo objetivo é viabilizar a blindagem patrimonial e o não pagamento de tributos, estaremos diante de simulação de autonomia jurídica, e não de um grupo econômico propriamente dito, conforme já analisado acima. Em sendo produzidas provas que demonstrem a existência de uma única sociedade, com separação meramente formal, a realização conjunta do fato jurídico é simplesmente impossível, razão pela qual afastamos o art. 124, I, do CTN e mais uma vez privilegiamos o inciso VII do art. 149 do CTN, de forma que a possibilidade de cobrança do crédito tributário reste assegurada. (FERRAGUT, 2020, p. 226).
Conclui-se, portanto, que o interesse econômico no fato gerador da obrigação tributária não é elemento de desencadeamento automático da responsabilização solidária do artigo 124, inciso I do Código Tributário Nacional, porquanto sua incidência depende de realização conjunta do fato gerador por ambas as empresas tidas como pertencentes do grupo econômico.
Por outro lado, se constatada hipótese de ilícito, isolado de outros elementos (confusão patrimonial e negocial, unidade de gerência econômica, integração societária, prática conjunta do critério material de incidência tributária etc.), decorrente meramente do abuso de personalidade de empresas de um mesmo grupo econômico com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza, não será caso de incidência do artigo 124, I do CTN, mas sim do artigo 50 do Código Civil de 2002 e 149, VII do Código Tributário Nacional.
Nesse caso, será possível a desconsideração da personalidade jurídica - depois de cumpridas as exigências processuais do incidente de desconsideração da personalidade jurídica - objetivando a comunicação de patrimônio dos sócios e administradores da pessoa jurídica beneficiada pelo ilícito.
Todavia, há Doutrinadores, que sustentam para a hipótese de constatação de desvio de finalidade ou confusão patrimonial ser desnecessária a aplicação do regramento legal do Código Civil atinente à Desconsideração da Personalidade Jurídica, bastando o lançamento de ofício do crédito tributário pela Autoridade Administrativa quando constatado que o sujeito passivo ou terceiro em benefício daquele, agiu com dolo, fraude ou simulação.
Este é o posicionamento de Renato Lopes Becho ao lecionar que:
De qualquer modo, para nós, a doutrina da desconsideração da personalidade jurídica não precisou ser transposta para a legislação tributária, pois há uma ferramenta legal mais forte no CTN, largamente utilizada pelas autoridades fiscais para solucionar as questões em que se busca a despersonalização, que é o lançamento tributário ou sua revisão, fundada no art. 149, inc. VII. Ao que parece, se em dada operação comercial a pessoa jurídica foi utilizada como fachada (desvio de finalidade) ou se houve confusão patrimonial entre sócio e sociedade, o agente do fisco simplesmente irá lançar o tributo ou procederá à revisão de ofício do crédito tributário já constituído, mas passível de caracterização como dolo, fraude ou simulação, nos termos como entende efetivamente ocorrido. Assim, se a pessoa jurídica foi utilizada para a prática de ato efetivamente pelo sócio ou pelo administrador, o fisco lança o tributo ou revê aquele feito, mas agora em nome da pessoa física. Sem precisar pedir ao Poder Judiciário, como ocorre no Código Civil, se o lesado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial for o fisco, seu representante simplesmente desconsiderará a personalidade jurídica e constituirá o crédito tributário sem se ater aos vícios do negócio jurídico (dolo, fraude ou simulação). (BECHO, 2014, p. 124).
Por derradeiro, a fixação desses parâmetros é essencial se considerado o contexto atual em que a Administração pública de forma indiscriminada e discricionária vem aplicando a responsabilização solidária do artigo 124, inciso I do Código Tributário Nacional para situação de abuso de personalidade por confusão patrimonial, fato que em nada se comunica com a situação que constitui o fato gerador da obrigação tributária direta.
De igual modo, evidente que eventuais empréstimos entre empresas de um mesmo grupo econômico não caracteriza interesse comum na constituição do fato jurídico gerador da obrigação tributária principal, a qual como já delimitada em linhas anteriores está condicionada na participação na situação que constitui o fato gerador do lançamento (nexo entre eventual conduta da empresa responsável solidária e a suposta infração)
3 CONCEITO DE GRUPO ECONÔMICO DE FATO
No caso exemplificado neste trabalho, a Autoridade Fiscal acusou a existência de Grupo Econômico Irregular, Interposição de Pessoas e Responsabilidade Solidária, à sombra de que 1) foram realizados diversos créditos de empréstimo e recebimento entre a empresa “A” e “B”, cujo Balancete Contábil de 2016 da empresa “B”, continha saldos de Créditos a título de empréstimos para a empresa “A”, 2) tiveram embora em períodos distintos, representante/administrador por procuração pública idêntico e, por fim, 3) utilizavam o mesmo código de atividade econômica principal, qual seja limpeza em prédios e domicílios.
A fim de constatar a regularidade dessa autuação, assim como procedido no tópico da responsabilidade tributária por interesse comum na situação que constituiu o fato gerador, importa-nos delimitar a definição de um grupo econômico, espécies e requisitos de existência.
Isso porque tornou corriqueiras a autuação e responsabilização de grupos econômicos para a cobrança de dívidas fiscais de modo que evidentemente sua aplicação indiscriminada prejudica a segurança jurídica e a ordem econômica constitucionalmente garantida (art. 170 da Constituição Federal de 1988).
Nesse passo, identificam-se dispositivos legais que tratam sobre o assunto na lei 6.404/76 (lei das Sociedades Anônimas), Código Civil e artigo 2º, § 2º do decreto-lei 5.452/4313.
Vejamos a colocação conceitual trazida no artigo 243, §§ 1º, 2º, 4º e 5º da lei 6.404/76:
§ 1º São coligadas as sociedades nas quais a investidora tenha influência significativa. (Redação dada pela lei 11.941, de 2009).
