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IN 2.121/22 e o alerta aos contribuintes

Não podem iludirem-se os profissionais e os contribuintes quanto à necessidade do efetivo protocolo de suas respectivas ações judiciais, para que tenham o mínimo de segurança jurídica, uma vez que nunca houve, na história do STF, o desrespeito a pleitos judiciais iniciados antes da sessão de julgamento daquela Corte.

9/1/2023

A recentíssima Instrução Normativa RFB 2.121, publicada pelo governo federal anterior ao apagar das luzes de 2022, em 20/12/22, não deve iludir profissionais e contribuintes em relação a uma realidade inafastável: só pode haver segurança jurídica se houver ajuizamento de ação para afastar a incidência do PIS e da COFINS sobre o ICMS!

A esse respeito, desde logo, é necessário lembrar que as leis que regem os tributos PIS e COFINS não foram alteradas, continuando em seus textos a incidência daqueles tributos sobre o ICMS.

Da mesma forma, continua em plena vigência o inciso X do artigo 52 da Constituição da República, que afirma imperativamente e sem deixar margem a dúvidas que “compete privativamente ao Senado Federal suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal.

Aliás, desde a Constituição de 1934 existe o referido comando, que outorga ao Senado Federal a competência de garantidor da separação dos Poderes, quando o Poder Judiciário, por meio de seu órgão máximo, o Supremo Tribunal Federal (STF), venha a concluir que havia uma inconstitucionalidade total ou parcial em uma lei, desde que tal conclusão tenha tido sua origem processual em um caso individual, que qualquer pessoa poderia ter iniciado, conhecido como controle de constitucionalidade difuso: a justa logicidade do papel do Senado no controle constitucional difuso é a de que apenas lei revoga lei (Antonio Carlos Faustino e Marcelo dos Santos Bastos: http://www.esdc.com.br/RBDC/RBDC-12/RBDC-12-155-Antonio_Faustino_e_Marcelo_Bastos_(52_X).pdf, acessado em 4-1-23).

Os artigos 386 e seguintes do Regimento Interno do Senado descrevem o rito para recebimento e elaboração de resoluções emitidas em razão de decisões de inconstitucionalidade: “O Senado conhecerá da declaração, proferida em decisão definitiva pelo Supremo Tribunal Federal, de inconstitucionalidade total ou parcial de lei mediante: I - comunicação do Presidente do Tribunal” (STF).

A determinação de comunicação ao Senado consta do Regimento Interno do STF (RISTF) desde a Constituição de 1967, que reproduzia o mesmo comando do atual art. 52, X, em seu artigo 47, VII. Confira-se no artigo 178 do RISTF: “Declarada, incidentalmente, a inconstitucionalidade, na forma prevista nos arts. 176 e 177, far-se-á a comunicação, logo após a decisão, à autoridade ou órgão interessado, bem como, depois do trânsito em julgado, ao Senado Federal, para os efeitos do art. 42, VII, da Constituição.

Embora de suma relevância para o sistema de freios e contrapesos, que mantem a harmonia dos três Poderes no regime democrático, o texto da mencionada resolução do Senado é objetivo e simples, como bem exemplifica o da Resolução nº 15, de 2017:  Art. 1º É suspensa, nos termos do art. 52, inciso X, da Constituição Federal, a execução do inciso VII do art. 12 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, e a execução do art. 1º da lei nº 8.540, de 22 de dezembro de 1992, [...], declarados inconstitucionais por decisão definitiva proferida pelo Supremo Tribunal Federal nos autos do Recurso Extraordinário nº 363.852.(vide https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2017/Congresso/RSF15.htm, acessado em 5/1/23).

Percebe-se com clareza que ao STF cabe julgar inconstitucionalidades em leis e ao Senado, como órgão legislativo, fazer as respectivas alterações nas leis, para que se produzam efeitos que vinculem a toda a sociedade e não apenas aos processos envolvidos, o que se dá quando da decisão do STF.

