Este ensaio pretende contribuir ao importante debate ligado ao critério para a fixação de honorários advocatícios na primeira fase da ação de exigir contas (arts. 550 a 553, do CPC), com a análise de recentes julgados da 3ª e 4ª Turmas do Superior Tribunal de Justiça.
A fase de conhecimento desta ação de procedimento especial é dividida em duas etapas, cada uma com objeto cognitivo específico e com multiplicidade de decisões judiciais que podem ser nelas proferidas.
A primeira etapa objetiva, em regra, a apreciação dos seus requisitos formais sem, contudo, adentrar no mérito e valorar os documentos apresentados, bem como se há ou não a necessidade de apurar algum saldo em favor de um dos litigantes. Por tal razão, o §1º, do art. 550, do CPC exige requisitos obrigatórios para o autor: indicação das “razões pelas quais exige as contas, instruindo-a com documentos comprobatórios dessa necessidade, se existirem”.
Na decisão final desta etapa há pronunciamento positivo ou negativo em relação à continuidade do procedimento. A questão a ser enfrentada é a seguinte: sendo julgada procedente esta primeira fase, abrindo-se a fase propriamente apuratória de valores, a fixação de honorários advocatícios deve ser feita com fundamento no art. 85, §2º ou §8º, do CPC?
Dito de outra forma: ao julgar procedente o pedido contido na primeira fase da ação e condenar o réu a prestar contas, há elementos materiais suficientes para a indicação do proveito econômico obtido pelo autor, a fim de fundamentar a fixação de honorários advocatícios no percentual previsto no art. 85, §2º, do CPC, ou é hipótese que provoca a sua fixação por equidade (art. 85, §8º, do CPC)?
É claro que o previsto no §2º, do art. 85, do CPC (entre dez e vinte por certo sobre o valor da condenação, proveito econômico ou valor atualizado da causa) é a regra a ser observada no sistema processual atual, sendo possível a fixação de honorários por equidade, “nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo” (art. 85, §8º, do CPC).
Em julgado do final de 2022, já apontando o resultado do Tema 1.076/STJ, a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça asseverou que:
“III - A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido de que, sendo aferível o proveito econômico, deve ser definida a verba de honorários advocatícios, em patamar mínimo e de acordo com a gradação do § 3º do art. 85 do CPC/2015.
IV - Esta Corte Superior, no julgamento do Tema 1.076, a depender da presença da Fazenda Pública, reservou a utilização do art. 85, § 8º do CPC/15, fixação por equidade, para quando, havendo ou não condenação: (a) o proveito econômico obtido pelo vencedor for inestimável ou irrisório; ou (b) o valor da causa for muito baixo.
V -Também foi estabelecida uma sequência objetiva na fixação da verba, devendo a fixação ser calculada subsequentemente sobre o valor (a) da condenação; ou (b) do proveito econômico obtido; ou (c) do valor atualizado da causa.
VI - Eis as teses consignadas no referido julgamento, in verbis: 1) A fixação dos honorários por apreciação equitativa não é permitida quando os valores da condenação ou da causa, ou o proveito econômico da demanda, forem elevados. É obrigatória, nesses casos, a observância dos percentuais previstos nos parágrafos 2º ou 3º do art. 85 do Código de Processo Civil (CPC) - a depender da presença da Fazenda Pública na lide -, os quais serão subsequentemente calculados sobre o valor: (a) da condenação; ou (b) do proveito econômico obtido; ou (c) do valor atualizado da causa. 2) Apenas se admite o arbitramento de honorários por equidade quando, havendo ou não condenação: (a) o proveito econômico obtido pelo vencedor for inestimável ou irrisório; ou (b) o valor da causa for muito baixo” (AgInt no REsp 2019604 / SP – Rel. Min. Francisco Falcão – J. em 28/11/22 - DJe 01/12/22).
Contudo, resta saber se na primeira fase já há elementos materiais suficientes para a fixação dos honorários advocatícios no percentual estabelecido no art. 85, §2º, do CPC? Não se pode esquecer que, com a posterior decisão na segunda fase do procedimento e eventual apuração de saldo (inclusive com a formação de título executivo judicial – art. 552, do CPC), haverá nova fixação de honorários, desta feita sendo claramente estabelecida dentro do parâmetro contido neste §2º, do art. 85, do CPC.