§ 2º Considera-se controlada a sociedade na qual a controladora, diretamente ou através de outras controladas, é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, preponderância nas deliberações sociais e o poder de eleger a maioria dos administradores.
[...]
§ 4º Considera-se que há influência significativa quando a investidora detém ou exerce o poder de participar nas decisões das políticas financeira ou operacional da investida, sem controlá-la. (Incluído pela lei 11.941, de 2009).
§ 5º É presumida influência significativa quando a investidora for titular de 20% (vinte por cento) ou mais dos votos conferidos pelo capital da investida, sem controlá-la. (Redação dada pela lei 14.195, de 2021).
Conceituação semelhante é encontrada nos artigos 1.098 e 1.099 do Código Civil de 2002:
Art. 1.098. É controlada:
I - a sociedade de cujo capital outra sociedade possua a maioria dos votos nas deliberações dos quotistas ou da assembléia geral e o poder de eleger a maioria dos administradores;
II - a sociedade cujo controle, referido no inciso antecedente, esteja em poder de outra, mediante ações ou quotas possuídas por sociedades ou sociedades por esta já controladas.
Art. 1.099. Diz-se coligada ou filiada a sociedade de cujo capital outra sociedade participa com dez por cento ou mais, do capital da outra, sem controlá-la.
Com base nesses parâmetros, destaque-se, influência de uma empresa sobre a outra, participando de decisões de política financeira ou de suas operações, onde o Legislador previu a possibilidade da formalização de grupo de sociedades. A leitura do artigo 265 da lei 6.404/76 é clara nesse sentido:
Art. 265. A sociedade controladora e suas controladas podem constituir, nos termos deste Capítulo, grupo de sociedades, mediante convenção pela qual se obriguem a combinar recursos ou esforços para a realização dos respectivos objetos, ou a participar de atividades ou empreendimentos comuns.
Note-se que a redação do dispositivo supradito permitiu a constituição de um grupo de sociedades mediante uma convenção, não mencionando as hipóteses de sociedades de um mesmo grupo, mas que, entretanto, tenham patrimônio distinto e unidades diversas de responsabilidade e riscos.
3.1 ESPÉCIES DE GRUPO ECONÔMICO
Da base legal estabelecida pela lei 6.404/7614, conclui-se, portanto, pela existência de duas espécies de grupo econômico, mais precisamente, Grupo Econômico de Direito, regulamentado em Lei e o Grupo Econômico de Fato, sem previsão legal, mas que, contudo, de amplo espectro no contexto empresarial.
Como a matéria delimitada para este Trabalho é a responsabilidade tributária dos grupos econômicos de fato, interessa-nos tratar sobre o mesmo, indicando suas espécies e requisitos legais ou meramente factuais de identificação.
Partindo desse pressuposto, os grupos econômicos de fato, podem ser divididos, de acordo com Ferragut em duas espécies:
(i) com unicidade de controle e direção identificada a partir de relações societárias (sociedades controladoras/controladas e coligadas) e (ii) o presumido a partir da identificação de direção comum e subordinação. (FERRAGUT, 2020, p.213).
Acrescenta a Doutrinadora que:
A legislação societária vigente não regulamenta o grupo econômico de fato, reconhecido pelo direito enquanto tal, mas não formalizado por meio de convenção firmada entre as sociedades que o compõem. Trata-se das situações envolvendo sociedades controladoras/controladas e coligadas, bem como daquelas que, independentemente desses vínculos, relacionam-se por meio da existência de controle, administração ou direção entre as sociedades envolvidas. (FERRAGUT, 2020, p. 212).
Ademais, isso não quer dizer que as legislações supracitadas não deem um norte delimitador para a identificação do grupo econômico de fato. Pelo contrário, através de uma interpretação integrativa do ordenamento jurídico é possível extrair seus elementos configuradores, principalmente para o fito de responsabilização das empresas tidas como pertencentes de um grupo econômico na esfera tributária.
Essa é a inteligência do artigo 2º, §2º da CLT ao demarcar que:
Art. 2º - Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.
[...]
§ 2º Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, ou ainda quando, mesmo guardando cada uma sua autonomia, integrem grupo econômico, serão responsáveis solidariamente pelas obrigações decorrentes da relação de emprego. (Redação dada pela lei 13.467, de 2017).
No aspecto fiscal, o Parecer Normativo Cosit 4/1815 tenta definir os critérios de identificação do Grupo Econômico de Fato para fins de responsabilização tributária, ao fixar que:
[...] São atos ilícitos que ensejam a responsabilidade solidária: (i) abuso da personalidade jurídica em que se desrespeita a autonomia patrimonial e operacional das pessoas jurídicas mediante direção única ("grupo econômico irregular"); (ii) evasão e simulação e demais atos deles decorrentes; (iii) abuso de personalidade jurídica pela sua utilização para operações realizadas com o intuito de acarretar a supressão ou a redução de tributos mediante manipulação artificial do fato gerador (planejamento tributário abusivo).
O grupo econômico irregular decorre da unidade de direção e de operação das atividades empresariais de mais de uma pessoa jurídica, o que demonstra a artificialidade da separação jurídica de personalidade; esse grupo irregular realiza indiretamente o fato gerador dos respectivos tributos e, portanto, seus integrantes possuem interesse comum para serem responsabilizados. Contudo, não é a caracterização em si do grupo econômico que enseja a responsabilização solidária, mas sim o abuso da personalidade jurídica. [...]
Os nortes doutrinários e legais acima expostos, evidentemente não são suficientes à fixação de responsabilidade tributária em sua completude de modo a estabelecer autuação e fixar obrigação tributária de uma empresa pertencente a um grupo econômico de fato, tanto que a jurisprudência elenca outros elementos a serem observados.
