Nos termos em que é explicada tal estrutura, todas as instâncias da sociedade estariam, segundo Almeida, constituídas de aversão à população negra, de forma a deixá-la à margem de absolutamente tudo que pudesse proporcionar um estado de bem-estar mínimo. Na mesma consonância, as mesmas estruturas sociais estariam a serviço somente dos brancos, pelo simples fato de serem brancos e os outros serem negros.
E o direito e a justiça, não existem então?
Não é possível conceber tal teoria como se fosse um dado real, posto que o direito pátrio por meio da constituição federal e leis infraconstitucionais não permitem que essas estruturas assim o façam. Segundo Silvio Almeida, essas estruturas seriam ainda constituídas pelo comportamento social dos brancos, os quais estariam tão imersos numa aversão ao povo negro que agiriam de forma “automática” ao manifestar o racismo até os dias de hoje. Com isso, pretende o ilustre filósofo e jurista dizer que o racismo não seria fruto de ações individuais e autônomas, mas, seria fruto de uma organização social, política e até jurídica pra oprimir o povo negro.
Como teoria até achamos muito bem elaborada e até interessante, no entanto, não se pode impor como se fosse um fato científico como um dado da realidade, pois não é. Uma coisa é o racismo como fato, coisa que o direito vigente repudia com veemência e prontidão, outra coisa é elaborar uma teoria com base em diversas conjunturas hermenêuticas criadas e fundamentadas por outras teorias. Ao longo deste texto, procuraremos demonstrar o porquê o racismo estrutural é fruto de uma criação intelectiva e não de uma constatação da realidade.
Na forçosa e muito articulada tarefa de emplacar este conceito, o filósofo e jurista vai dizer que o racismo estrutural é construído por meio de três sustentáculos basilares, a saber: a economia, política e subjetividade, basicamente. Ao falar do papel empenhado pela economia, como instrumento de ataque ao povo negro, ele vai dizer que a forma pela qual a economia funcionaria normalmente, tributando no consumo e no salário, promoveria um tipo de opressão aos negros (somente aos negros), como se fossem os únicos a sofrerem com a carga tributária. Ao procurar distinguir sua explanação ainda sobre o papel desempenhado pela economia, por meio da tributação, ele somente faz uma observação, qual seja, colocar as mulheres negras como as mais afetadas, portanto, sempre colocando o povo negro como mais vulnerável ao abutre da tributação.
Isso é uma mera conjectura interpretativa sobre quem é mais afetado, o que nos leva a concluir que se trata de uma relação de consequência e não de manifestação de racismo intencional, como a teoria quer sempre demonstrar. O direito tributário é encarado pelo teórico marxista, Almeida, como se fosse um sistema que existe pra forçar os negros pra margem da sociedade, como se fossem os únicos a sentirem o peso dos impostos e demais tributações. Nessa conjectura, ele ignora que haja sofrimento de brancos pobres, pois tá sempre em busca de demonstrar que pessoas negras sofrem mais que os outros, pelo simples fato de que estes outros são brancos, pobres brancos e privilegiados pela pobreza branca…
O que o jurista e filósofo deixa a demonstrar, com sua hermenêutica peculiar, é que ele sempre tá girando em torno de argumentos que expliquem o sofrimento negro como pior que o sofrimento branco, como se fosse uma eterna competição pra ver quem sofre mais. Isso não tem nada a ver com o racismo, pois este é um fato da realidade, o que a militância de ideias extremadas procura demonstrar é que além do racismo real, ela (a militância extremista) tem se esforçado em emplacar teses e dar à luz a teorias que podem sempre piorar o cenário real.
Vamos investigar apenas um dos três sustentáculos da teoria do racismo estrutural apresentados pelo representante desta ideia, assim, entre economia, política e subjetividade, vamos nos ater aos argumentos e modelo de ação da economia dentro deste papel opressor. Com isso, iremos analisar as relações de trabalho pra entender como poderia acontecer a desvantagem de mulheres negras em detrimento de mulheres brancas, já que isso é apontado pelo teórico, Almeida, como fator que oprime mulheres negras e não ocorreria com brancas.
Ora, se as mulheres negras ganham menos que as mulheres brancas, o que é não só injusto, mas criminoso, isso demonstra que estes empregadores estão à margem da lei, não é algo que ocorre em todas as empresas privadas ou instituições públicas, mas apenas em uma parte delas. Isso nos leva a entender que não se trata de uma estrutura de opressão e sim de um comportamento discriminatório e racista de uma parcela dos empregadores. Interpretar de forma distinta seria propagar o mesmo pensamento preconceituoso e generalista que ocorre em relação às pessoas pretas e pardas vítimas do racismo que ele aponta.
