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Retrospectiva 2022: balanço da defesa da concorrência nos 10 anos da Lei n.º 12.529/2011

Diante desse cenário e dos desafios para o ano seguinte, rememoramos alguns dos principais casos e discussões analisados pelo CADE ao longo dos últimos meses, sobretudo em três eixos: análises de atos de concentração, condutas colusivas e unilaterais, e advocacia da concorrência

29/12/2022

O ano de 2022 foi caracterizado por comemorações históricas e acontecimentos importantes para o direito da concorrência no Brasil. Em meio à celebração dos dez anos de vigência da Lei Antitruste (Lei n.º 12.529/2011), ocorreram alterações legislativas significativas, nomeações relevantes para o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), além da análise de um volume expressivo de casos, marcados por sinais de recuperação econômica pós-pandemia.

No primeiro semestre, foram aprovadas as nomeações de Alexandre Barreto para o cargo de Superintendente-Geral, Juliana Oliveira Domingues para Procuradora-Chefe do CADE, bem como de Gustavo Augusto Freitas de Lima e Victor Fernandes para Conselheiros do Tribunal, completando os cargos vacantes no Plenário.

Ainda, celebramos importantes marcos: os dez anos de vigência da Lei Antitruste, os 60 anos de criação do CADE, e os 30 anos de existência do Instituto Brasileiro de Estudos de Concorrência (IBRAC).

No cenário internacional, o CADE projetou-se ainda mais como instituição de excelência com a recente nomeação do seu presidente, Alexandre Cordeiro Macedo, ao Comitê de Concorrência da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)1. A presença de Alexandre Cordeiro, primeiro brasileiro a ocupar o cargo na Organização como membro da diretoria-executiva do Comitê de Concorrência, fortalecerá a relação do Brasil com os demais países-membros, além de gerar benefícios para a cooperação internacional e o fortalecimento da política de defesa da concorrência brasileira. Vale lembrar que o CADE é membro-associado da OCDE desde 2019. Contudo, a atual nomeação, que traz para o órgão o direito a voto, insere efetivamente o país no processo de elaboração de políticas públicas em matéria antitruste ao redor do mundo, e possibilita maior influência nas decisões do Comitê de Concorrência da OCDE.

Alterações legislativas significativas também ocorreram em 2022, em especial, a aprovação da Lei n.º 14.470/2022, que alterou a Lei n.º 12.529/2011 para remover entraves e incentivar o ajuizamento de Ações Reparatórias por Danos Concorrenciais (ARDCs), trazendo, como consequência, a reestruturação do sistema de persecução privada concorrencial no país. O CADE, por sua vez, reorganizou algumas de suas principais resoluções, que receberam novos números. Dentre elas, a Resolução n.º 33/2022, que consolidou em uma só as Resoluções n.º 02/2012, 09/2014 e 16/2016, para regulamentar a notificação de Atos de Concentração.

Ainda, foi publicada a Portaria Normativa n.° 21/2022, que disciplinou e tornou mais ágil a comunicação do CADE ao Ministério Público a respeito de Notas Técnicas que contenham sugestão de condenação de agentes econômicos pela prática de cartel. Por conta de tal Portaria, não será mais necessário aguardar a decisão do Tribunal do CADE para que haja tal comunicação.

Com relação à atuação do CADE, em 2022 foram analisados 766 processos2, dentre os quais 655 Atos de Concentração, aprovados, em sua maioria, sem restrições3. Os dados demonstram que a Autarquia alcançou número recorde em fusões e aquisições e manteve os altos níveis de desempenho quanto à análise de condutas anticompetitivas e casos sob a perspectiva da advocacia da concorrência. Já com relação ao controle de condutas, o aumento substancial de celebrações de Termos de Compromisso de Cessação (TCCs) deve ser destacado, conforme será detalhado adiante.

