Migalhas de Peso

O que fazer quando o plano de saúde nega a cirurgia bariátrica

O que o paciente deve fazer, ao receber a negativa do plano de saúde para a realização de sua cirurgia bariátrica? Essa decisão do plano de saúde é abusiva?

9/1/2023

A cirurgia bariátrica, também chamada de Gastroplastia, é um procedimento cirúrgico que busca combater a obesidade do paciente, através de uma intervenção que foca na redução da capacidade do indivíduo com o IMC muito elevado de se alimentar, o que ocasionaria uma redução em seu peso.

A intervenção é feita de forma a alterar, significativamente, o tamanho do estômago do indivíduo, podendo até modificar o trajeto dos alimentos em seu corpo. Estas alterações na anatomia do indivíduo terminam por causar uma sensação de saciedade, proporcionando uma redução rápida da absorção de calorias. Com isso, o indivíduo submetido ao procedimento passa a sofrer com uma perda considerável de peso dentro de um curto espaço de tempo que, normalmente, não alcançaria.

Esse tipo de procedimento cirúrgico, cada vez mais evoluído, tem exigido um espaço de tempo mais curto para a plena recuperação do indivíduo, que logo volta à sua rotina de atividades, e tem causado menos sequelas. Normalmente, os médicos recomendam a cirurgia bariátrica

Assim, muitos indivíduos que são usuários de planos de saúde precisam recorrer à cirurgia bariátrica, por vezes como última solução para o seu caso. Com isso, a procura por realização de cirurgia bariátrica vem crescendo expressivamente no Brasil, que atualmente ocupa a segunda posição da lista de países com maior número de cirurgias realizadas. Só que ao tentarem utilizar o plano de saúde, esses indivíduos se deparam com a negativa de cobertura. Em casos assim, sempre é interessante que este indivíduo faça uma consulta com um advogado de sua confiança, para avaliar a situação e entender se é possível recorrer ao Poder Judiciário para exigir que o plano de saúde custeie a realização da cirurgia.

Segundo a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), os planos de saúde estão obrigados a oferecerem a cirurgia bariátrica nos seguintes casos:

Já a Segundo a Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica, a Cirurgia Bariátrica é indicada, além dos casos previstos pela ANS, para aqueles indivíduos com IMC entre 30 e 35 kg/m² e que possuam comorbidades que sejam consideradas “graves” por um médico especialista (um exemplo seria o de uma pessoa com 1,70 metro de altura, e pesando 87 quilos, associado a uma comorbidade grave).

Portanto, é possível perceber que a indicação clínica da cirurgia bariátrica ocorre mesmo em casos fora dos originalmente previstos na ANS, e que ainda sim devem ser cobertos pelo plano de saúde.

Infelizmente, é muito comum que os planos de saúde, por diversos motivos, neguem o custeio da cirurgia bariátrica. Mas o fato é que qualquer contrato de plano de saúde assinado a partir de 1999 não pode prever qualquer tipo de carência para fornecer a cirurgia bariátrica, desde que ela preencha os requisitos da ANS citados anteriormente. Ou seja, qualquer negativa de cobertura de cirurgia bariátrica é abusiva, pois nega a obrigatoriedade da cobertura do procedimento cirúrgico de redução do estômago.

Necessidade de cumprimento de carência: O indivíduo deve ter em mente que a obesidade é considerada pelos médicos como uma doença grave, e a cirurgia bariátrica é um procedimento indicado apenas nos casos em que não há outra saída para a melhoria do quadro de saúde. Assim, ela possui urgência, pois afeta a saúde e a vida do paciente, de forma que se enquadra na carência de 24 horas para procedimentos de urgência.

Opinião contrária de médico perito do plano: Alguns planos de saúde se valem da opinião de médicos contratados que recusam a prescrição feita pelo profissional que acompanha o paciente, de forma que esta resistência faz com que o convênio negue o procedimento. O plano de saúde, ao fazer isso, comete uma abusividade, pois a escolha do profissional médico é um direito do paciente, e o plano de saúde não pode negar um procedimento cirúrgico por simplesmente discordar da opinião do profissional médico. Apenas o médico que acompanha o paciente é que pode definir qual o tratamento a ser realizado.