É importante destacar que a primeira fase da ação tem cognição restrita e se encerra com a decisão que acolhe o pedido do autor e condena o réu a uma obrigação (obrigação de prestar contas ou não impugnar as que o autor apresentar) ou extingue o processo, com ou sem resolução de mérito (art. 485 ou 487, do CPC), por não reconhecer a presença dos requisitos previstos no art. 550, do CPC.
Aliás, o CPC atual superou a previsão contida na legislação anterior (art. 915, §2º, do CPC/73) que consagrava como sentença, este pronunciamento que encerrava a 1ª fase da ação de prestação de contas.
A natureza do pronunciamento judicial dependerá do prosseguimento ou não do feito para a fase seguinte, pelo que andou bem o art. 550, §5º, do CPC em vigor, ao intitulá-lo decisão: será interlocutória de mérito sujeita ao agravo de instrumento, caso o procedimento adentre na segunda fase, resolvendo, em caráter definitivo, todos os aspectos ligados à primeira, passando o feito para a discussão ligada ao aspecto valorativo das contas e apuração de eventual saldo. Por outro lado, será sentença, sujeita à apelação, caso seja extinto o processo nesta primeira fase, em razão de algum obstáculo intransponível ligado à pretensão deduzida pelo autor.
Vale transcrever parte da Ementa do REsp 1680168/SP (Rel. Min. Marco Buzzi – Rel. p/ Acórdão Min. Raul Araújo – 4ª T – J. em 9/4/19 – DJe de 10/6/19), onde foi discutido, além do recurso cabível, a existência de fungibilidade entra a apelação e o agravo de instrumento:
“2. Na hipótese, a matéria é ainda bastante controvertida tanto na doutrina como na jurisprudência, pois trata-se de definir, à luz do Código de Processo Civil de 2015, qual o recurso cabível contra a decisão que julga procedente, na primeira fase, a ação de exigir contas (arts. 550 e 551), condenando o réu a prestar as contas exigidas.
3. Não acarretando a decisão o encerramento do processo, o recurso cabível será o agravo de instrumento (CPC/2015, arts. 550, § 5º, e 1.015, II). No caso contrário, ou seja, se a decisão produz a extinção do processo, sem ou com resolução de mérito (arts. 485 e 487), aí sim haverá sentença e o recurso cabível será a apelação”. 4. Recurso especial provido”.
Neste sentido, a natureza jurídica do pronunciamento judicial final desta primeira fase e o recurso cabível dependerão da análise de cada caso concreto e da continuidade ou não do procedimento. De toda sorte, sendo conceituado como sentença (extintiva) ou interlocutória de mérito (com o prosseguimento do feito), há a necessidade de fixação de honorários advocatícios em favor do vencedor.
Vale repisar a pergunta principal do presente ensaio: em caso de procedência do pedido contido na primeira fase, já existem elementos materiais suficientes para comprovar o proveito econômico em favor do autor, com o objetivo de fixar a parcela de honorários entre 10 e 20% (art. 85, §2º, do CPC)? Após a condenação do réu a prestar contas ou não impugnar as que forem prestadas pelo autor (art. 550, §5º, do CPC), será inaugurada a segunda fase do processo de conhecimento, visando apontar o elemento quantitativo (saldo).
Portanto, o cumprimento de sentença, precedido ou não de liquidação do título, apenas ocorrerá se houver saldo apurado em favor de uma das partes nesta segunda fase, como deixa clara a redação do art. 552, do CPC.
Quanto ao tema em questão, existem precedentes divergentes entre a 3ª e 4ª Turmas do Superior Tribunal de Justiça, como se passa a apontar.
A 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça possui julgados recentes no sentido de que os honorários advocatícios quando julgado procedente o pedido contido nesta primeira fase, devem ser fixados nos parâmetros estabelecidos no art. 85, §2º, do CPC (AgInt no REsp 1.918.872/DF – Rel. Min. Luis Felipe Salomão - J em 29/3/22, DJe de 4/4/22; REsp 1.967.996/DF – Rel. Min. Antônio Carlos Ferreira – J. em 26.2.22 - DJe de 3/3/22).
Na decisão monocrática do REsp 1.967.996/DF, o Min. Antônio Carlos Ferreira assevera, e ao final conclui pela fixação dos honorários advocatícios pelo art. 85, §2º, do CPC (10% sobre o valor da causa), que:
“É indubitável que na primeira fase da ação de exigir contas há proveito econômico em favor daquele que teve reconhecido o direito a ver prestadas as contas – ou até mesmo em favor de quem se desincumbiu do dever de prestá-las, se for o caso. Ainda que não seja possível mensurá-lo desde logo, o proveito econômico não é irrisório, tampouco inestimável”.