Nesse prisma, vejamos decisão do TRF2:
E M E N T A DIREITO TRIBUTÁRIO. AUTONOMIA DA PERSONALIDADE JURÍDICA. TEORIA MAIOR DA DESCONSIDERAÇÃO. GRUPO ECONÔMICO DE FATO. FUNDAMENTOS NORMATIVOS. MEDIDA EXCEPCIONAL. PROVA ILÍCITA NÃO CARACTERIZADA. CONFIGURAÇÃO NO CASO CONCRETO. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO. - No âmbito do direito tributário, segundo a Teoria Maior da Desconsideração, é insuficiente a mera inadimplência para afastar a autonomia da personalidade jurídica, mas a estrutura formal utilizada não deve prevalecer caso distorça a realidade (casos de simulação, abuso de forma, ausência do propósito negocial etc.), inviabilizando o legítimo poder-dever de o Fisco receber o crédito tributário - O amparo normativo para a afirmação do grupo econômico de fato, capaz de impor responsabilidade tributária solidária, é dado pelo art. 124, II, e parágrafo único, do CTN, combinado com o art. 2º, §§ 2º e 3º da CLT, com o art. 50 do Código Civil e com disposições do Código de Processo Civil (dentre elas o art. 133 e seguintes). Essas previsões do art. 124, II, do Código Tributário Nacional são adensadas por outros dispositivos do mesmo código de tributação (notadamente o art. 128 e seguintes), pela interpretação dada a preceitos da Lei nº 6.830/1980 (especialmente acerca de redirecionamento de exigências fiscais) e por demais aplicáveis, sempre na afirmação do Estado de Direito e seus regramentos em desfavor de subterfúgios formais. Há ainda preceitos como o art. 30, IX da Lei nº 8.212/1991 expressamente mencionando a responsabilidade solidária para grupos econômicos de qualquer natureza, em se tratando de contribuições para a seguridade social - A caracterização do grupo econômico de fato para atribuição de responsabilidade tributária solidária independe das exigências do art. 265 e seguintes da Lei nº 6.404/1976 (a rigor, esses preceitos cuidam de grupos econômicos de direito), nem mesmo da existência concomitante de empresas para que se configure “interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal” (conforme art. 124, I do Código Tributário Nacional). Quando há pretensão de ilegítima exclusão de responsabilidade tributária, a interpretação do direito positivo conduz necessariamente à admissão do grupo econômico de fato como uma potencial distorção a ser combatida (por isso, não ficando restrita às contribuições devidas apenas à Seguridade Social) - A configuração concreta do grupo de fato para ampliação de responsabilidade depende de relevante demonstração probatória por parte das autoridades fiscais, por se tratar de medida excepcional que afasta a presunção de boa-fé e de limitação de responsabilidade empresarial - Segundo entendimento consolidado no E.STJ, o simples fato de empresas pertencerem a um mesmo grupo ou terem sócios com grau de parentesco não acarreta solidariedade no pagamento de tributo devido por uma dessas empresas, de modo que a configuração de grupo econômico de fato depende da caracterização de desvio de finalidade, confusão patrimonial ou dissolução irregular da sociedade. Neste E.TRF, firmou-se entendimento segundo o qual a sucessão ou grupo ocorre sem que exista manifestação expressa nesse sentido, sendo necessárias algumas constatações, tais como: criação de sociedades com mesma estrutura e mesmo ramo de atuação, especialmente com mesmo endereço de atuação; mesmos sócios-gerentes; confusão patrimonial; negócios jurídicos simulados entre as sociedades. [...] No âmbito da estreita cognição deste recurso, há significativos elementos apontando para a ocorrência de grupo econômico, com sócios integrantes da mesma família e empresas integradas por outras empresas componentes do grupo reconhecido, com intuito de fraude e esvaziamento patrimonial da executada original - Inexistência de amparo para acolher, de pronto, o pedido de exclusão da agravante do polo passivo da execução fiscal. Para eventual discussão aprofundada da matéria, com a possibilidade de ampla dilação probatória, deverá a agravante, se o caso, valer-se de embargos à execução, que, por sua vez, exigem a prévia segurança do Juízo, por meio da penhora ou do depósito do valor discutido - Matéria preliminar rejeitada. Agravo de instrumento improvido. (TRF-3 - AI: 50201197620174030000 SP, Relator: Desembargador Federal JOSE CARLOS FRANCISCO, Data de Julgamento: 24/06/2020, 2ª Turma, Data de Publicação: Intimação via sistema DATA: 29/06/2020).
Denota-se da decisão supracitada que outras situações além daquelas identificadas da legislação servem para o reconhecimento de grupo econômico irregular visando à autuação tributária, como por exemplo, a criação de sociedades com mesma estrutura e mesmo ramo de atuação, utilizando idêntico endereço (administração compartilhada); mesmos sócios-gerentes; confusão patrimonial; recíprocas transferências de empregados; negócios jurídicos simulados além de sócios integrantes da mesma família objetivando a ocultação patrimonial da empresa principal responsável.
Além das situações ora descritas, acrescente-se ainda a transferência de titularidade da produção de uma empresa para outra, movimentações bancárias interligadas e decisões dos Tribunais reconhecendo a formação de grupos econômicos e responsabilidade solidária de empresas quanto a créditos trabalhistas.
Indubitável que a matéria é complexa e que as prescrições legais isoladamente são insuficientes a delimitar em sua concretude os requisitos para identificação de grupos econômicos de fato e sua consequente responsabilização tributária.
Isso porque, como leciona Ferragut:
Portanto, há grupo econômico quando existir controle, administração ou direção entre as sociedades envolvidas - que existem efetivamente e não são fictícias, devendo o contribuinte provar, se for o caso, que há propósito negocial nas empresas, que elas operam efetivamente, possuem empregados, contratam terceiros, realizam acordos comerciais e prospectam novos negócios - independentemente dos vínculos societários existentes entre as partes. E não há quando esses requisitos não se revelem presentes. (Ferragut, 2020, p. 217).