Alegação de doença pré-existente: Tal justificativa é abusiva, uma vez que o paciente foi recebido pelo plano de saúde. Ademais, como se falou em outros momentos, o caso não exige a adoção de uma carência contratual extensa, que não as 24 horas para procedimentos de urgência.

Não preenchimento dos requisitos da ANS: As regras da ANS devem ser respeitadas, mas elas comportam exceções, como citamos no texto – como, por exemplo, casos excepcionais que envolvam menores de idade. O ideal é que cada caso seja tratado com suas particularidades.

Diversos são os julgamentos que reconhecem a abusividade da conduta do plano de saúde, ao negarem a cirurgia bariátrica:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSO CIVIL. CIVIL. CONSUMIDOR. PLANO DE SAÚDE. CONVÊNIO. COBERTURAS. TRATAMENTO MÉDICO ADEQUADO. OBESIDADE. CIRURGIA BARIÁTRICA. PRESCRIÇÃO MÉDICA. COMPROVAÇÃO. RISCO DE MORTE. OMISSÃO DE DOENÇA PREEXISTENTE. NÃO COMPROVAÇÃO. COBERTURA PARCIAL TEMPORÁRIA. ILEGALIDADE.

1. A relação estabelecida entre empresa operadora de plano de saúde que atua no regime de mercado aberto ao público em geral na comercialização de seus serviços e produtos com os conveniados, que utilizam seus serviços e produtos como destinatários finais, está submetida às diretrizes do Código de Defesa do Consumidor, consoante o disposto no enunciado 608 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça.

2. Os contratos de assistência à saúde devem ser pautados pelos princípios da solidariedade, boa-fé e função social no que concernem às situações limites que podem render abalo direto à vida do consumidor, que não pode se ver desamparado diante da necessidade premente de tratamento indispensável (cirurgia bariátrica) capaz de preservar sua vida, visto que é imperioso o atendimento do consumidor às suas legítimas expectativas quanto ao contrato e a adequação dos serviços prestados pelo plano de saúde (artigos 18, §6º, III; 20, §2º; 47; e 51, VI, todos do Código de Defesa do Consumidor).

3. A operadora de plano de saúde não pode restringir a liberdade do médico especialista responsável pela condução da terapêutica adequada ao caso clínico da paciente quando os métodos científicos são reconhecidamente validados no meio científico e permitidos pela legislação vigente, sendo indevida a recusa fundada na alegação de que a consumidora não informou ter obesidade mórbida ao contratar o plano de saúde e de que, em razão de ser portadora de doença preexistente, faz-se necessário o cumprimento do período de Cobertura Parcial Temporária - CPT para realização de cirurgia bariátrica.

4. Se a operadora de plano de saúde não investigou as declarações prestadas pela consumidora e concordou com a proposta assinada pela segurada, sem realizar diligências para a averiguação de seu real estado de saúde quando da contratação da apólice, deve arcar com o risco assumido.

5. É ilegítima a negativa de cobertura de cirurgia bariátrica quando o procedimento é indispensável à vida da usuária do plano de saúde, bem como é indevida a exigência de cumprimento do período de Cobertura Parcial Temporária - CPT, sob o fundamento de que se trata de doença preexistente quando não foram realizadas diligências que comprovem tal fato.

6. Recurso conhecido e desprovido.

(TJDFT, Acórdão 1369156, 07132419620218070000, Relator: MARIA DE LOURDES ABREU, Terceira Turma Cível, data de julgamento: 31/8/21, publicado no DJE: 20/9/21) 

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZATÓRIA. PLANO DE SAÚDE. CIRURGIA BARIÁTRICA. OBESIDADE MÓRBIDA. OMISSÃO DE DECLARAÇÃO DE DOENÇA PREEXISTENTE. NEGATIVA DE COBERTURA. ILEGALIDADE. DANOS MORAIS IN RES IPSA. INDENIZAÇÃO. NEGOU-SE PROVIMENTO AO APELO DO RÉU E DEU-SE PROVIMENTO AO APELO DA AUTORA.   