Diante desse cenário e dos desafios para o ano seguinte, rememoramos alguns dos principais casos e discussões analisados pelo CADE ao longo dos últimos meses, sobretudo em três eixos: análises de atos de concentração, condutas colusivas e unilaterais, e advocacia da concorrência.

I – Análise de Atos de Concentração

A primeira Sessão Ordinária de Julgamento do ano (190ª SOJ) iniciou-se com a aprovação da venda da Oi Móvel4 para o grupo de concorrentes formado por Tim, Claro e Telefônica (dona da marca Vivo), mediante a celebração de Acordo em Controle de Concentrações (ACC), com o fim de mitigar potenciais riscos à concorrência no setor de telecomunicações. No intuito de preservar as condições de concorrência nos mercados afetados pela operação, dentre os remédios negociados, destaca-se a obrigação de desinvestimento, por parte da Tim, Claro e Telefônica Brasil, de forma independente e por meio de oferta pública, de cerca de metade das estações de rádio base (EBRs) adquiridas da Oi no contexto da Operação.

Já na 197ª SOJ, em 25 de maio de 2022, o CADE aprovou, mediante restrições impostas pelo cumprimento do ACC, a aquisição do Grupo Big Brasil pelo Carrefour (Atacadão S.A.)5, em uma concentração de gigantes do varejo. O ACC foi composto por compromissos de desinvestimentos de unidades de autosserviços, além de obrigações comportamentais, de forma a minimizar o impacto concorrencial em alguns municípios.

Ainda, em junho de 2022, na 198ª SOJ, o CADE aprovou, mediante restrições impostas por meio de ACC, a parceria firmada para o exercício, pela Bunge, de opção de exclusividade prevista em contrato de fornecimento de produtos com o Grupo CP, composto pela Cervejaria Petrópolis S.A. e Cervejaria Petrópolis do Centro Oeste Ltda. Após complexa análise, que incluiu a preocupação com o reforço de integrações verticais entre os mercados de atuação das Requerentes, a autarquia concluiu pela suficiência da rivalidade nos setores de originação de soja e venda de produtos obtidos a partir do processamento da soja.6

Já com relação ao comércio varejista de drogas, medicamentos e produtos de saúde, higiene e beleza, também em junho de 2022, na 199ª SOJ, o CADE aprovou, mediante restrições impostas pelo cumprimento do ACC, a compra da Extrafarma, do Grupo Ultrapar, pela Pague Menos7. O ACC previu um pacote de desinvestimento de unidades, tendo sido elaborado sob a forma fix-it-first, i.e., com a condição de que o comprador de tal pacote de desinvestimento fosse definido antes da aprovação da Operação.

Na última SOJ do ano, a 207ª, foi aprovada a incorporação da Sul América pela Rede D'Or8. O caso, mais um exemplo dos movimentos concentracionistas no setor de saúde no país, tratou da combinação dos negócios das duas importantes empresas de rede hospitalar e de planos de saúde. A operação foi aprovada sem restrições, embora a decisão não tenha sido unânime no Plenário. Dentre os pontos discutidos, destacaram-se a posição da Qualicorp pós-Operação, bem como a possibilidade de troca de informações sensíveis decorrentes da integração vertical da Sul América e Rede D'Or. 

II – Atuação Repressiva: Processos Administrativos, TCCs e Medidas Preventivas

Com relação a condutas, dois destaques merecem ser mencionados. O primeiro diz respeito à criação de uma coordenação específica e exclusiva para analisar processos relacionados a condutas unilaterais. Tal medida atendeu à recomendação feita pela OCDE, visando a fortalecer a atuação do CADE na condução de investigações de abusos de posição dominante. O segundo destaque, por sua vez, vai para o número de TCCs, que quase quadruplicou, passando de 9 em 2021 para 35 em 2022. O total de contribuições pecuniárias originadas de TCC passou a marca de R$ 636 milhões, enquanto em 2021 foi inferior a R$ 60 milhões9.