A delimitação acima destacada é cirúrgica ao fixar que inexiste grupo econômico de fato se não for palpável o controle, administração ou direção em empresas que haja efetivamente propósito negocial, porquanto vícios de personalidade jurídica (sociedades distintas, mas que tenham mesmo patrimônio, receitas e despesas, por exemplo) estritamente, desservem a configuração do grupo econômico irregular, pois nesse caso, estariam mais assemelhados a uma confusão patrimonial do que um grupo econômico irregular apto à responsabilização tributária.
Como bem escreveu Viviane Muller Prado e Maria Clara Troncoso16:
Nos grupos de sociedades, o poder de controle é exercido em vista de interesses econômicos diversos da simples obtenção de lucros auferidos com o desenvolvimento da atividade empresarial distribuídos a todos os acionistas. O controlador não pretende apenas exercer os direitos decorrentes da sua posição de sócio, mas também coordenar a atividade da sociedade isolada, de acordo com uma esfera maior que representa o conjunto de todas as sociedades sob o seu domínio, com unidade econômica.
O elemento que diferencia a relação de simples dependência e a de grupo refere-se a uma especial forma de exercício do poder de controle, que tem por parâmetro não o interesse da sociedade isolada, mas a política grupal.
Note-se, portanto, que as Autoras indicadas brilhantemente apresentaram mais um requisito a ser analisado para a constatação de um grupo econômico de fato, qual seja, uma "política grupal", ou melhor, existência de poder unitário de controle econômico de um empresário sobre duas ou mais empresas administrando suas atividades cujos interesses transcendem aos seus direitos como sócio, pois que busca uma atividade coordenada dessas sociedades, com investimentos e financiamentos interligados entre elas.
Aqui cabe frisar, já adentrando parcialmente na situação que compõe o caso hipotético neste trabalho analisado, que a coordenação de investimentos e financiamentos que se amolda às hipóteses de caracterização do grupo econômico de fato irregular não são simples empréstimos entre empresas.
Financiamentos evidentemente estão atrelados a uma finalidade para a qual o dinheiro será aplicado, como por exemplo, expansão dos negócios, abertura de filiais, desenvolvimento da cadeia de produção, etc. ao passo que empréstimos não demandam vinculação a um objetivo específico e, portanto, desservem à comprovar formação de um grupo econômico de fato irregular que objetivou fraudar a atividade do Fisco.
4 LIMITE E ALCANCE DO INTERESSE COMUM NA RESPONSABILIZAÇÃO SOLIDÁRIA TRIBUTÁRIA DE PESSOAS JURÍDICAS
Fixadas as bases conceituais e legais da Responsabilidade Tributária, importa-nos, a verificação do limite e alcance do interesse comum na responsabilização tributária de pessoas jurídicas, tomando como ponto de partida o caso hipotético indicado nesse trabalho.
Analisando o contexto factual da responsabilização solidária das empresas “A” e “B”, identifica-se que a Autoridade Fiscal utilizou como suporte para a Autuação a constatação de que àquelas empresas tiveram, mesmo que em períodos distintos, 1) representante/administrador por procuração pública idêntico; 2) Utilização do mesmo código de atividade econômica principal, bem como 3) fornecimento de créditos de empréstimo e recebimento entre elas.
Como demonstrado pelos elementos de fato e de direito colacionados neste trabalho, extrai-se o evidente açodamento e equívoco da Autoridade Fiscal na responsabilização tributária das empresas sobreditas com base no artigo 124, inciso I do Código Tributário Nacional.
Os três elementos de fato nos quais a Autoridade Fiscal embasou a Autuação das Empresas por formação de grupo econômico irregular não possuem concatenação com a hipótese tributária e fato jurídico tributável descrito naquele procedimento administrativo hipotético.
E não é só: As três premissas utilizadas pela Autoridade Fiscal para a autuação, analisadas de forma isolada, fora do contexto de outras provas, deixando-se de identificar, por exemplo: 1) Estrutura hierárquica comum; 2) Repartição de competências; 3) Vínculos de coordenação e influência recíproca de procedimentos relacionados a uma direção administrativa e financeira unitária, embora existente separação patrimonial entre elas; 4) Drenagem de patrimônio em favor de sócios e etc. são imprestáveis a embasar responsabilidade solidária por formação de grupo econômico irregular em qualquer situação fática.
Ora, não se identifica na Autuação Fiscal em análise de forma clara e evidente a participação da Empresa “B” no fato gerador da obrigação tributária dos tributos não recolhidos do ano de 2016 pela Empresa “A”.
Não houve a detecção de qualquer elemento de prova apto a estabelecer relação da Empresa “B” com a empresa Autuada quanto ao ato ilícito praticado (Ausência de recolhimento do tributo no Ano de 2016).
Igualmente, ilógica a autuação da segunda empresa levando em conta de que possuíram representantes/administradores por procuração pública ainda que em períodos distintos, porquanto tratar-se de evidente responsabilização ilegal sem comprovação de qualquer prática dolosa dos sobreditos administradores no exercício de suas funções.
Neste ponto trago à baila os ensinamentos do Professor Doutor Marcio Cesar Costa, ao lecionar que:
Dessa forma, a coexistência de um caráter sancionatório na responsabilidade tributária do artigo 135, do CTN, exige o dolo do diretor, gerente ou representante da empresa, em consonância com o modernoentendimento da responsabilidade na seara punitiva.
Em síntese: a responsabilização a terceiro, nos termos do artigo 135, do mencionado dispositivo legal, deve decorrer sempre de ato ilícito provado, devendo ter sido praticado em prejuízo ao Erário, no que se refere ao recebimento do tributo.
[...] Tendo em vista o caráter vinculado do lançamento e do ato de aplicação de penalidade tributária, é dever da autoridade administrativa certificar-se da ocorrência ou não do fato jurídico desencadeados do liame obrigatoriedade, o que so é possível mediante linguagem de provas.