Quando esta teoria traz esta visão generalista e acusatória sugerindo que todos os brancos são racistas e que todos os empregadores, intencionalmente, pagam menos às pessoas negras, criam um imaginário racista também. Convencer as pessoas negras de que todos os empregadores estão prejudicando-os pode fazer com que estas mesmas pessoas tenham problemas decorrentes desta informação distorcida da realidade. Se as pessoas acreditarem (e muitos acreditam mesmo) que poderiam estar ganhando mais e em postos de trabalho melhores, poderão fazer comentários, na expressão de sua revolta, que poderão ser ilícitos em relação aos seus empregadores.
O direito veda todo e qualquer manifesto de cunho preconceituoso ou ofensivo que tenha potencial de causar dano a outrem, seja quem for, inclusive em relação às pessoas jurídicas.
A CLT trouxe, com a reforma ocasionada pela lei 13.467 de 2017, inovação sobre a titularidade de direitos pelas pessoas jurídicas, no seu artigo 223, contidas no título II-A, que diz:
Art. 223-A. Aplicam-se à reparação de danos de natureza extrapatrimonial decorrentes da relação de trabalho apenas os dispositivos deste Título. (Incluído pela lei 13.467, de 2017)
Não vamos entrar no debate sobre a limitação forçada que o legislador tentou emplacar a respeito da aplicação de normas sobre responsabilização por danos morais, vamos nos ater à proteção dada pela reforma trabalhista aos empregadores. O dispositivo 223-A apenas introduz o assunto com a nova expressão “danos de natureza extrapatrimonial”, ainda não esclarecendo sobre quem teria tal proteção. Já no artigo 223-B, o texto já nos esclarece que:
Art. 223-B. Causa dano de natureza extrapatrimonial a ação ou omissão que ofenda a esfera moral ou existencial da pessoa física ou jurídica, as quais são as titulares exclusivas do direito à reparação. (Incluído pela Lei 13.467, de 2017)
O que a inovação legislativa nos diz com o texto do artigo acima mostrado é que não só as pessoas físicas, mas, as jurídicas (empresas) podem sofrer dano de natureza extrapatrimonial derivado de ação ou mesmo de omissão. Mas, não é só. Além dos empregadores passarem a ter regulamentação sobre proteção contra ação ou omissão, também passaram a ter especificadas suas esferas morais e existenciais como fatores protegidos.
Na mesma toada, ainda temos:
Art. 223-C. A honra, a imagem, a intimidade, a liberdade de ação, a autoestima, a sexualidade, a saúde, o lazer e a integridade física são os bens juridicamente tutelados inerentes à pessoa física. (Incluído pela lei 13.467, de 2017)
Art. 223-D. A imagem, a marca, o nome, o segredo empresarial e o sigilo da correspondência são bens juridicamente tutelados inerentes à pessoa jurídica. (Incluído pela lei 13.467, de 2017)
Art. 223-E. São responsáveis pelo dano extrapatrimonial todos os que tenham colaborado para a ofensa ao bem jurídico tutelado, na proporção da ação ou da omissão.
O que tais dispositivos celetistas têm a ver com a teoria de Silvio Almeida? Vamos ver a seguir.
Quando o teórico estruturalista inculca milhares ou centenas de milhares de pessoas sobre uma possível estrutura racista dos empregadores (de forma indiscriminada) em relação aos negros, pode contribuir pra que essas pessoas, achando que estão falando de um fato concreto da realidade, passem a fazer menções pejorativas e ilícitas aos seus empregadores ou a outras pessoas jurídicas, o que pode levá-los a serem responsabilizados nos termos dos artigos 223-A ao 223-E, como mostramos acima.
Um dos problemas do conceito de Almeida é que nem ele e nem seus admiradores fazem questão de distinguir os fatos, diferentemente disso, preferem sempre generalizar todos os empregadores como sendo racistas por supostamente pagarem menos às mulheres negras e mais às brancas, mesmo que nem todos façam isso. Existem critérios objetivos pra que haja diferença salarial, seja entre homens, seja entre mulheres ou entre uns e outros, independentemente de cor, sexo, religião, etc. Logo no começo da CLT pode-se notar no seu artigo 5°, o seguinte:
Art. 5º - A todo trabalho de igual valor corresponderá salário igual, sem distinção de sexo.
Aqui, já podemos ver que a tal estrutura racista notada por ele na legislação tributária não se nota na trabalhista da CLT, tendo em vista que desde a origem da legislação trabalhista celetista não se admitia tal expediente discriminatório. Mas isso nos remete a outra questão: Se a lei não permite discriminação salarial, por que isso existe? A resposta é a mais óbvia possível. A diferença salarial entre pessoas que realizam o mesmo trabalho de igual valor é uma iniciativa de pessoas ou empresas individualmente, os motivos desta distinção podem ser de várias ordens, inclusive racial.
Entretanto, ao se falar de racismo estrutural, seus entusiastas não fazem qualquer esforço pra distinguir ou explicar as nuances em torno dos atos discriminatórios salariais, uma vez que parece ser mais atrativo jogar tudo na conta do racismo estrutural e desconsiderar as responsabilidades pessoais de quem comete estes absurdos. A ideia de sistematizar o racismo pra fazê-lo parecer maior do que realmente é parece tomar o ego de seus defensores, fazendo-os manifestar justamente aquilo que dizem combater, qual seja, o preconceito racial. Assim, todos os empregadores são racistas estruturais na visão deles.