Dentre os casos que mais tiveram destaque no número de TCCs negociados, menciona-se o acordo no âmbito do Inquérito Administrativo (IA) envolvendo a Gympass10. O Inquérito, que demonstra o esforço ativo da Autarquia na persecução de práticas unilaterais, apurava suposto abuso de posição dominante no setor de plataformas digitais agregadoras de academias de ginástica no Brasil cometido pela Gympass, por meio da imposição de cláusulas de exclusividade a academias integrantes de sua plataforma e cláusulas do tipo Most Favoured Nation, que permitiriam à Representada controlar o preço mínimo praticado pelas plataformas cadastradas.

Ainda com relação à celebração de TCCs, no Processo Administrativo (PA) que apura práticas anticompetitivas no mercado de trabalho da indústria de healthcare11, foram celebrados seis TCCs, nos quais foram incluídas seis empresas e 35 pessoas físicas representadas. O caso foi o primeiro do tipo no Brasil, que considerou como mercado afetado o de provimento de mão de obra para a indústria de produtos, equipamentos e serviços correlatos para cuidados com a saúde na região metropolitana da cidade de São Paulo. A conduta, de troca sistemática de informação comercial e concorrencialmente sensível e fixação de preços e condições comerciais entre departamentos de recursos humanos, começou a ser investigada pelo CADE em 2019, a partir de celebração de Acordo de Leniência.

Outros dois casos que atraíram atenção da comunidade antitruste foram: (i) o PA em que o CADE multou a Oi, Claro e Vivo em R$782 milhões por formarem consórcio com efeitos deletérios à concorrência para participação em licitação promovida pelos Correios em 2015 para contratação de serviços de telefonia12; e (ii) o PA em que a Gran Petro acusou as distribuidoras BR Distribuidora, Raízen e Air BP, bem como a GRU Airport, administradora do Aeroporto de Guarulhos/SP, de impedirem sua atuação em tal aeroporto13. O caso terminou com a condenação por maioria dos Representados por imposição de barreiras artificiais à entrada e criação de dificuldades ao acesso à infraestrutura essencial, com aplicação de multa superior a R$ 140 milhões.

Por último, destaca-se o Inquérito Administrativo14 que investiga possível abuso de posição dominante por parte da Ambev por meio de contratos de exclusividade nos canais frios (i.e., pontos de venda de cerveja gelada, para consumo imediato). Após discussão em Recurso Voluntário15 por parte da Ambev, o CADE impôs Medida Preventiva para impedir que fossem renovados ou assinados novos contratos de exclusividade pela Ambev e Heineken, duas maiores cervejarias do país, relativos a vendas de cerveja em bares, restaurantes e casas noturnas, em determinadas regiões em que detinham substanciais participações de mercado, até o final das investigações.

III - Advocacy e demais iniciativas

Neste ano, o Departamento de Estudos Econômicos (DEE) publicou quatro Cadernos do CADE16. O primeiro, publicado em janeiro, tratou de Atos de Concentração nos mercados de planos de saúde, hospitais e medicina diagnóstica, e atualizou o 6º Caderno, que tratava de atos de concentração nos mercados da cadeia produtiva da saúde suplementar. 

Em abril, o CADE publicou caderno sobre a Indústria Siderúrgica, e em sequência foram publicados cadernos sobre os Mercados de Distribuição e Varejo de Combustíveis Líquidos e Mineração.

Destaca-se ainda o “Projeto CADE/OCDE para Avaliação Concorrencial dos Setores Portuário e de Aviação Civil no Brasil”17, que teve seu relatório final lançado no “Latin American and Caribbean Competition Forum”, organizado em setembro pelo CADE em conjunto com a OCDE, no Rio de Janeiro.

O relatório final18 fornece uma análise das barreiras regulatórias à concorrência no Brasil, especificamente nos setores de portos e de aviação civil, e faz recomendações às autoridades brasileiras para mitigar os danos à concorrência e promover um crescimento duradouro.

