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O julgamento no STF dos processos relacionados à Convenção 158 da OIT sobre a obrigatoriedade de motivação para demissão

O regime de proteção contra dispensas imotivadas não se confunde com a proibição de dispensa sem justa causa.

12/1/2023

Em sessão administrativa realizada entre os dias 7 a 14 de dezembro de 2022, o Supremo Tribunal Federal (STF) aprovou mudança em seu Regimento Interno1, pela qual limitou os pedidos de vista a 90 dias, contados da data da publicação da ata de julgamento. Vencido esse prazo, os autos estarão automaticamente liberados para a continuação do julgamento.

Noticiada a aprovação da nova norma regimental, os agentes sociais do mundo do trabalho, em especial as entidades sindicais, vêm questionando se, afinal os julgamentos da Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.625 (ADIn 1.625) e da Ação Declaratória de Constitucionalidade 39 (ADC 39) terão o seu tão esperado término.

Nessas ações, discute-se a vigência da Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que estabelece proteção contra a despedida sem justa causa, ratificada pelo Brasil e revogada unilateralmente pelo presidente da República, em 1996, que a denunciou no plano internacional.

A ADIn e a ADC discutem, fundamentalmente, a (in)constitucionalidade do Decreto Presidencial 2.100/96, pela ausência de submissão ao Congresso Nacional, único legitimado a alterar a legislação nacional.

As respectivas Atas de Julgamento dos referidos processos foram publicadas no dia 8 de novembro de 2022, quando foram suspensos por pedido de vista do Ministro Gilmar Mendes.  Assim, contados em dias corridos o prazo estabelecido pela ER 58/22 e descontados os dias correspondentes ao recesso forense e às férias coletivas dos ministros e ministras do Supremo Tribunal Federal, a ADIn 1.625 e a ADC 39 deverão ser automaticamente liberadas para julgamento a partir de 22 de março de 2023.

A expectativa, portanto, é tão legítima quanto enorme. Para se ter uma ideia, a ADIn 1.625 foi ajuizada pela Central Única dos Trabalhadores (CUT) e a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG) em 16 de julho de 1997, ou seja, trabalhadores e trabalhadoras esperam o término de seu julgamento há mais de 25 anos!

A Convenção 158 da OIT

A Convenção 158 da OIT é norma internacional, cuja declaração de vigência plena dará maior segurança no emprego à pessoa trabalhadora2, na medida em que daria efetividade ao direito social da vedação à dispensa arbitrária, regra já inscrita no inciso I do art. 7º da Constituição, mas ainda pendente de regulamentação por Lei Complementar.3

A Convenção sobre o Término da Relação de Trabalho por Iniciativa do Empregador, como é conhecida a Convenção 158, entrou em vigor no plano internacional em 23/11/85.  No Brasil, depois de aprovada pelo Decreto Legislativo 68, de 16/9/92, e Depositada a Carta de Ratificação junto à OIT, passou a viger em 5/1/96. Finalmente, foi promulgada pelo decreto 1.855, de 10/4/96, ato que deu publicidade interna à incorporação da Convenção ao direito doméstico, conferindo-lhe executoriedade no território nacional4.

Perda da vigência

A Convenção 158 da OIT foi denunciada no plano internacional e o decreto 2.100, de 20/12/96, deu publicidade interna no sentido de que a referida norma deixaria de vigorar no Brasil a partir de 20/11/97.5

A ADIn 1.625 e seu julgamento

Inconformadas com a denúncia da Convenção, a CUT e a CONTAG, em junho de 1997, ingressaram com Ação Direta de Inconstitucionalidade no STF.

Como pedido principal, específico, pretenderam a inconstitucionalidade do decreto 2.100/96, sob o argumento da violação ao art. 49, inciso I, da Constituição, que prevê competência exclusiva do Congresso Nacional para resolver sobre tratados e atos internacionais.

O julgamento desse pedido específico, todavia, impõe ao STF debruçar-se sobre questão jurídica mais ampla, relacionada não apenas com o mérito da Convenção da OIT ou com a sua forma de aplicação, mas com a própria possibilidade de o presidente da República considerar tratado internacional inaplicável no âmbito interno sem autorização parlamentar, na medida em que a aprovação de convenção ou de tratado exige tramitação legislativa para a sua aplicação.

Entre idas e vindas, desde o seu ajuizamento em 1997, até a retomada do seu julgamento pelo STF em 2022, oito votos já foram colhidos, dentre os 11 que representam a composição plena do Tribunal.

Desses oito votos, cinco convergem para a procedência ou procedência parcial do pedido específico (Ministros Maurício Correa e Carlos Britto, pela procedência parcial; Ministro Joaquim Barbosa, Ministra Rosa Weber e Ministro. Ricardo Lewandowski, pela procedência), declarando que a Convenção 158 da OIT somente perderia a eficácia plena mediante o referendo do decreto 2.100/96 pelo Congresso Nacional.

Um deles declara a improcedência da ação (Ministro Nelson Jobim).

