A lei 7.713/88, artigo 6º, XIV, trata da isenção do Imposto de Renda das Pessoas Físicas, sobre rendimentos de portadores de moléstia grave que elenca, privilegiando apenas os proventos de aposentadoria ou reforma, excluindo aqueles de contribuintes ainda em atividade laboral.
O STF recentemente julgou a ADIn 6.025, negando pedido de declaração de inconstitucionalidade dessa limitação, promovida pela PGR.
O STJ, igualmente, em julgamento de recursos especiais repetitivos, Tema 1.037, fixou a tese de que a isenção não é aplicável ao trabalhador com doença grave que esteja na ativa.
Assim, vê-se que os tribunais superiores, no presente momento, privilegiam a literalidade da lei. Mas, com o respeito devido, o entendimento fixado, por ora, nas duas cortes, soa em dissonância com os valores almejados pela CF.
É certo que referido dispositivo legal trata de “isenção”, e segundo previsão da lei 5.172/66, que aprovou o Código Tributário Nacional, em seu artigo 111, inciso II, interpreta-se literalmente a legislação tributária que disponha sobre outorga de isenção.
Nada obstante, temos que o Código Tributário Nacional é de 1966, portanto anterior aos termos da atual Constituição Federal de 1988 e em face dos princípios adotados na Carta da República, temos plena convicção de que a restrição prevista no inciso II, artigo 111, do CTN, não foi recepcionada pelo novo ordenamento jurídico posto pela CF 88. Portanto, ele é inconstitucional e não deve ser aplicado.
Penso que a motivação do legislador da lei 7.713/88, ao outorgar isenção de imposto de renda sobre os proventos de aposentadoria e reforma foi, com certeza, auxiliar o doente aposentado ou reformado a manter integra sua remuneração, que tem caráter alimentar, sem nenhum desconto, para que ela fosse utilizada a fazer frente aos gastos com sua saúde. Sendo esse o objetivo do legislador, não é razoável pensar que o trabalhador da ativa, apenas por estar na ativa, não tenha que fazer, igualmente, frente aos dispêndios médicos com sua respectiva doença. Um trabalhador aposentado, portador de moléstia grave, que possui aposentadoria no valor de R$ 5.000,00 está isento de IR, mas um trabalhador em atividade, que perceba igualmente R$ 5.000,00 não usufrui do benefício fiscal, sendo que ambos estão acometidos por moléstia que demanda recursos para seu tratamento, e suas remunerações possuem similarmente caráter alimentício. Não há razoabilidade para justificar o discrímen. Em razão da sua perda salarial com remédios, tratamento médico especializado e exames periódicos, a isenção deve ser deferida a toda situação quando caracterizadas as patologias da Lei nº 7.713/88
Os princípios constitucionais da isonomia e da dignidade humana, devem se sobrepor à norma restritiva contida no artigo 111, inciso II, do CTN.
A Constituição Federal, ao instituir as limitações do poder de tributar, promoveu uma especificação do princípio da isonomia contido em seu art. 5º, caput, vedando expressamente a instituição de tratamento desigual entre contribuintes em situação equivalente, consoante se lê em seu artigo 150, II.
Como visto, a norma impede a distinção em razão de ocupação ou função ou da denominação jurídica dos rendimentos.
A dignidade da pessoa humana enquanto valor universal humanístico passou a ser o fundamento das Constituições dos países democráticos, deslocando a finalidade do Estado para um único ponto, ou seja, o indivíduo. No caso, a isenção do Imposto de Renda aos portadores de doenças graves visa a atenuar o sofrimento causado pela doença, na medida em que permite o recebimento de um rendimento maior que aquele que seria auferido em condições normais de saúde. O Constituinte originário com base nessa determinação definiu de forma expressa no artigo 1º, inciso III, a dignidade da pessoa humana como fundamento do Estado Democrático de Direito Brasileiro.
O tema merece uma nova abordagem, à luz da atual realidade fática e dos dispositivos da Constituição Federal, como se vê em muitos julgados, como por exemplo o do TRF 1ª Região, 4ª Seção, EINF 2009.33.00.009545-1/BA, Rel. des. Fed. Luciano Tolentino Amaral, e-DJF1 8/2/13.
É relevante apontar o acórdão proferido pela C. Oitava Turma, do E. Tribunal Regional Federal da 1ª Região, no julgamento da AC 0056831-68.2012.4.01.3400/DF, no qual foi negado provimento ao recurso da Fazenda Nacional, afastando-se expressamente o princípio da legalidade estrita, tendo em vista que os princípios da isonomia e da dignidade da pessoa humana se sobrepõem “a qualquer outro de cara'ter eminentemente legalista e restritivo de direitos”.
O aludido julgado e' catego'rico ao destacar que “na~o se pode admitir que essa benesse fiscal seja concedida apenas aos aposentados ou reformados, em detrimento daqueles que ainda prestam serviços à nação, tendo em vista que, em casos como este, o sacrifício do contribuinte (ativo ou inativo) e' o mesmo”.
Impende ressaltar, que o acórdão acima, restou mantido pelo E. Superior Tribunal de Justiça no julgamento do RECURSO ESPECIAL 1.749.197 – DF.
Percebe-se, assim, que vasta área do Poder Judiciário já tem se mostrado sensível à problemática exposta, aplicando a legislação tributária em consonância com a finalidade visada pelo legislador (ou seja, o bem jurídico que se buscou proteger com a isenção) e a principiologia constitucional. E não é outro o entendimento que deve ser aplicado no presente caso.
Vale destacar que na ADIn 6.025 o próprio fiscal da lei adota entendimento de que a norma atacada é inválida, na medida que “afronta os princípios da dignidade da pessoa humana, dos valores sociais do trabalho e da igualdade. Desrespeita, ainda, a especial proteção conferida às pessoas com deficiência pela Constituição e pela Convenção de Nova York.”
Assim, resta-nos esperar que os tribunais superiores revejam seu entendimento.