O futebol é, sem dúvidas, o esporte mais tradicional do país e a grande paixão nacional. Ano após ano, os campeonatos nacionais e internacionais disputados pelos clubes brasileiros entusiasmam os seus fiéis torcedores, estimulando-os a ir aos estádios ou acompanhar a transmissão ao vivo das partidas, o que gera para essa área do esporte um mercado extremamente rentável e significativo para a economia do futebol brasileiro.
Assim, não é exagero dizer que, principalmente nos últimos anos, o futebol transcendeu as quatro linhas que delimitam o campo: os avanços tecnológicos, em especial o uso da internet como meio de comunicação, potencializaram a exploração comercial de produtos e serviços como estratégia de conquista, aproximação e fidelização de torcedores e, em última análise, maximização da receita dos clubes.
Nesse contexto, revela-se a importância da marca para os clubes brasileiros, pois é a partir de seu regular registro no INPI – Instituto Nacional de Propriedade Industrial que se torna possível a exploração comercial de seu ativo intangível mais valioso. Isso porque muito embora a Lei Pelé, em seu art. 87 e parágrafo único, disponha que a proteção aos símbolos e nomes de clubes e agremiações desportivas estão juridicamente assegurados independentemente de registro no órgão competente, tal proteção não abrange a possibilidade de monetização sobre a marca, que inclui a exploração comercial/econômica de produtos pelo clube e por terceiros autorizados, a partir de contratos de licenciamento, franquias e ativos digitais para engajamento de fãs e torcedores.
Uma breve busca no banco de dados do INPI evidencia o despertar dos clubes no que tange à importância do registro das suas marcas. Nos últimos cinco anos (2017-2022) cresceu o número de depósitos de marcas (mistas, figurativas e nominativas) por parte dos sete principais clubes do eixo Rio-São Paulo que disputam a Série A do Campeonato Brasileiro. Aproximadamente 51% dos depósitos de marca do Flamengo foram feitos nesse intervalo de tempo, seguidos de 45% pelo Corinthians e 40% pelo Santos. Ainda que os números impressionem, o desempenho dos clubes brasileiros no gerenciamento e exploração dessa carteira de ativos intangíveis vem se demonstrando, em geral, bastante aquém do esperado frente o potencial econômico do mercado esportivo.
Uma pesquisa realizada pela Sports Value com base nos dados extraídos dos balanços publicados pelos vinte clubes com maiores receitas do país e pelas ligas, além dos annual reports e estudos de empresas como Delloitte e Forbes, em 2021, o Brasil foi o país com o 7º maior PIB entre os países das ligas de futebol do mundo, sendo o 5º mais importante mercado publicitário global. Contudo, apesar do mercado propício à enorme geração de receita com a exploração comercial da marca, o Brasil míngua na 14ª colocação em receita de marketing das ligas de futebol mundial, entendida como as receitas auferidas pelos patrocínios e licenciamento das marcas.
Como resultado, o Brasil tem um faturamento com marketing desportivo estimado em 1% em relação ao tamanho do seu mercado publicitário, ao passo em que a projeção do estudo realizado demonstra a possibilidade de faturamento de US$ 625 milhões por ano com marketing, 3,6 vezes mais que os números atuais.
Diante desse cenário, é possível perceber que a movimentação dos clubes brasileiros para a proteção de suas marcas ainda está em estágio inicial, embora os depósitos de novas marcas nos últimos cinco anos sejam expressivos e demonstrem o despertar para a relevância da boa gestão dos seus direitos de propriedade industrial.
Na contramão do cenário nacional, o Clube de Regatas do Flamengo se destaca em termos de gestão do seu portfólio de marcas, demonstrando a compreensão de que, para além dos registros das marcas cruciais para a sua atividade, é necessário investir e gerir sua carteira de ativos intangíveis para obtenção do máximo proveito econômico. Exemplo disso foi a conquista do status de alto renome para a marca nominativa FLAMENGO, concedida pelo INPI em 2019 no bojo do registro 006085547, sendo o único clube brasileiro, até o presente, a conquistar esse reconhecimento.
De acordo com a Lei da Propriedade Industrial, o registro de marca, validamente expedido pelo INPI, concede ao seu titular exclusividade sobre ela em todo território nacional, especificamente para o segmento de mercado em que se insere a marca. Com status de alto renome, contudo, a marca FLAMENGO goza de especial proteção no Brasil, independente do segmento de mercado, podendo adotar medidas cabíveis contra terceiros que venham utilizar sua marca sem autorização, ou seja, indevidamente, garantindo-lhe a exclusividade de seu uso no mercado nacional. Isso significa dizer que ao requerer e a obter a declaração de alto renome para a marca FLAMENGO, além de sinalizar o quão afamada e prestigiada é a marca no país, representa uma importante ferramenta para a sua consolidação e fortalecimento nacional e internacionalmente, aumentando seu valor no mercado e, consequentemente, a receita de seu titular.
Nesse sentido, os investimentos do Flamengo nos seus ativos intangíveis já demonstram um resultado positivo: segundo dados da Brand Finance, o Flamengo é uma das 50 marcas mais valiosas do mundo, sendo o único clube fora do eixo europeu a figurar nessa seleta lista. Ainda, a marca Flamengo está avaliada em 96 milhões de euros, quantia duas vezes maior do que a segunda marca do clube brasileiro mais valioso, o Palmeiras, avaliado em 42 milhões de euros. Como se vê, investindo numa gama de serviços e produtos, o licenciamento de sua marca tem sido um importante aliado na geração de receita, somando a outras ações de gestão que impulsionam o consumo da marca Flamengo pelos torcedores-clientes, conferindo hegemonia dentro e fora dos gramados. Com a força da marca outros benefícios passam a surgir para o clube, tais como a integração do Fan Token ao programa sócio torcedor, bem como a ativos digitais denominados NFTs (Non Fungible Tokens).
A percepção talvez tardia dos clubes brasileiros da relevância dos direitos de propriedade industrial, notadamente pelos direitos marcários, representa um entrave para a maximização das suas receitas e, consequentemente, dos investimentos na sua atividade fim. O entendimento um tanto quanto atrasado de que, em consonância com a tendência mundial, o futebol extrapola as disputas dentro de campo, impediu e ainda impede que os clubes brasileiros desfrutem do potencial que a boa gestão da carteira de ativos intangíveis pode representar nas suas finanças.
Mesmo assim, o cenário é positivo. A postura mais atuante dos clubes no INPI demonstra “a virada de chave” nas gestões dos clubes, embora a marcha para o gerenciamento adequado desses ativos seja lenta e sua exploração econômica, como visto, bastante aquém do verdadeiro potencial de mercado. A descoberta dos direitos de propriedade industrial como grande aliado para a obtenção de proveito econômico dos clubes é favorável à exploração do licenciamento de marcas.
Os clubes brasileiros ainda têm um longo caminho a percorrer na gestão de seus ativos, podendo encontrar bons exemplos de gestão nos clubes europeus, tais como o Real Madrid, Manchester City e Barcelona – as três marcas de clubes mais valiosas do mundo de acordo com a Brand Finance Football – ou nas mudanças capitaneadas pelo Flamengo que, internamente, representam um importante passo para que haja um movimento pela adoção de medidas de fortalecimento das marcas dos clubes.