Portanto, eis a regra geral do ordenamento jurídico brasileiro: os efeitos sociais vinculativos amplos são próprios de lei e não de decisão judicial, não importa se de primeira instância ou do STF – vale lembrar o que determina o inciso II do artigo 5º da Constituição: ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”!

Aliás,  a emenda constitucional (EC) 45/04 deixou claríssimo o texto constitucional, no sentido de que os efeitos vinculantes amplos ou gerais de decisões do STF, para os quais muitos usam a expressão latina erga omnes(para todos), só podem advir de julgamentos ocorridos no chamado controle abstrato ou concentrado de constitucionalidade, pelo qual a legitimidade para a propositura das ações é restrita, nos termos da legislação, estando fora do alcance das pessoas físicas e jurídicas comuns. Nesse tipo de controle não se julgam os chamados recursos extraordinários, que são apelos individuais, mas sim, as ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs), as ações declaratórias de constitucionalidade (ADCs), as ações diretas de inconstitucionalidade interventiva e as arguições de descumprimento de preceito fundamental (ADPFs). Além desses casos, há outra exceção, trazida pela EC 45, que fora a possibilidade de uma súmula do STF passar, não a modificar a lei, mas a vincular todos os órgãos do Estado, inclusive os dos Poderes Executivos de todos os entes federativos, o que ocorre com a criação de uma súmula vinculante pelo STF, nos termos do artigo 103-A da Constituição.

Também a EC 45 trouxe ao nosso ordenamento o instituto da repercussão geral, posteriormente tradado em minudências pela lei 11.417/06, que acresceu ao anterior Código de Processo Civil (CPC) os artigos 543-A e 543-B. Tais artigos dão conta da dimensão e dos limites das decisões proferidas pelo STF pelo rito da repercussão geral, como foi o caso da decisão que excluiu o ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS, proferida no recurso extraordinário de n. 574.706-PR, originado por um contribuinte, pessoa jurídica, comum, isolado, a IMCOPA IMPORTAÇÃO, EXPORTAÇÃO E INDÚSTRIA DE ÓLEOS LTDA.

Traduzindo-se o que a regência normativa construiu para a abrangência de uma decisão proferida pela sistemática da repercussão geral conclui-se, sem margem a dúvidas, de que atinge apenas o mundo processual. Em outras palavras e tomando-se a expressão latina vulgarizada, ousamos dizer que a decisão tem efeitos “erga omnes” no mundo processual, ou seja, pode alcançar a todos os processos existentes ou a existir.

Dissemos que a decisão do STF “pode alcançar” a todos os processos porque nem a eles é vinculante em absoluto, uma vez que no nosso sistema jurídico vigora o princípio do livre convencimento motivado do juiz (artigos 370 e 371 do CPC), pelo qual o magistrado é livre para formar seu convencimento, exigindo-se apenas que apresente os fundamentos de fato e de direito. É de se concluir que, se o alcance de uma decisão em repercussão geral do Supremo é relativizado em relação ao próprio Poder Judiciário, no qual tramitam os processos que deveriam ser por ela afetados, não seria lógico que esse sistema vinculasse implacavelmente a toda a sociedade, a ponto de se entender que a IN 2.121/22, da Receita Federal, estaria regulando o alcance geral e irrestrito ao acórdão do RE 574.706/PR.

O próprio Regimento Interno do STF demonstra que é processual o alcance da decisão em repercussão geral. O § 2º de seu artigo 326-a é taxativo, ao dizer que “será comunicada à instância de origem e ao Superior Tribunal de Justiça, respectivamente, inclusive para os fins do art. 1.037, § 1o, do Código de Processo Civil”, que são a versão dos artigos 543-A e 543-B no atual CPC.