Com relação exclusivamente ao setor portuário, o DEE desenvolveu um estudo setorial ao longo de 2022, especificamente sobre a cobrança do valor referido como Serviço de Segregação e Entrega (SSE)19, que culminou com a publicação da Nota Técnica n.º 17/2022/DEE/CADE, em que o DEE argumentou pela impossibilidade de consideração da cobrança de SSE como ilícito, pela existência de justificativas lícitas.

Ainda, cabe mencionar os esforços do CADE na criação de Grupos de Trabalho (GTs) para aprofundamentos de temas relevantes, como aquele responsável pela análise de Atos de Concentração Verticais20. Os trabalhos relacionados ao tema estão sendo realizados em parceria com o IBRAC, e resultados preliminares devem ser divulgados em breve.

IV - Desafios para 2023

Quatro Conselheiros deixarão a autarquia em 2023: Lenisa Prado, Luis Braido, Sérgio Ravagnani e Luiz Hoffmann. Tal renovação, que ocorrerá a partir de outubro, com certeza influenciará significativamente os debates e as decisões da SG e do Tribunal.

Nesse contexto de término de mandatos, destaca-se para o próximo ano a continuidade da discussão do Projeto de Lei n.º 4323/2019 no Congresso Nacional, que dentre as alterações propostas para a Lei n.º 12.529/2011 sugere a redução de sete para cinco o número de Conselheiros do CADE.  

Quanto aos Atos de Concentração, a expectativa é que a Autarquia enfrente um número aquecido de Operações, que dependerá do ambiente de investimentos após a transição governamental. O CADE também deve continuar o seu aprimoramento cada vez maior na análise de condutas unilaterais, além da sua constante evolução de atividades de advocacy. 

Dentre todos estes desafios, esperamos que a renovação do órgão traga novas e boas perspectivas para a Autarquia, com a manutenção do excelente trabalho que vem sendo desenvolvido.

_______

1Clique aqui
2Números disponíveis por meio da ferramenta “CADE em números”: clique aqui
3Do total de Atos de Concentração analisados, 617 (seiscentos e dezessete) foram aprovados sem restrição. 
4Ato de Concentração nº 08700.000726/2021-08.
5Ato de Concentração nº 08700.003654/2021-42.
6Ato de Concentração nº 08700.007309/2021-88.
7Ato de Concentração nº 08700.005053/2021-74.
8Ato de Concentração nº 08700.003959/2022-35
9Disponível em: clique aqui
10IA n.º 08700.004136/2020-65.
11PA n.º 08700.004548/2019-61.
12PA n.º 08700.011835/2015-02.
13PA n.º 08700.001831/2014-27.
14IA n.º 08700.001992/2022-21.
15RV n.º 08700.007547/2022-74.
16Todos disponíveis em: clique aqui
17Convite nº 08700.001496/2021-96 e do Institucional - Projeto nº 08700.005872/2020-31.
18Disponível em clique aqui
19Estudo de Mercado n.º 08700.003929/2019-23.
20Vide: clique aqui.

Bruno Droghetti Magalhães Santos
Sócio do escritório Figueiredo & Velloso Advogados Associados, responsável pela área de Direito Concorrencial. Mestre (LL.M) pela University of California - Berkeley e pós-graduado em Direito Econômico pela FGV.

Izabella de Menezes Passos Barbosa
Associada da área de Direito Concorrencial do escritório Figueiredo & Velloso Advogados Associados. Mestre em Direito pela Un).

Vitor Fuks
Associado da área de Direito Concorrencial do escritório Figueiredo & Velloso Advogados Associados. Bacharel em Direito pela USP.

Breno Urbano Cardoso
Colaborador da área de Direito Concorrencial do escritório Figueiredo & Velloso Advogados Associados. Economista pela PUC-SP e graduando em Direito pela mesma instituição.

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