Torna-se claro, então, a necessidade da constituição de um conjunto probatório suficiente à comprovação da ocorrência do ato ilícito, já que o próprio fato depende da linguagem das provas para a sua constituição perante o sistema jurídico. A produção de provas é, pois, condição necessária e indispensável à constituição do fato jurídico. (Costa, 2016, p. 59-64).
Veja-se sobre essa questão que o CARF já se posicionou afirmando que "a comprovação da finalidade da conduta, do seu caráter doloso e do nexo de causalidade entre a conduta ilícita do contribuinte e o prejuízo ao erário é condição sine qua non para enquadrar determinada prática como fraudulenta". (CARF - Acórdão 1201-002.358, Relator (a) Gisele Barra Bossa, Data de julgamento: 15/08/2018, 1ª Turma Ordinária)17.
Em termos práticos, deve ser constatado, provado pela Autoridade Fiscal que os representantes/administradores tenham contribuído para a realização do ilícito sob pena de caso contrário, restar caracterizada flagrante ilegalidade e ofensa ao que preconiza a súmula 430 do STJ18.
Quanto ao fornecimento de créditos e empréstimo entre elas, o cenário de impertinência da autuação resta inalterado, pois que, frise-se, somente uma provada coordenação de investimentos e financiamentos entre as empresas autuadas se amoldaria às hipóteses de caracterização do grupo econômico de fato irregular o que não se identifica na hipótese de constatação de meros empréstimos.
São os financiamentos atrelados a uma finalidade e não os empréstimos (não demandam vinculação a um objetivo específico) que serviriam à comprovar formação de um grupo econômico de fato irregular para o fito de fraudar a atividade do Fisco.
Vale dizer: Os créditos de empréstimo entre as empresas autuadas para fomentar plausibilidade de existência de um grupo econômico careceriam, por exemplo, o não pagamento de juros ou cessão gratuita de bens, além de necessariamente estarem atrelados a outros elementos que evidenciassem uma efetiva confusão patrimonial entre elas de modo a permitir a conclusão de carência de uma autonomia patrimonial, com já decidido pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região nesse sentido19.
Por derradeiro, a utilização do mesmo código de atividade principal não foge às circunstâncias que permitiram concluir pela ilegalidade da autuação em discussão, em razão de que não sobejou tangível no relatório de grupo econômico irregular qualquer indício que Empresa “B” e “A” atuassem de forma complementar ou que compartilhassem instalações, funcionários ou veículos.
Irrefutável, portanto, que o caso hipotético em testilha identifica-se tão somente a reponsabilidade direta com o fato gerador da Empresa “A” sem qualquer vinculação da segunda autuada.
Ainda que tais empresas fizessem parte de um grupo econômico, tal fato não autorizaria automaticamente a responsabilização de ambas pelo evento doloso. Seria preciso que houvesse uma atuação conjunta delas no ato que constitui o fato gerador.
Nessa esteira, meros indícios da existência de grupo econômico, divorciados de outros elementos que permitam concluir pela participação de mais de uma empresa na realização do fato gerador não são suficientes à responsabilização solidária com base no artigo 124, inciso I do Código Tributário Nacional.
Igualmente, os abusos ou vícios de personalidade jurídica descritos no artigo 50 do Código Civil de 2002, notadamente, confusão patrimonial ou desvio de finalidade, nada prestam a justificar responsabilidade solidária tributária, visto que não dão a convergência fática e legal conciliável com a dicção legal do artigo 124, I do Código Tributário Nacional, servindo tão somente à desconsideração da personalidade jurídica para responsabilizar diretamente os sócios, o que, segundo Rafael de Souza Medeiros implica em colocar os sócios como contribuintes e não responsáveis tributários. Note-se:
[...] a eventual desconsideração da personalidade jurídica atribuiu as obrigações da sociedade desconsiderada diretamente aos seus sócios. Desse modo, os sócios não são responsáveis, mas efetivos contribuintes. Isso porque, em primeiro lugar, o afastamento da personalidade jurídica pelo seu emprego abusivo implica dizer que os sócios se comprometeram em nome próprio perante terceiros, inclusive em relação ao fisco. Em segundo lugar, porque sequer seriam enquadráveis nas hipóteses dos artigos 128 a 138 do CTN, fato que não é influenciado pela regra do artigo 50 do Código Civil, pois a responsabilidade tributária está submetida à regra de reserva de competência. (Medeiros, 2019, p. 108-109).
Com efeito, infere-se que a interpretação que melhor delimita o limite e alcance da responsabilidade tributária descrita na norma do artigo 124, inciso I do Código Tributário Nacional é àquela em que dá ao termo "interesse comum" o sentido de "interesse jurídico", demandando que cada uma das pessoas jurídicas tenham de fato envolvimento, direitos e responsabilidades na qualidade de contribuintes, porque nessa hipótese, realizam em conjunto o fato gerador, entendimento do qual, perfilha a Receita Federal do Brasil20.
Conclui-se, assim, que eventual interesse econômico ou até mesmo a constatação de formação de grupo econômico entre as empresas autuadas na situação hipotética sob exame desserviriam à responsabilização tributária do artigo 124, inciso I do Código Tributário Nacional em virtude de que não se percebe na autuação a prática conjunta do fato gerador da obrigação tributária relacionada aos tributos inadimplidos, mas tão somente ausência de recolhimento por uma delas, precisamente, Empresa “A”.
CONCLUSÃO
A avaliação qualitativa com supedâneo no estudo de caso hipotético apresentado neste trabalho permitiu a demarcação semântica da responsabilidade tributária solidária do grupo econômico de fato clareando a significação precisa do alcance e limite do interesse comum na situação que constituiu o fato gerador da obrigação principal, apto a sua incidência com fundamento no artigo 124, inciso I do Código Tributário Nacional.
