O Supremo Tribunal Federal, nesta data, 19/12/22, declarou inconstitucional o chamado “orçamento secreto”.
A relatora da ADPF 854/DF proposta pelo PSOL, Min. Rosa Weber, há mais de um ano havia liminarmente declarado a inconstitucionalidade desse mecanismo de execução orçamentária e financeira - as chamadas “emendas do relator” e identificadas pela sigla RP9. Alguns dias após, ainda em novembro de 2021, decisão de Weber foi referendada pelo Pleno do STF. Meses depois, um parecer do TCU também apontou, em detalhes, a inconstitucionalidade da execução orçamentária encetada pela tal RP9.
Ocorre que “até as pedras sabem” - diria alguém - que a decisão de Rosa veio sendo descumprida ao longo de mais de um ano, através de manobras eufêmicas congressuais, na verdade, dribles grosseiros e escancarados. É o que se viu farta, pública e notoriamente divulgados, com seletivo constrangimento, nos meios de comunicação corporativa ao longo do último ano.
Até que, agora, enfim, veio a ser julgado o mérito da ADPF.
E eis que o STF reafirmou, por maioria, a inconstitucionalidade desse expediente, reputando-o espúrio, distorcido e inadequado (até mesmo pelos ministros que superaram a arguição e propugnaram pela necessidade de ajustes vigorosos).
Além de violações específicas, a gambiarra secreta (RP9) traz(ia) gritante violação à principiologia constitucional, toda ela assentada na publicidade, transparência, auditabilidade plena dos atos emanados pelos órgãos e agentes públicos. Em claro viés antidemocrático e antirrepublicano, caríssimos valores e princípios constitucionais vinham sendo solenemente desprezados pela RP9. Por todos, vale invocar a fronte do artigo 37 da Constituição da República de 1988: “...qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”.
E agora?
A suprema decisão, no caso, declara definitivamente – decisão de mérito de quem detém a última palavra – a inconstitucionalidade desse expediente secreto (corporificado na Resolução do Congresso Nacional 2/21).
Em consequência da inconstitucionalidade detectada, o voto condutor estabelece: caberá aos Ministros de Estado titulares das pastas beneficiadas com recursos consignados sob a rubrica RP 9 orientarem a execução desses montantes em conformidade com os programas e projetos existentes nas respectivas áreas, afastado o caráter vinculante das indicações formuladas pelo relator-geral do orçamento, nos moldes do art. 2º, § 1º, do decreto 10.888/21.
Além disso, nos termos do voto vencedor de Rosa Weber foi estipulado o prazo de 90 dias aos órgãos e unidades que lançaram mão do expediente orçamentário RP 9, nos exercícios financeiros de 2020 a 2022, para que façam a “publicação dos dados referentes aos serviços, obras e compras realizadas com tais verbas públicas, assim como a identificação dos respectivos solicitadores e beneficiários, de modo acessível, claro e fidedigno”.
Observe-se que a própria decisão do STF já traça algumas diretrizes corretivas quanto às ilegalidades detectadas, o que parece dispensar maiores modulações.
Isso significa dizer que, a partir da natureza declaratória da decisão, tem-se, a princípio, efeito retroativo (“ex tunc”).
Ou seja: tudo o que foi feito sob a égide dessa inconstitucional gambiarra secreta seria passível de questionamento, nulificações e - é claro! - responsabilizações.
Não se enfoque, aqui, apenas, acerca de uma formal e singela petição de Reclamação em face da liminar descumprida. Muito além disso, é esperado da Procuradoria-Geral da República e de todos os entes legitimados, inclusive eventuais autores de ações populares, que questionem judicialmente e promovam as responsabilizações cabidas em face daqueles que patrocinaram o mecanismo espúrio e que dele se locupletaram.
Decisões judiciais, além de respeitadas, têm de ser efetivas. Erros devem ser cobrados; do contrário, serão esquecidos e repetidos. A Justiça muitas vezes tarda, eventualmente falha, mas nunca “delira”.