À exceção deste, quanto à questão jurídica mais ampla, os votos pela procedência, procedência parcial e, mesmo, pela improcedência (Ministros Teori Zavascki e Dias Toffoli) já declarados convergem entre si, reconhecendo que a denúncia presidencial de tratados internacionais não prescinde da sua aprovação pelo Congresso Nacional. Apesar disso, os Ministros Teori Zavascki e Dias Toffoli não restabelecem a vigência da Convenção, mantendo a eficácia do Decreto, ao fixarem que o entendimento deverá ser aplicado a partir da publicação da ata de julgamento da ADI, mantendo-se a eficácia das denúncias realizadas até esse marco temporal, formulando, por fim, apelo ao legislador para que elabore disciplina acerca da denúncia dos tratados internacionais, prevendo a chancela do Congresso Nacional como condição para a produção de efeitos na ordem jurídica interna, por se tratar de imperativo democrático e de exigência do princípio da legalidade.

Durante a sessão virtual, pediu vista o Ministro Gilmar Mendes. Faltam votar também os Ministros Kassio Nunes e André Mendonça. Não votarão os Ministros Edson Fachin, Roberto Barroso, Luiz Fux e Cármen Lúcia por sucederem, respectivamente, os Ministros Joaquim Barbosa, Ayres Britto, Maurício Corrêa e Nelson Jobim.

ADC 39

Paralelamente ao julgamento da ADI, tramita a ADC 39, pela qual entidades sindicais patronais, de âmbito nacional, por sua vez, pretendem a declaração da constitucionalidade do Decreto. Essa ação foi protocolada em 10 de novembro de 2015.

A questão comum às ADIn 1.625 e ADC 39 é de altíssima relevância, por influenciar o ordenamento interno de garantia aos direitos sociais da pessoa trabalhadora — tomado o caso individual da Convenção 158 da OIT. Mas não só.

Talvez a sua maior importância seja a possibilidade de se pôr fim ao arbítrio representado pela possibilidade de denúncia presidencial de tratados internacionais, em especial os que têm por objeto Direitos Humanos e Fundamentais, uma vez que foram ratificados, validados, promulgados e internalizados pelo Congresso Nacional, passando a integrar o ordenamento jurídico constitucional e supralegal, conforme jurisprudência já consagrada pelo STF.

No julgamento da ADC, o Ministro Dias Toffoli (Relator), declarou o seu voto, no sentido de julgar a procedência da ação, mantendo, assim, a validade do decreto 2.100/66. Na oportunidade, propôs a seguinte tese de julgamento, idêntica à já por ele proposta na ADIn 1.625:

“A denúncia pelo Presidente da República de tratados internacionais aprovados pelo Congresso Nacional, para que produza efeitos no ordenamento jurídico interno, não prescinde da sua aprovação pelo Congresso, entendimento que deverá ser aplicado a partir da publicação da ata do julgamento, mantendo-se a eficácia das denúncias realizadas até esse marco temporal, formulando, por fim, apelo ao legislador para que elabore disciplina acerca da denúncia dos tratados internacionais, a qual preveja a chancela do Congresso Nacional como condição para a produção de efeitos na ordem jurídica interna, por se tratar de um imperativo democrático e de uma exigência do princípio da legalidade.”

Já o Ministro Edson Fachin — que participa apenas do julgamento da ADC —, em voto divergente, declarou a inconstitucionalidade do decreto 2.100/96, e, ainda, determinou que o Presidente da República, no prazo de 30 dias, retire a carta de denúncia, julgando, por consequência, improcedente a presente ação declaratória.  Para o Ministro Fachin, “a denúncia pelo Presidente da República de tratados e convenções internacionais aprovados pelo Congresso Nacional, em todas as hipóteses, sejam denúncias anteriores, sejam denúncias posteriores a esse julgamento, depende da aprovação pelo Congresso Nacional, para que produza efeitos no ordenamento jurídico interno”.

Os Ministros Ricardo Lewandowski e Rosa Weber, por sua vez, anteciparam seus votos e acompanharam o voto do Ministro Edson Fachin. Ao final, o Ministro Gilmar Mendes pediu vistas.

Nessa oportunidade, falaram pela Advocacia-Geral da União, Raphael Ramos Monteiro de Souza, Advogado da União; pelo amicus curiae Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais FIEMG, o advogado José Eduardo Duarte Saad; e, pelo amicus curiae Central Única dos Trabalhadores CUT, o advogado Antonio Megale.

Avaliação

Acompanhamos a ADIn 1.625 desde sua propositura e em todas as Sessões com enorme expectativa de conclusão e acolhimento da tese, pois uma das mais longevas ações diretas em tramitação junto ao STF.

Na Sessão de julgamento em 2016, quando da leitura do voto-vista do Ministro Teori Zavascki, a então Presidente, Ministra Cármen Lúcia, observou a necessidade de se concluir o julgamento de tão relevante matéria e que estava em tramitação por muitos anos, sem conclusão.

Ainda assim, passaram-se quase seis anos para que retornasse ao Plenário.

A ADC, ajuizada muito posteriormente, sinaliza uma estratégia de atuação das Confederações patronais que nunca se conformaram com a ratificação da Convenção 158 da OIT.