A despeito da amplitude das discussões operadas na seara administrativa e judicial sobre o tema, tornou-se possível construir o alcance e limite da responsabilidade solidária do grupo econômico de fato a partir do conceito de responsabilidade tributária, grupo econômico e suas distinções fundadas em uma interpretação integrativa da lei, Doutrina e Jurisprudência Contemporânea.
Neste contexto, é certo dizer que a responsabilidade tributária caracteriza obrigação de pagar daquele que em decorrência da prática de um fato lícito ou ilícito é responsabilizado mesmo que não tenha sido ele a pessoa que praticou o fato jurídico de incidência tributária, podendo ser caracterizada como responsabilidade pessoal, subsidiária ou solidária.
Como responsabilidade de terceiro, demanda a existência de um crédito tributário inadimplido pelo sujeito passivo direto, porquanto seu liame é meramente indireto com o fato gerador, cuja obrigação subordina-se a disposição expressa de Lei em atenção à dicção legal dos artigos 121, parágrafo único, inciso II e 128, ambos do Código Tributário Nacional.
Quanto ao limite e alcance do interesse comum que autoriza a responsabilidade solidária estabelecida no artigo 124, inciso I do Código Tributário nacional, o desenvolvimento deste trabalho permitiu afastar a imprecisão contida no termo "interesse comum", propiciando de tal maneira o balizamento de sua abrangência.
Segundo se viu o interesse relevante para a incidência da responsabilização não é o meramente econômico, mas sim o juridicamente qualificado, notadamente, onde os sujeitos passivos da relação tributária tenham praticado o fato jurídico tributável em conjunto.
E não é só isso. Necessário que tenham alcançado benefícios de sua ocorrência de modo a constatar o interesse das sociedades empresárias nos resultados decorrentes do fato gerador, o que por óbvio, afasta de plano a premissa equivocada de que a simples existência de um grupo econômico de fato ou de direito representa hipótese automática para a responsabilização solidária encartada no artigo 124, inciso I do Código tributário nacional.
Por essa baliza, não se pode dizer que na carência de decisões palpáveis entre empresa controladora e controlada de forma vinculada economicamente, mediante unidade gerencial com indícios de esvaziamento patrimonial, estaríamos diante de hipótese de responsabilização solidária, pois que somente na interligação desses elementos com ambas as empresas praticando o critério material de incidência tributária é que se teria legitimidade factual e legal para a aplicação da solidariedade prevista no artigo 124, inciso I do Código Tributário Nacional.
No mesmo contorno, ilícitos isolados que se amoldam ao abuso de personalidade empresarial, sem embargo de ser um mesmo grupo econômico também não permitem a aplicação da responsabilidade tributária supracitada, mas sim, hipótese de respeitado o contraditório e ampla defesa, desconsiderar a personalidade jurídica para a comunicação de patrimônio dos sócios e administradores da pessoa jurídica beneficiada pelo ilícito com fundamento nos artigos 134, 135 e 149, inciso VII do Código tributário Nacional.
Com base nesses paradigmas, é irrefutável que a não detecção de controle (poder unitário econômico de um empresário de forma coordenada entre investimentos e financiamentos), administração ou direção entre empresas supostamente de um grupo econômico, desservem a alegação de sua existência e responsabilização tributária solidária, pois se encontram mais assemelhadas a confusão patrimonial e não o contrário.
A identidade de administrador das empresas autuadas em períodos distintos, caminha no mesmo norte, não ultrapassando o limite indiciário de formação de um grupo econômico que, por si só, não permite a conclusão de sua existência quando desatrelado de demais elementos aptos à sua configuração, notadamente, confusão patrimonial e negocial, unidade de gerência econômica, integração societária e prática conjunta do critério material de incidência tributária.
Do contrário, evidente que se estaria diante de situação de desplante ao direito de livre iniciativa e liberdade de contratar.
Da mesma maneira, empréstimos entre autuadas dos quais não se comprovou qualquer vinculação a um objetivo comum específico, devem ser vistos como indicativo frágil, cuja responsabilização tributária neste prisma, representa equívoco que fere indiscutivelmente a totalidade das significações legislativas numa interpretação integrativa que, como defendido ao longo deste trabalho, são marcos balizadores do intérprete do direito.
Neste contexto, o distanciamento de uma visão teleológica e literal da legislação tributária é imperativo, sob pena de, caso contrário, ao arrepio de relevante demonstração probatória, tratar a excepcional responsabilização tributária de terceiro desamparada de prova contundente de sua participação no fato gerador da obrigação tributária, como padrão costumeiro e com ares de Legalidade pela Autoridade Fiscal com o fito de garantir e facilitar a arrecadação tributária em detrimento do direito de propriedade e patrimônio de terceiro.
Note-se que a situação fática analisada neste trabalho, como argumentado no seu desenvolvimento, autoriza inclusive a defesa de descabimento de responsabilização solidária das empresas autuadas com base na premissa de que o arquétipo fático indica possível caso de responsabilização única e exclusivamente da empresa “A” no período das infrações tributárias.
Por conseguinte, é sustentável a tese de eventual desconsideração de sua personalidade jurídica para apuração de atos ilegais de seu gestor, mas não a responsabilização solidária por formação de grupo econômico entre àquela e a Empresa “B”, pois que restou improvado que tenha de fato praticado conjuntamente o fato gerador da obrigação tributária relacionado aos tributos inadimplidos.
Neste passo, volve-se ao escólio seguro das questões de fato e de direito analisadas neste trabalho para concluir que a autuação fiscal de empresas fundamentada na formação de grupo econômico irregular alicerçado em elementos indiciários esparsos sem liame coerente é verdadeira demonização do instituto do grupo econômico de fato, amplamente utilizado no meio empresarial brasileiro e que, por si só, não representa ilegalidade.
Mais do que isso, suma venia, em situações como a emoldurada em derredor dos fatos considerados neste trabalho e da maneira como realizada a Autuação Fiscal, permite-se a ideia de uma conjuntura em que uma das empresas seria mera estrutura formal.
