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Equilíbrio contratual para fomentar a economia da floresta em pé

Contribuiremos para a consolidação de um ecossistema de negócios voltados ao fomento e proteção da floresta em pé com equilíbrio contratual e valorização das partes contratantes.

6/1/2023

Sabemos que falar de Amazônia é falar de muitas Amazônias. A região conhecida como Amazônia Legal engloba nove estados brasileiros, representa quase 60% do território nacional e contribui com 8% do PIB do país1. Em 2022, a taxa de desmatamento da região foi a maior dos últimos 15 anos. Entre agosto de 2021 a julho de 2022, foi desmatado o equivalente a sete vezes o tamanho da cidade de São Paulo2. Como contraponto a esse cenário preocupante, tem-se aumentado o interesse de investimentos em negócios de impacto socioambiental na região. Projetos de crédito de carbono, comercialização de produtos oriundos do extrativismo, investimentos em pesquisa, ciência, tecnologia e até aceleradoras de negócios de impacto  têm chamado a atenção.

Porém, apesar desse interesse, a replicação de “práticas da Faria Lima” não é uma opção para a promoção da sociobioeconomia amazônica. Pelo menos essa foi a fala de diversos palestrantes que participaram do II Festival de Investimento de Impacto e Negócios Sustentáveis da Amazônia (FIINSA), promovido pelo Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia, AMAZ Aceleradora de Impacto e Impact HUB Manaus. O evento aconteceu na capital do Amazonas entre os dias 29 e 30 de novembro de 2022. Reuniu cerca de 600 pessoas, entre empreendedores, investidores, organizações da sociedade civil, acadêmicos e especialistas com interesse em discutir soluções rentáveis e sustentáveis que mantenham a floresta em pé.

O escritório de advocacia Szazi, Bechara, Storto, Reicher e Figueiredo Lopes (SBSA Advogados), que é pioneiro em temas de terceiro setor, negócios de impacto e ESG, marcou presença no encontro. A sócia Aline Gonçalves Videira de Souza foi palestrante na mesa “Do Projeto ao Negócio de impacto: Como nasce um negócio? Os passos essenciais para a criação e estruturação de negócios de impacto” e a advogada Leila Izidoro acompanhou diversos painéis do evento. A banca de advogados que está há 20 anos no mercado é responsável por toda a modelagem jurídica da AMAZ - Aceleradora de Negócios de Impacto, que conta com um fundo financeiro de blended finance em sua composição.

Além disso, o escritório lidera o projeto “Contratos Justos na Amazônia”, que tem o objetivo de construir uma metodologia para celebração de contratos justos entre empresas e comunidades na Amazônia. Com o apoio de um Conselho Consultivo, o projeto está realizando estudos de casos, entrevistas e ampla revisão de literatura sobre o tema. Por meio de co-construção de propostas, nosso foco é apresentar em 2023 as diretrizes para celebração de contratos justos, com busca de mais equilíbrio e transparência das relações comerciais para o contexto amazônico.

Neste artigo, chamaremos a atenção para a necessidade da busca por equilíbrio contratual para fomentar a economia da floresta em pé, por meio de conexões com importantes reflexões que permearam o FIINSA.

A principal norma que rege os contratos privados no Brasil é o Código Civil. Ele já tratava em seu art. 421 sobre a função social do contrato. No entanto, com as alterações promovidas pela Lei de Liberdade Econômica (lei 13.874/19), foi criado o art. 421-A para prever que “os contratos civis e empresariais se presumem paritários e simétricos até a presença de elementos concretos que justifiquem o afastamento dessa presunção,  ressalvados os regimes jurídicos previstos em leis especiais (...)”.

Passamos então a ter uma presunção legal de que as partes que desejam contratar têm a mesma capacidade de negociação, tiveram acesso aos mesmos tipos de informação e têm um poder de barganha equivalente. Essa presunção pode ser afastada se houver a “presença de elementos concretos” para justificar um tratamento diferenciado, ou para os casos de regimes jurídicos previstos em leis especiais. São exemplos comuns os contratos de consumo e de trabalho, previstos em leis especiais que reconhecem situações de hipossuficiência. Ao mesmo tempo que essas leis declaram a assimetria, buscam equilibrar a desigualdade negocial com garantias adicionais de proteção dos direitos de quem está em situação desvantajosa na negociação.