  1. É firme a jurisprudência do colendo Superior Tribunal de Justiça no sentido de que “O plano de saúde pode estabelecer as doenças que terão cobertura, mas não o tipo de tratamento utilizado, sendo abusiva a negativa de cobertura do procedimento, tratamento, medicamento ou material considerado essencial para sua realização de acordo com o proposto pelo médico.” Incidência da Súmula 83/STJ. (AgInt no AREsp 1181628/SP, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 6/3/18, DJe 9/3/18)
  2. Súmula 609 do STJ: "A recusa de cobertura securitária, sob a alegação de doença preexistente, é ilícita se não houve a exigência de exames médicos prévios à contratação ou a demonstração de má-fé do segurado"
  3. De acordo com o artigo 35-C, inciso I, da lei 9.656/98, é obrigatória a cobertura do atendimento nos casos “de emergência, como tal definidos os que implicarem risco imediato de vida ou de lesões irreparáveis para o paciente, caracterizado em declaração do médico-assistente”. 
  4. A recusa indevida do plano de saúde gera danos morais in re ipsa. 
  5. Apelações Cíveis conhecidas. Provido o recurso do autor. Negado provimento ao recurso do réu.  

(TJDFT, Acórdão 1379674, 07427129120208070001, Relator: ANA MARIA FERREIRA DA SILVA, Terceira Turma Cível, data de julgamento: 13/10/2021, publicado no DJE: 27/10/21)

APELAÇÃO CÍVEL. PLANO DE SAÚDE. CIRURGIA METABÓLICA. RECUSA. DANO MORAL.

  1. O procedimento de cirurgia metabólica/bariátrica para tratamento das enfermidades que autora possui está balizada na Resolução do Conselho Federal de Medicina 2.172/17, a qual estendeu a prescrição para a cirurgia em pacientes com diabetes tipo 2 a partir de IMC 30kg/m2.
  2. A não exigência de exames médicos previamente torna ilícita a recusa de cobertura pelo plano de saúde em razão de doenças preexistentes, como se vê da Súmula 609/STJ.
  3. Constitui ofensa moral a indevida recusa da operadora do plano de saúde em custear a cirurgia metabólica para tratamento de diabetes mellitus tipo 2, quando demonstrado por laudo médico que a segurada sofre com diversas comorbidades e que este é o melhor tratamento indicado para tratar de suas doenças. No caso, foi mantido o valor fixado na r. sentença, R$ 5.000,00 (cinco mil reais).
  4. Negou-se provimento ao apelo.

(TJDFT, Acórdão 1368117, 07038511220208070009, Relator: SÉRGIO ROCHA, Quarta Turma Cível, data de julgamento: 26/8/2021, publicado no DJE: 10/9/21)

Destacamos que os contratos de planos de saúde devem ser pautados pelos princípios da solidariedade, boa-fé e função social, de forma que o indivíduo não pode se ver desamparado diante da necessidade de um tratamento médico que pode salvar a sua vida, de forma que o plano de saúde deve respeitar a sua obrigação contratual de fornecer a assistência necessária (artigos 18, §6º, III; 20, §2º; 47; e 51, VI, todos do Código de Defesa do Consumidor).

Ademais, a operadora de plano de saúde não pode restringir a liberdade do médico especialista que acompanha o paciente, se os métodos científicos sugeridos são reconhecidamente validados no meio científico, e permitidos pela legislação. Assim, é indevida e abusiva a recusa.

Evilasio Tenorio da Silva
Advogado com mais de uma década de atuação. Atuação especializada em Direito da Saúde, Civil, Societário e Empresarial. Consultor. Fundador do Tenorio da Silva Advocacia.

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