Ainda assim, neste contexto, como uma estrutura puramente formal constituiria elemento caracterizador de um grupo econômico?
Como uma estrutura tão somente formal poderia implicar no reconhecimento da existência de um grupo econômico, o qual pressupõe duas ou mais sociedades efetivamente existentes com equilíbrio entre vantagens e desvantagens a serem atribuídas a cada sociedade?
Nesse cenário, os descumprimentos fiscais da primeira autuada em relação às suas obrigações tributárias indicariam excessos de atos de gestão de seu Administrador, praticados com infração a Lei, que demandariam sua responsabilidade solidária conforme preconiza o artigo 135, inciso III do CTN e não a responsabilização da segunda autuada pela hipótese do artigo 124, I do CTN, dada a total ausência de requisitos legais a configurarem ainda que remotamente, a figura do grupo econômico irregular.
À vista disso, não há como declarar a responsabilidade solidária - decorrente da formação de grupo econômico irregular - das empresas autuadas no caso em análise, pois, ausente qualquer prova de ingerência da primeira, na segunda autuada, afastando-se qualquer possibilidade de que tenha havido formação de grupo econômico, por meio da tomada de decisões pela figura de uma suposta controladora.
Galgado nas premissas apresentadas neste trabalho, ombreadas nos mais recentes posicionamentos da Jurisprudência e Doutrina Pátria, a responsabilização tributária de duas ou mais empresas sob acusação de formação de grupo econômico irregular com supedâneo em um mix de indícios não se mostram concatenados com requisitos legalmente dispostos na norma tributária.
Pelo contrário, denotam estar tão somente fundamentada na interpretação discricionária da Autoridade Fiscal, que ofende sobremaneira o princípio da legalidade e segurança jurídica pelo qual só é possível o enquadramento do artigo 124, inciso I do Código Tributário Nacional se clarividente a participação de mais de uma empresa de forma juridicamente qualificada, na formação do fato jurídico tributável.
----------------------
1 Art. 121. Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária.
Parágrafo único. O sujeito passivo da obrigação principal diz-se:
I - contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador;
II - responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei.
2 Art. 124. São solidariamente obrigadas:
I - as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal; [...]
3 Normas Gerais de Direito Tributário. Responsabilidade Tributária. Solidariedade. Art. 124, I, Ctn. Interesse Comum. Ato Vinculado Ao Fato Jurídico Tributário. Ato Ilícito. Grupo Econômico Irregular. Evasão e Simulação Fiscal. Atos que Configuram Crimes. Planejamento Tributário Abusivo. Não Oposição ao Fisco de Personalidade Jurídica Apenas Formal. Possibilidade. A responsabilidade tributária solidária a que se refere o inciso I do art. 124 do CTN decorre de interesse comum da pessoa responsabilizada na situação vinculada ao fato jurídico tributário, que pode ser tanto o ato lícito que gerou a obrigação tributária como o ilícito que a desfigurou. A responsabilidade solidária por interesse comum decorrente de ato ilícito demanda que a pessoa a ser responsabilizada tenha vínculo com o ato e com a pessoa do contribuinte ou do responsável por substituição. Deve-se comprovar o nexo causal em sua participação comissiva ou omissiva, mas consciente, na configuração do ato ilícito com o resultado prejudicial ao Fisco dele advindo. São atos ilícitos que ensejam a responsabilidade solidária: (i) abuso da personalidade jurídica em que se desrespeita a autonomia patrimonial e operacional das pessoas jurídicas mediante direção única ("grupo econômico irregular"); (ii) evasão e simulação e demais atos deles decorrentes; (iii) abuso de personalidade jurídica pela sua utilização para operações realizadas com o intuito de acarretar a supressão ou a redução de tributos mediante manipulação artificial do fato gerador (planejamento tributário abusivo).O grupo econômico irregular decorre da unidade de direção e de operação das atividades empresariais de mais de uma pessoa jurídica, o que demonstra a artificialidade da separação jurídica de personalidade; esse grupo irregular realiza indiretamente o fato gerador dos respectivos tributos e, portanto, seus integrantes possuem interesse comum para serem responsabilizados. Contudo, não é a caracterização em si do grupo econômico que enseja a responsabilização solidária, mas sim o abuso da personalidade jurídica. Os atos de evasão e simulação que acarretam sanção, não só na esfera administrativa (como multas), mas também na penal, são passíveis de responsabilização solidária, notadamente quando configuram crimes. Atrai a responsabilidade solidária a configuração do planejamento tributário abusivo na medida em que os atos jurídicos complexos não possuem essência condizente com a forma para supressão ou redução do tributo que seria devido na operação real, mediante abuso da personalidade jurídica. Restando comprovado o interesse comum em determinado fato jurídico tributário, incluído o ilícito, a não oposição ao Fisco da personalidade jurídica existente apenas formalmente pode se dar nas modalidades direta, inversa e expansiva. Dispositivos Legais: art. 145, §1º, da CF; arts. 110, 121, 123 e 124, I, do CTN; arts. 71 a 73 da Lei nº 4.502, de 30 de novembro de 1964; Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976; arts. 60 e 61 do Decreto-Lei nº 1.598. de 26 de dezembro de 1977; art. 61 da Lei nº 8.981, de 1995; arts. 167 e 421 do Código Civil. e-processo 10030.000884/0518-4. (Receita Federal do Brasil. PARECER NORMATIVO COSIT Nº 4, DE 10 DE DEZEMBRO DE 2018. Publicado no DOU de 12/12/2018, seção 1, página 23).
4 Art. 44. Nos casos de lançamento de ofício, serão aplicadas as seguintes multas:
[...]
§1º O percentual de multa de que trata o inciso I do caput deste artigo será duplicado nos casos previstos nos arts. 71, 72 e 73 da Lei no 4.502, de 30 de novembro de 1964, independentemente de outras penalidades administrativas ou criminais cabíveis.