Ocorre que, em geral, negócios comunitários na Amazônia estão em situação de desvantagem negocial com empresas e investidores interessados em seus produtos, saberes e serviços. Isso é explicado por razões históricas, econômicas e políticas. É preciso reconhecer que existem racionalidades econômicas e sociais por trás de cada contrato que são baseadas em visões e experiências de mundo muito diferentes. Em alguns casos, elas podem até ser conflitantes. De todo modo, há também espaço para pontos de contatos convergentes que permitem a mútua cooperação para satisfazer interesses comuns. Por isso, entendemos que o primeiro passo da busca por simetria e paridade é reconhecer as realidades distintas entre as partes.

No painel “Uma visão de futuro para a Amazônia e para o Brasil”, que aconteceu no primeiro dia do FIINSA, ouvimos a cacica Juma Xipaia e os investidores Fersen Lambranho e Denis Minev argumentando visões particulares sobre o que imaginam para o futuro da Amazônia. A visão dos investidores já foi muito bem captada no artigo “A nova economia amazônica”, de Sérgio Adeodato3 e aqui agregamos o que nos chamou atenção na fala da Cacica, presidente eleita da Associação Rede Terra do Meio localizada no município de Altamira no Pará. Ela defendeu um empreendedorismo condizente com a realidade comunitária dos povos da floresta, no qual a Amazônia e seus povos permaneçam de pé. “A gente tem interesse em aprender e em empreender, mas sem deixar de ser quem somos. Não precisamos abandonar nossas raízes e nosso território", disse Juma.

Com essa fala, extraímos a importância de que os limites negociais de cada parte sejam claros e que as eventuais assimetrias sejam devidamente reconhecidas no contrato. Isso é importante sobretudo em situações de desigualdade de acesso às informações e quando existem diferentes capacidades econômico-negociais.

Para situações em que a realidade se impõe para afastar a presunção de paridade, o art. 421-A que citamos prevê três garantias aos envolvidos em contratos com esse perfil. A primeira é que “as partes negociantes poderão estabelecer parâmetros objetivos para a interpretação das cláusulas negociais e de seus pressupostos de revisão ou de resolução” (art. 421-A, I). Ou seja, as partes contratantes poderão estabelecer regras próprias de interpretação a respeito das palavras e termos utilizados nele, com o intuito de evitar problemas na sua interpretação ou de uma eventual ambiguidade.4 Além disso, estabelecerão quais são os pressupostos para que algo seja revisado no contrato, bem como quando e de que forma, pode ser finalizado.

Um exemplo próximo a essa preocupação foi apresentado durante o FIINSA, por Tashka Yawanawa, liderança da Aldeia Mutum, no painel “Choque de realidade: tempos difíceis em meio a violência e alta do desmatamento”. Ele elencou boas práticas de parcerias comerciais com comunidades indígenas, contando a experiência da Associação Sociocultural Yawanawá e da Cooperativa Yawanawá, no Acre. Conforme relatou, o primeiro contrato da comunidade foi firmado com a empresa de cosméticos Aveda ainda na década de 1990, quando começou a ser negociada a venda de urucum. A partir de então, outros contratos foram celebrados não apenas para a venda de produtos, mas também para o licenciamento da marca Yawanawa em parcerias como FARM, Chili Beans e Instituto Alok.

O que nos chamou a atenção no seu relato é que as estratégias de fortalecimento econômico e cultural do povo yawanawa estão conectadas a um documento chamado de  plano de vida elaborado pela e para a comunidade5. Esse plano foi construído coletivamente ao longo de seis anos e contém reflexões e estratégias a serem adotadas para os próximos 50 anos para a proteção e fortalecimento do povo yawanawa, seus saberes, recursos e território. Provavelmente, um plano como esse pode ser um parâmetro objetivo que traz diretrizes para que uma relação comercial estabelecida caminhe junto com o fortalecimento daquele determinado povo, considerando suas formas específicas de governança.