Também o sítio eletrônico do STF é didático sobre a destinação da repercussão geral, informando que  “as características do instituto demandam uma interlocução mais próxima dos órgãos do Poder Judiciário, principalmente o compartilhamento de informações sobre os temas que envolvem o julgamento de questões constitucionais, e que reclamam o sobrestamento dos processos, procedimento que visa a dar maior efetividade e uniformização das decisões.

Grifamos a expressão que o STF usou para mostrar o objetivo da repercussão geral para que fique evidente que tal instituto nasceu não para que seus efeitos se equiparem aos da lei, mas para que o Poder Judiciário tenha oportunidade de evitar posições em instâncias inferiores que serão naturalmente reformadas posteriormente, porque contrárias ao posicionamento da instância final que o processo pode alcançar, qual seja, o Supremo Tribunal Federal. Por conseguinte, é a celeridade e a efetividade do processo que são visados com a repercussão geral, jamais a supressão do papel do Poder Legislativo.

Mas, dentre outras questões, o papel do Senado estará em jogo em outro processo do STF e que poderá afetar significativamente a todos os contribuintes que estão sendo beneficiados com o que fora decidido sobre o PIS e a COFINS, no que tange a terem suas bases de cálculo sem o ICMS. Trata-se do RE 955227-BA, que analisará o Tema 885 de Repercussão Geral do STF: Os  efeitos das decisões do Supremo Tribunal Federal em controle difuso de constitucionalidade sobre a coisa julgada formada nas relações tributárias de trato continuado.

Esse julgamento compreende uma questão muito, muito séria e que demanda, inclusive, que ninguém ouse reduzir a base de cálculo do PIS e da COFINS, para se extrair o ICMS, sem sua devida ação judicial, ainda que protocolada agora. Veja-se o que o relator do caso, Min. Roberto Barroso, expôs, ao reconhecer a repercussão geral do tema: “Constitui questão constitucional saber se e como as decisões do Supremo Tribunal Federal em sede de controle difuso fazem cessar os efeitos futuros da coisa julgada em matéria tributária, quando a sentença tiver se baseado na constitucionalidade ou inconstitucionalidade do tributo.”

Observe-se a grandeza do quanto será decidido. Não se trata somente de o Supremo apresentar seu entendimento definitivo sobre o efeito da decisão em controle difuso e com repercussão geral. Não se trata apenas em se determinar se terão efeitos vinculantes ou erga omnes a toda a sociedade ou somente abrangerão processos afetados. Trata-se de saber se os créditos que os contribuintes já angariaram estão seguros ou não!

Em nossa Constituição consta o Princípio de inviolabilidade da coisa julgada, conforme o inciso XXXVI de seu artigo 5º, que assegura que nem mesmo a lei prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Essa norma está alocada na Constituição no seu Título II, que dispõe sobre os Direitos e Garantias Fundamentais e, mais especificamente, está no Capítulo I daquele Título II, que apresenta os nossos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos.

Por isso entendemos que a decisão que transitou em julgado não pode ser alterada pelo Supremo e que se consubstancia em uma das chamadas cláusulas pétreas, que nem mesmo pelo Poder Legislativos Constitucional poderão ser alteradas, a teor do inciso IV do § 4º do artigo 60 da Constituição: Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir os direitos e garantias individuais. Mas, atente-se, é isso que também estará em jogo no julgamento que está por ocorrer, do mencionado Tema 885 (RE 955227-BA)!

E o estado de alerta se torna mais gravoso ainda porque, apesar de recomeçar do zero a sessão de julgamento presencial, o caso já teve um início desastroso, no julgamento eletrônico que foi cancelado a pedido do Ministro Edson Fachin. É que o próprio relator votou para que “as decisões proferidas em ação direta ou em sede de repercussão geral interrompessem automaticamente os efeitos temporais dos processos transitados em julgado”!

Ora, isso é o mesmo que deixar toda as relações sociais inseguras e se permitir uma alteração sem fim de coisas julgadas, conforme se alterar o entendimento do Supremo!