Vejamos ainda, como a legislação celetista procurou desde sua fundação trazer proteção às mulheres, mesmo que tenha surgido em meados do século XX, época em que o machismo e racismo eram extremamente fortes e muito mais toleráveis que hoje. Foi neste passo que os legisladores disciplinaram o Capítulo III, Seção I, da CLT, só pra tratar da proteção aos direitos femininos, como podemos ver a seguir:
Art. 372 - Os preceitos que regulam o trabalho masculino são aplicáveis ao trabalho feminino, naquilo em que não colidirem com a proteção especial instituída por este Capítulo.
Art. 373 - A duração normal de trabalho da mulher será de 8 (oito) horas diárias, exceto nos casos para os quais for fixada duração inferior.
O que se pode notar é que a proteção às mulheres vigora desde 1943, no mínimo, valendo esta proteção tanto pra mulheres brancas quanto pra negras ou pardas. A relação de causa e efeito em relação ao mercado de trabalho, como fator econômico estabelecido por Almeida, é puramente subjetivo e circunstancial, ao que ele procura dar roupagens racistas pra corroborar a sua ideia teórica. Tanto o é que ele não inclui nesta estrutura a legislação trabalhista que protege o trabalho da mulher, pois tais disposições não sopram em seu favor. Então, que estrutura é esta que ora oprime mulheres negras, ora protege?
Pra encerrarmos nossa análise sobre a proteção ao trabalho da mulher no âmbito das relações trabalhistas como fator econômico, vejamos os seguintes artigos da CLT:
Art. 461. Sendo idêntica a função, a todo trabalho de igual valor, prestado ao mesmo empregador, no mesmo estabelecimento empresarial, corresponderá igual salário, sem distinção de sexo, etnia, nacionalidade ou idade. (Redação dada pela lei 13.467, de 2017)
§ 1o Trabalho de igual valor, para os fins deste Capítulo, será o que for feito com igual produtividade e com a mesma perfeição técnica, entre pessoas cuja diferença de tempo de serviço para o mesmo empregador não seja superior a quatro anos e a diferença de tempo na função não seja superior a dois anos. (Redação dada pela lei 13.467, de 2017)
§ 2o Os dispositivos deste artigo não prevalecerão quando o empregador tiver pessoal organizado em quadro de carreira ou adotar, por meio de norma interna da empresa ou de negociação coletiva, plano de cargos e salários, dispensada qualquer forma de homologação ou registro em órgão público. (Redação dada pela lei 13.467, de 2017)
§ 3o No caso do § 2o deste artigo, as promoções poderão ser feitas por merecimento e por antiguidade, ou por apenas um destes critérios, dentro de cada categoria profissional. (Redação dada pela lei 13.467)
O que notamos é, do ponto de vista da estrutura jurídica, as mulheres negras ou não negras têm especial proteção da lei e da justiça, estabelecendo critérios objetivos e claros pra que haja diferenciação salarial, como os artigos acima lecionam com notória didática. Apenas no caso do parágrafo 3°, que faz menção ao parágrafo 2°, é que há possibilidade de diferenciação por critério subjetivo, ao autorizar merecimento.
Por isso, a teoria do racismo estrutural, embora seja muito inteligente e bem construída, não se revela como marcador de aferição da realidade, posto que em certos casos trabalha com uma relação de causa e efeito que não demonstra qualquer estrutura real, mas, somente uma conjuntura interpretativa consequencial, como se mostra a explicação sobre tributação das mulheres negras, por exemplo.
Por fim, deixamos claro nosso respeito tanto ao jurista e filósofo, Silvio Almeida, quanto aos que creem nesta teoria, porém, não nos parece que seja possível que ela exista nos termos em que é exposta de modo geral. O que ocorre, a nosso ver, é muito mais cultural o afastamento das pessoas pretas de certos meios e segmentos (mesmo que seja uma cultura racista) que estrutural. Isso porque ao longo do tempo, após a abolição da escravatura, as pessoas negras passaram a ser mal vistas socialmente, como as pessoas desde sempre se pautam pela necessidade de aceitação entre os membros de seu grupo, propagaram sistematicamente a discriminação dessas pessoas, o que não é a mesma coisa que racismo estrutural, pois este se mostra muito mais amplo na sua explicação.
Finalmente, fechando nossa brevíssima análise sobre o fator econômico decorrente das relações trabalhistas e proteção ao trabalho da mulher, pudemos entender (mesmo que de forma muito superficial) que a estrutura econômica ou jurídica não tem o povo negro como alvo, assim como a teoria de Almeida tenta convencer. A diferenciação salarial discriminatória é uma prática ilegal e pontual e não uma estrutura que tem como objetivo causar dano ao povo negro.