5 Art. 71. Sonegação é toda ação ou omissão dolosa tendente a impedir ou retardar, total ou parcialmente, o conhecimento por parte da autoridade fazendária:
I - da ocorrência do fato gerador da obrigação tributária principal, sua natureza ou circunstâncias materiais;
II - das condições pessoais de contribuinte, suscetíveis de afetar a obrigação tributária principal ou o crédito tributário correspondente.
Art. 72. Fraude é toda ação ou omissão dolosa tendente a impedir ou retardar, total ou parcialmente, a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária principal, ou a excluir ou modificar as suas características essenciais, de modo a reduzir o montante do imposto devido a evitar ou diferir o seu pagamento.
Art. 73. Conluio é o ajuste doloso entre duas ou mais pessoas naturais ou jurídicas, visando qualquer dos efeitos referidos nos arts. 71 e 72.
6 Art. 5º Os prazos serão contínuos, excluindo-se na sua contagem o dia do início e incluindo-se o do vencimento.
[...]
Art. 15. A impugnação, formalizada por escrito e instruída com os documentos em que se fundamentar, será apresentada ao órgão preparador no prazo de trinta dias, contados da data em que for feita a intimação da exigência.
Art. 16. A impugnação mencionará:
I - a autoridade julgadora a quem é dirigida;
II - a qualificação do impugnante;
III - os motivos de fato e de direito em que se fundamenta, os pontos de discordância e as razões e provas que possuir;
IV - as diligências, ou perícias que o impugnante pretenda sejam efetuadas, expostos os motivos que as justifiquem, com a formulação dos quesitos referentes aos exames desejados, assim como, no caso de perícia, o nome, o endereço e a qualificação profissional do seu perito.
V - se a matéria impugnada foi submetida à apreciação judicial, devendo ser juntada cópia da petição.
§ 1º Considerar-se-á não formulado o pedido de diligência ou perícia que deixar de atender aos requisitos previstos no inciso IV do art. 16.
§ 2º É defeso ao impugnante, ou a seu representante legal, empregar expressões injuriosas nos escritos apresentados no processo, cabendo ao julgador, de ofício ou a requerimento do ofendido, mandar riscá-las.
§ 3º Quando o impugnante alegar direito municipal, estadual ou estrangeiro, provar-lhe-á o teor e a vigência, se assim o determinar o julgador.
§ 4º A prova documental será apresentada na impugnação, precluindo o direito de o impugnante fazê-lo em outro momento processual, a menos que:
a) fique demonstrada a impossibilidade de sua apresentação oportuna, por motivo de força maior;
b) refira-se a fato ou a direito superveniente;
c) destine-se a contrapor fatos ou razões posteriormente trazidas aos autos.
§ 5º A juntada de documentos após a impugnação deverá ser requerida à autoridade julgadora, mediante petição em que se demonstre, com fundamentos, a ocorrência de uma das condições previstas nas alíneas do parágrafo anterior.
§ 6º Caso já tenha sido proferida a decisão, os documentos apresentados permanecerão nos autos para, se for interposto recurso, serem apreciados pela autoridade julgadora de segunda instância.
Art. 17. Considerar-se-á não impugnada a matéria que não tenha sido expressamente contestada pelo impugnante.
7 Art. 121. Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária.
Parágrafo único. O sujeito passivo da obrigação principal diz-se:
I - contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador;
II - responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei.
8 Art. 111. Interpreta-se literalmente a legislação tributária que disponha sobre:
I - suspensão ou exclusão do crédito tributário;
II - outorga de isenção;
III - dispensa do cumprimento de obrigações tributárias acessórias.
9 Art. 128. Sem prejuízo do disposto neste capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação.
10 BRASÍLIA. Superior Tribunal de Justiça. REsp 834044/RS, Rel. Ministra Denise Arruda, Primeira Turma, julgado em 11/11/2008, DJe 15/12/2008.
11 AREsp 1198146/SP; PRIMEIRA TURMA Data do Julgamento 04/12/2018 DJe 18/12/2018.
12 HARADA, Kiyoshi. Responsabilidade tributária solidária por interesse comum na situação que constitua o fato gerador. Disponível em: http://investidura.com.br/ufsc/109-direito-tributario/3454-responsabilidade-tributaria-solidaria-por-interesse-comum-na-situacao-que-constitua-o-fato-gerador. Acesso em: 07.09.2021.
13 Art. 2º - Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.
[...]
§ 2º Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, ou ainda quando, mesmo guardando cada uma sua autonomia, integrem grupo econômico, serão responsáveis solidariamente pelas obrigações decorrentes da relação de emprego.
14 Dispõe sobre as Sociedades por Ações.
15 RECEITA FEDERAL DO BRASIL. Parecer Normativo Cosit nº, de 10 de Dezembro de 2018. Publicado no Diário Oficial da União de 12/12/2018, seção 1, PÁGINA 23.
16 Grupos de Empresas na Jurisprudência do STJ. http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/handle/10438/2771
17 Disponível em: file:///C:/Users/Dr%20Aparecido/Downloads/Decisao_10932720120201473%20(1).PDF. Acessado em 12/10/2021.
18 Súmula 430 do STJ. O inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente.
19 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Agravo de Instrumento 5030147-13.2016.404.0000, rel. Des. Federal Amaury Chaves de Athayde. Data de Julgamento: 24.05.2017, juntada em 30.05.2017.
20 Parecer Normativo COSIT/RFB 4/2018, item 21. "Já se adianta que os grupos econômicos formados de acordo com os Capítulos XX e XXI da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, em que há pleno respeito à personalidade jurídica de seus integrantes (mantendo-se a autonomia patrimonial e operacional de cada um deles), não podem sofrer a responsabilização solidária, salva cometimento em conjunto do próprio fato gerador".