E o pior é que o posicionamento do Min. Roberto Barroso fora, então, acompanhado por mais  5 (cinco) Ministros: Rosa Weber (Presidente), Dias Toffoli, Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes, totalizando quase a maioria do STF!

Como dissemos, o julgamento presencial permitirá que todos os Ministros analisem melhor a questão e ouçam a sociedade, que entendemos que deva se manifestar em tema tão representativo. Em vista disso, podemos dizer que há esperança!

Além do mais, há esperança porque o próprio acórdão do RE 574.706/PR, contou com um posicionamento de sua relatora, Min. Cármen Lúcia, que demonstrou o respeito que a instituição STF guardava para com a segurança jurídica. No último julgamento do caso, em 13/05/2021, a expressão “segurança jurídica” fora reproduzida por 49 vezes, como bem resumiu Ministra-relatora, à pág. 26 de seu voto: “ [...] a confiança e a segurança jurídica são princípios fundamentais subjacentes à prospecção dos efeitos das decisões judiciais modificadoras da jurisprudência até então dominante.

Por isso, não podem iludirem-se os profissionais e os contribuintes quanto à necessidade do efetivo protocolo de suas respectivas ações judiciais, para que tenham o mínimo de segurança jurídica, uma vez que nunca houve, na história do STF, o desrespeito a pleitos judiciais iniciados antes da sessão de julgamento daquela Corte. Vale lembrar, ainda, que os respectivos processos terão tramitação muito mais célere, uma vez que não deverá haver recursos por parte da Procuradoria, em razão do quanto foi deliberado no PARECER SEI No 14483/2021/ME (acessável em https://www.gov.br/pgfn/pt-br/assuntos/representacao-judicial/documentos-portaria-502/parecer-sei-14483-2021.pdf).

Vale destacar, por fim, que, embora a IN 2.121/22 tenha aplicação apenas processual no que se refere ao direito de exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS, como só pode ter, à luz do nosso ordenamento, tratou-se aquela norma infralegal de um compilado de 811 artigos, sobre o entendimento do órgão acerca de diversas questões tributárias, que impactam diretamente na arrecadação do Estado. Sabemos da inquestionável capacidade técnica dos servidores da Receita Federal do Brasil, mas, na prática torna-se efetivo o dirigismo político a que acabam se sujeitando e hoje a dogmática estatal federal foi diametralmente alterada, de um Estado mínimo e liberal para um Estado de muito maior intervencionismo, por isso, exigindo mais recursos para se manter. Mais um motivo para que todos se assegurem com o respaldo judicial a que têm direito, evitando surpresas, que, na verdade, não o são porque certamente advirão.

Nicolau Abrahão Haddad Neto
Sócio fundador da Advocacia Haddad Neto. Professor convidado da FGV/SP. Palestrante e parecerista em Direito Tributário. Mestre em Direito Político e Econômico pelo Mackenzie. Especialista em Direito Tributário pelo CEU.

Robinson Vieira
Sócio da Advocacia Haddad Neto. Advogado tributarista. Especialista em Direito Tributário pelo Centro de Extensão Universitária (CEU) e pelo IBET. Especialista em Direito Empresarial pela PUC/SP.

Renata Martins Alvares
Sócia da Advocacia Haddad Neto. Advogada tributarista. Especialista em Direito Tributário pelo CEU-IICS - Escola de Direito (Centro de Extensão Universitária e Instituto Internacional de Ciências Sociais).

Camilla Castilho Pedroso
Advogada tributarista, sócia da Advocacia Haddad Neto e pós-graduanda em Direito Tributário pela PUC/SP.

Carlos Roberto dos Santos
Advogado tributarista, sócio da Advocacia Haddad Neto e pós-graduando em Direito Tributário pela PUC/SP

Natalia Francisca de Souza
Advogada tributarista, sócia da Advocacia Haddad Neto e pós-graduanda em Direito Tributário pela PUC/SP

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