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Cartões multibenefícios: Solução ou risco trabalhista?

Toda a remuneração recebida pelo empregado deve ser considerada para fins de recolhimento de contribuição previdenciária.

5/1/2023

Atualmente vem crescendo a oferta de cartões multibenefícios pelos empregadores aos seus colaboradores, que unificam em um só cartão diversos tipos de benefícios como alimentação, mobilidade, saúde, cursos, shows, academias e livrarias, por exemplo, dando aos beneficiários a opção de   usar os bens e serviços que melhor atendam suas necessidades.

Esses cartões funcionam no débito ou crédito e apresentam como maior atrativo justamente a flexibilidade de utilização pelo empregado, além de não ter custo de emissão e taxas administrativas para o empregador.

São muitas as organizações que já aderiram a essa ferramenta, que se apresenta como um atrativo para contratação e retenção de empregados. Contudo, a utilização indiscriminada do cartão multibenefícios também apresenta riscos trabalhistas relacionados à incidência de tributos e encargos trabalhistas sobre os valores creditados aos empregados.

O cartão multibenefícios oferece aos colaboradores diversos tipos verbas que, por sua natureza jurídica, são consideradas salário sem, contudo, somar tais valores para composição da base de cálculo das contribuições previdenciárias, do imposto de renda e do FGTS.

Nos termos do art. 457 da CLT – Consolidação das Leis do Trabalho, compreendem-se na remuneração do empregado, para todos os efeitos legais, além do salário devido e pago diretamente pelo empregador como contraprestação do serviço, as gorjetas que receber.

Quanto à abrangência do salário, de acordo com Mauro Schiavi, “o salário é conjunto de parcelas contraprestativas e habituais pagas, diretamente, pelo empregador, ao empregado, em razão da prestação pessoal de serviços”[1]. Ou seja, salário é todo valor pago pelo empregador ao empregado como retribuição ou contraprestação ao serviço prestado de forma habitual, nos termos do contrato de trabalho. Dessa forma, entende-se que os benefícios pagos aos empregados via cartão de multibenefícios compõem o salário.

As verbas com natureza jurídica de salário estão sujeitas à incidência de tributos, sendo que a tributação sobre o trabalho se dá por intermédio do imposto de renda e da contribuição para a previdência social, incidente sobre a folha de pagamento.

O art. 28 da lei 8.212/91, que dispõe sobre a organização da Seguridade Social, define da seguinte forma o salário de contribuição, para fins de incidência de contribuição previdenciária:

“Art. 28. Entende-se por salário-de-contribuição:

I - para o empregado e trabalhador avulso: a remuneração auferida em uma ou mais empresas, assim entendida a totalidade dos rendimentos pagos, devidos ou creditados a qualquer título, durante o mês, destinados a retribuir o trabalho, qualquer que seja a sua forma, inclusive as gorjetas, os ganhos habituais sob a forma de utilidades e os adiantamentos decorrentes de reajuste salarial, quer pelos serviços efetivamente prestados, quer pelo tempo à disposição do empregador ou tomador de serviços nos termos da lei ou do contrato ou, ainda, de convenção ou acordo coletivo de trabalho ou sentença normativa;”

Significa dizer que toda a remuneração auferida habitualmente pelo empregador, seja em dinheiro ou utilidades (salário in natura), integra a base de cálculo do salário contribuição para fins de recolhimento da contribuição previdenciária, tanto da cota parte do empregado quanto do empregador.

Ainda, o art. 2º da lei 7.713/88, que altera a legislação do imposto de renda, determina que os rendimentos e ganhos de capital percebidos a partir de 1º de janeiro de 1989, por pessoas físicas residentes ou domiciliados no Brasil, serão tributados pelo imposto de renda na forma da legislação vigente. A mesma lei, em seu art. 7º, determina que o trabalho assalariado está sujeito a incidência de imposto de renda:

“Art. 7º Ficam sujeito à incidência do imposto de renda na fonte, calculado de acordo com o disposto no art. 25 desta lei:       

 I - os rendimentos do trabalho assalariado, pagos ou creditados por pessoas físicas ou jurídicas”;    

Quantos aos encargos trabalhistas, citamos a legislação do FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço), a lei 8.036/90, que determina o depósito de 8% da remuneração nas contas vinculadas de titularidade dos trabalhadores:

“Art. 15. Para os fins previstos nesta lei, todos os empregadores ficam obrigados a depositar, até o vigésimo dia de cada mês, em conta vinculada, a importância correspondente a 8% (oito por cento) da remuneração paga ou devida, no mês anterior, a cada trabalhador, incluídas na remuneração as parcelas de que tratam os arts. 457 e 458 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo decreto-lei 5.452, de 1º de maio de 1943, e a Gratificação de Natal de que trata a lei 4.090, de 13 de julho de 1962”.     

Assim sendo, pela regra geral, toda a remuneração recebida pelo empregado deve ser considerada para fins de recolhimento de contribuição previdenciária, imposto de renda e para depósito de FGTS. Quaisquer exceções a essa regra devem estar também previstas em lei, em atos normativos do Governo Federal ou em acordos e convenções coletivas de trabalho que, nos termos do art. 611 da CLT, estipulam condições de trabalho aplicáveis no âmbito das respectivas representações.

De fato, encontramos na lei 8.212/91 (art. 28, § 9º) a previsão de parcelas que não integram o salário de contribuição, como, por exemplo, parcelas "in natura" recebida de acordo com os programas de alimentação aprovados pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social. O art. 6º da lei 7.713/88 também traz hipóteses de isenção do imposto de renda de determinados rendimentos percebidos por pessoas físicas como indenizações por acidente de trabalho, indenização e o aviso prévio pagos por despedida ou rescisão de contrato de trabalho, dentre outros.