A segunda garantia para situações de reconhecimento de assimetria contratual é a “a alocação de riscos definida pelas partes deve ser respeitada e observada” (art. 421-A, II). Já é sabido que os contratos são feitos para regulamentar uma operação econômica, o que, naturalmente, já o torna um instrumento que define e aloca riscos às partes que contratam. É da essência do contrato dividir os riscos sobre o objeto contratual entre quem contrata.6

Entendemos que é importante que a alocação de riscos seja definida a partir de um sincero reconhecimento da realidade de cada parte, ainda mais no contexto dos negócios que buscam manter a floresta em pé. De certa forma, esse tema foi tratado no painel “Negócios comunitários - Impacto e geração de renda local” do FIINSA, por meio da fala de Adevaldo Dias, representante da Associação dos Produtores Rurais de Carauari (ASPROC). Ele destacou dificuldades para estabelecer contratos que reconheçam a sazonalidade dos produtos e as limitações do extrativismo que depende daquilo que a natureza produz. Neste painel, foi unânime o entendimento entre os participantes de  que, na sociobioeconomia, com todas as questões logísticas da Amazônia, não cabe a visão de que os produtos devem estar na prateleira do mercado no dia seguinte ao da sua coleta.

Por fim, com relação à terceira proteção para os contratos assimétricos, o Código Civil prevê que “a revisão contratual somente ocorrerá de maneira excepcional e limitada” (art. 421-A, III). Trata-se de uma busca pela previsibilidade e estabilidade da relação contratual, que é importante que seja refletida nos contratos privados com os negócios da sociobiodiversidade na Amazônia. Esse tema esteve presente em diversas mesas ao longo do FIINSA, demonstrando a necessidade de relações mais duradouras e investimentos baseados em capital paciente para alguns tipos de negócio.

Entendemos que a alteração do Código Civil pela Lei da Liberdade Econômica trouxe uma necessidade relevante de se reconhecer aspectos negociais que afastem a presunção de simetria e paridade contratual. Mais do que isso, nos chama para o desafio de pensar formas de diminuir relações de assimetria e busca por mais equilíbrio entre as partes contratantes. Nosso trabalho no assessoramento a clientes e na condução do projeto “Contratos Justos na Amazônia” tem sido justamente buscar formas de aterrizar juridicamente as práticas que façam sentido para as diversas realidades das Amazônias. Dessa forma, contribuiremos para a consolidação de um ecossistema de negócios voltados ao fomento e proteção da floresta em pé com equilíbrio contratual e valorização das partes contratantes.

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IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Síntese de indicadores sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira. Rio de Janeiro, 2017.

Imazom. Boletim do Desmatamento (2022). Disponível em:

ADEONATO. Sérgio. "A nova economia amazônica". Página 22, 12 de dezembro de 2022. Disponível em: .

FRADERA, V. J. Art. 7º: Liberdade Contratual e Função Social do Contrato. In: MARQUES NETO, F. P. M., RODRIGUES JR., O. L., LEONARDO, R. X. (coord.). Comentários à Lei de Liberdade Econômica: Lei 13.874/19. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019, p. 305-307.

TAVARES, Roberto; HALLA, Marcio. Plano de Vida Yawanawa, Terra Indígena Rio Gregório, Acre. ASCY e Iniciativa Comunidades da Forest Trends, 2016. Disponível em: https://acervo.socioambiental.org/sites/default/files/documents/IAL00002.pdf.

FRADERA, V. J. Art. 7º: Liberdade Contratual e Função Social do Contrato. In: MARQUES NETO, F. P. M., RODRIGUES JR., O. L., LEONARDO, R. X. (coord.). Comentários à Lei de Liberdade Econômica: Lei 13.874/19. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019, p. 305.

Aline Gonçalves de Souza
Sócia de Szazi, Bechara, Storto, Reicher e Figueirêdo Lopes Advogados. Doutoranda em Administração Pública e Governo pela Fundação Getúlio Vargas.

Leila Izidoro
Advogada em SBSA Advogados. Mestre e Doutoranda em Direitos Humanos pela Universidade de São Paulo.

Luiz Bandini
Advogado em SBSA Advogados. Mestrando em Relações Internacionais pelo Instituto San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP e PUC-SP).

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