Diante da longa tramitação da ADIn 1.625 e do impedimento de ministros atuais, frente aos votos já proferidos por ministros que deixaram a Corte, o final do julgamento poderia dificultar medidas de modulação e, até mesmo, a declaração de inconstitucionalidade (que exige seis votos).

O voto-vista do Ministro Dias Toffoli traçou o histórico dos julgamentos e dos votos que o precederam, e pavimenta e sinaliza uma possível solução de acolhimento da tese geral, embora descarte, na prática, submeter a Convenção ao seu processo natural de exame pelo Parlamento.

Na ADIn 1.625, há oito votos proferidos no sentido do acolhimento da tese geral (impossibilidade de revogação ou denúncia unilateral por presidente da República, sem submissão ao Parlamento). Portanto, já se conformou uma maioria para o acolhimento da tese geral.

O que ainda está pendente é a consequência específica em relação à Convenção 158.

Essa consequência poderia ser retomada no julgamento da ADC 39. No entanto, também pelos votos já proferidos e posições externadas pelos ministros nas sucessivas sessões, o que parece estar sendo antecipada é uma importante decisão geral (que precisa ser finalmente declarada) acerca da impossibilidade da denúncia de tratados e convenções internacionais inseridas no sistema normativo brasileiro por deliberação do Congresso Nacional.

No entanto, em relação à Convenção 158 da OIT, apesar de sua importância para a segurança jurídica das pessoas trabalhadoras, não há a mesma certeza de que seja restabelecida.

Um outro debate importante que surgiu ao longo das sessões foi o iter procedimental. A proposta de denúncia do presidente da República valeria desde logo, como no caso das medidas provisórias, ficando na pendência da aprovação pelo Congresso Nacional, ou, como no caso dos projetos de lei, somente teria validade após a aprovação pelo Congresso? Na ausência de resposta normativa, cumprirá ao STF definir provisoriamente um caminho, até que o próprio Congresso estabeleça um rito. Esse o chamamento feito no voto do Ministro Toffoli no sentido de que o Congresso possa regulamentar.   

É importante também esclarecer um outro equívoco muito comum quando se trata da Convenção 158 da OIT. Costuma-se dizer que ela “proíbe” as dispensas sem justa causa ou que concede “estabilidade”. Tecnicamente, a Convenção não faz nem uma coisa e nem outra. A Convenção estabelece a obrigatoriedade de motivar as dispensas, e não a sua proibição! Sutileza? Não.

O regime de proteção contra dispensas imotivadas não se confunde com a proibição de dispensa sem justa causa. Tecnicamente são coisas distintas.

Na justa causa, exige-se uma conduta legalmente configurada para a extinção do contrato de emprego. No caso da motivação da dispensa, essa pode ocorrer por motivos administrativos, econômicos e não por uma conduta ilegal. Portanto, trata-se de uma forma de proteger a relação de emprego da dispensa arbitrária, daquela dispensa que não encontra qualquer fundamento ou motivação. Puro capricho ou, pior, formas discriminatórias muito comuns na prática das relações de trabalho. Mas essa é outra questão que poderemos vir a explorar melhor em outro momento.

Que as águas de março fechem o verão com uma boa notícia às pessoas trabalhadoras!

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1 Emenda Regimental 58/22, de 19 de dezembro de 2022, ainda sem publicação no Diário da Justiça.

2 O art. 10 da Convenção 158 da OIT estabelece o seguinte: “Se os organismos mencionados no artigo 8 da presente Convenção chegarem à conclusão de que o término da relação de trabalho é injustificado e se, em virtude da legislação e prática nacionais, esses organismos não estiverem habilitados ou não considerarem possível, devido às circunstâncias, anular o término e, eventualmente, ordenar ou propor a readmissão do trabalhador, terão a  faculdade de ordenar o pagamento de uma indenização adequada ou outra reparação que for considerada apropriada.”

3 Vide a ADI 1.480-DF, que condicionou a sua eficácia ao disposto nos arts. 7º, I, da Constituição e 10 do ADCT.

4 ADIn 1625, voto da Ministra Rosa Weber.

5 “O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, torna público que deixará de vigorar para o Brasil, a partir de 20 de novembro de 1997, a Convenção da OIT 158, relativa ao Término da Relação de Trabalho por Iniciativa do Empregador, adotada em Genebra, em 22 de junho de 1982, visto haver sido denunciada por Nota do Governo brasileiro à Organização Internacional do Trabalho, tendo sido a denúncia registrada, por esta última, a 20 de novembro de 1996.”

Antonio Fernando Megale Lopes
Sócio do escritório Loguercio, Beiro e Surian Sociedade de Advogados.

Ricardo Quintas Carneiro
Sócio do escritório LBS Advogados - Loguercio, Beiro e Surian Sociedade de Advogados.

José Eymard Loguercio
Advogado, mestre em Direito pela Universidade de Brasília, especialista em Direitos Humanos do Trabalho e Direito Transnacional do Trabalho pela Universidade Castilla-La Mancha (UCLM), Espanha. Sócio da LBS Advogados e presidente do Instituto Lavor.

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