Contudo, considerando o fracionamento do processo de conhecimento em duas fases, é importante enfrentar se já existem elementos materiais suficientes para identificar o proveito econômico estimável advindo desta condenação a prestar contas ou não impugnar as que o autor apresentar, a fundamentar a fixação dos honorários advocatícios pelo critério estabelecido no art. 85, §2º, do CPC.
Já a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça tem decisões consagrando a necessidade de fixação de honorários advocatícios por equidade em caso de procedência do pedido na primeira fase. A divergência entre os entendimentos das duas Turmas refere-se à existência ou não de proveito econômico estimável, a justificar a fixação dos honorários pelo §2º ou 8º, do art. 85, do CPC (pelo valor atualizado da causa ou por equidade).
No item 3 da Ementa do Acórdão proferido no AgInt no AgInt no REsp 1.878.411/DF – Rel. Marco Aurélio Bellizze, J. em 21/3/22, DJe de 24/3/22), a 3ª Turma consagrou que:
“3. Considerando a extensão do provimento judicial na primeira fase da prestação de contas, em que não há condenação, inexistindo, inclusive, qualquer correspondência com o valor da causa, o proveito econômico mostra-se de todo inestimável, a atrair a incidência do § 8º do art. 85 do Código de Processo Civil. Critério adotado pela Terceira Turma por ocasião do julgamento do REsp 1.874.603/DF”.
Em julgado de dezembro de 2022, a 3ª Turma novamente decidiu pela fixação dos honorários por equidade. Vale citar passagem do voto da Min. Nancy Andrighi no REsp 1.959.298/DF (J. em 06.12.2022, DJe de 09.12.2022):
“11. Nessa toada, quando, na primeira fase da ação de exigir contas, se reconhece a obrigação de o réu prestá-las, não se vislumbra a existência de “elementos materiais ou de ordem econômica, pelos quais se possa compor um valor monetário” que corresponda a um proveito econômico obtido pelo autor. Noutras palavras, não é possível atribuir, nesta fase, um valor patrimonial à pretensão pura e simples de exigir as contas do réu, dissociada da análise de adequação dos respectivos valores.
12. Só se haverá de falar em proveito econômico depois de iniciada a segunda fase da ação de exigir contas, momento em que, efetivamente, exsurgirá o benefício patrimonial em favor de uma das partes, que será a medida de seu preço ou de seu custo, como afirmado na doutrina”.
Entendo que este é o posicionamento que deve prevalecer, tendo em vista que, como já apontado, na primeira fase da ação o objeto litigioso refere-se ao direito ou não de exigir contas (e não há elementos materiais que possam indicar qual seria o proveito econômico em favor do vencedor), deixando para a segunda fase toda a discussão quanto aos valores, elementos probatórios e eventual existência de saldo em favor do autor ou mesmo do réu (art. 552, do CPC).
A rigor, o pronunciamento judicial que encerra a primeira fase (art. 550, §5º, do CPC) não tem caráter quantitativo de valor, tendo em vista que apenas determina uma conduta a ser realizada pelo réu. Apenas na fase seguinte, com a ampliação cognitiva do procedimento, será apreciado o benefício patrimonial para uma das partes (apuração do saldo), a ensejar inclusive a formação de título executivo judicial (art. 552, do CPC).
Logo, considerando o ambiente cognitivo desta primeira fase, não há como apontar qual será o proveito econômico real obtido pelo autor, pelo que a fixação da parcela de honorários advocatícios pelo critério excepcional da equidade nos parece a mais adequada.
Aliás, pode até ocorrer a seguinte hipótese: na segunda fase e com ambiente cognitivo maior, a sentença aponte que não há saldo em favor do autor, ou mesmo que este é em favor do réu, diante do caráter dúplice da ação. Também em razão deste fundamento, é razoável afirmar que a primeira fase da ação não possui apontamento pecuniário a ensejar a fixação de honorários pelo §2º, do art. 85, do CPC.
Enfim, há a necessidade de observar que a ação de exigir contas prevê o fracionamento do processo de conhecimento em duas fases, além do eventual cabimento da liquidação e do cumprimento de sentença (art. 552, do CPC), pelo é possível condenação em honorários também em etapas, sendo a primeira pelo §8º, do art. 85, do CPC, e a segunda pelo §2º, do art. 85, do CPC.
Estas são as minhas contribuições para o tema em questão.