A própria CLT, no § 2º do art. 457, também traz a previsão de verbas salariais que não constituem base cálculo para incidência de contribuição previdenciária e encargos trabalhistas: 

“Art. 457 (...)

§ 2º As importâncias, ainda que habituais, pagas a título de ajuda de custo, auxílio-alimentação, vedado seu pagamento em dinheiro, diárias para viagem, prêmios e abonos não integram a remuneração do empregado, não se incorporam ao contrato de trabalho e não constituem base de incidência de qualquer encargo trabalhista e previdenciário”.

Retornando ao objeto deste artigo, os cartões multibenefícios, o que se tem constatado na prática trabalhista é a utilização desta ferramenta para pagamento aos empregados de verbas que têm natureza jurídica de salário, mas sem a devida integração de tais valores à remuneração para fins de incidência de tributos e encargos trabalhistas, como previsto em Lei.

Valores destinados, por exemplo, à mobilidade (exceto vale transporte), cursos, shows, academias e livrarias, pagos com habitualidade, têm natureza salarial e, portanto, devem ser integrados à remuneração dos empregados, caso não exista previsão legal ou normativa que dê natureza jurídica indenizatória a tais verbas.

Os cartões multibenefícios também vêm sendo utilizados pelas organizações para pagamento de premiações em dinheiro. Os prêmios, sejam decorrentes de mera liberalidade do empregador ou baseados em desempenho organizacional e/ou pessoal, muito embora não integrem a remuneração do empregado e não constituam base de incidência de qualquer encargo trabalhista e previdenciário (art. 457, § 2º, CLT), estão sujeitos ao recolhimento do imposto de renda devido pelo empregado, como podemos observar de recente decisão proferida pelo Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo:

“Os prêmios pagos aos empregados, por mera liberalidade, em razão de desempenho superior ao esperado no exercício de suas funções, são considerados gratificações e, portanto, passíveis de incidência do imposto de renda”.

(TRT da 2ª Região; Processo: 1000674-64.2020.5.02.0717; Data: 05-08-2021; Órgão Julgador: 17ª Turma - Cadeira 2 - 17ª Turma; Relator(a): MARIA DE LOURDES ANTONIO)

Mais comum ainda é a utilização dos cartões multibenefícios para pagamento de vale alimentação e vale refeição. Tais verbas também não constituem base de incidência de qualquer encargo trabalhista e previdenciário nos termos do art. 457, § 2º, CLT, sendo comum as convenções coletivas de trabalho darem natureza indenizatória a estas verbas, afastando também a incidência de imposto de renda.

Contudo, é imprescindível destacar que é vedado o pagamento de tais verbas em dinheiro. Ou seja, os valores destinados à alimentação não podem ser sacados pelos empregados ou utilizados para outras finalidades, facilidade comumente oferecida pelos cartões multibenefícios.

A questão foi recentemente normatizada pela Medida Provisória 1.108/22, convertida na lei 14.442/22 em 02 de setembro de 2022, que veda expressamente a utilização dos valores disponibilizados à título de alimentação (seja na forma de vale refeição ou vale alimentação) para quaisquer outras finalidades, sob pena de aplicação de penalidades:

“Art. 4º A execução inadequada, o desvio ou o desvirtuamento das finalidades do auxílio-alimentação de que trata o § 2º do art. 457 da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, pelos empregadores ou pelas empresas emissoras de instrumentos de pagamento de auxílio-alimentação, sem prejuízo da aplicação de outras penalidades cabíveis pelos órgãos competentes, acarretara a aplicação de multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), a qual será aplicada em dobro em caso de reincidência ou de embaraço à fiscalização”.

Logo, se o empregador optar por pagar vale alimentação ou vale refeição por meio do cartão multibenefício, deve restringir o seu alcance a esta única finalidade, pois, ao excluir a multiplicidade de bens e serviços do cartão, ele impede o desvirtuamento do benefício.

O que se pretende destacar é que os cartões multibeneficios constituem uma ferramenta de gestão para facilitar o fornecimento de benefícios e o pagamento de outras formas de remuneração aos empregados. É, portanto, um facilitador para a organização, do ponto de vista operacional.

Entretanto, a utilização de um cartão que possibilita a unificação de benefícios e remuneração não altera a natureza jurídica das verbas que serão creditadas ao empregado. O empregador deve estar atento à obrigatoriedade de recolhimento das contribuições previdenciárias e fiscais e dos encargos trabalhistas incidentes sobre as verbas de natureza salarial, além de contratar serviços que impeçam o desvio de finalidade na utilização de auxílios para alimentação.

A utilização indiscriminada do cartão multibenefícios sem a observação desses cuidados essenciais pode configurar fraude à legislação tributária e trabalhista, sujeitando o empregador a ações trabalhistas e à lavratura de autos de infração pela Receita Federal.

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1 SCHIAVI, Mauro. Consolidação das Leis do Trabalho Comentada – São Paulo: Editora JusPodvim, 2021, pg. 443.

Camila Gbur Haluch
Advogada no escritório Szazi, Bechara, Storto, Reicher e Figueirêdo Lopes Advogados. Especialista em Direito do Trabalho, com experiência em litígios trabalhistas e civis e assessoramento de empresas e organizações da sociedade civil em temas trabalhistas.

Érika Bechara
Sócia de Szazi, Bechara, Storto, Reicher e Figueirêdo Lopes Advogados (SBSA Advogados) e Professora Doutora em Direito Ambiental pela PUC/SP.

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