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Inovação no Judiciário e o papel do advogado enquanto propulsor de mudanças

Por meio da introdução da inovação disruptiva, da gestão dos dados e da transferência de inteligência entre os órgãos estaduais, já foram implementadas plataformas de leitura e integração de dados, a exemplo do Sinapses e do Sniper, este que busca resolver o desafio da satisfação da execução.

19/12/2022

Por força constitucional, o advogado tem papel indispensável à administração da Justiça. Introduzido em junho no Estatuto da Advocacia e da OAB, pela lei 14.365/22, o Artigo 2º-A reforça o papel do profissional enquanto propulsor de mudanças, determinando que o advogado “pode contribuir com o processo legislativo e com a elaboração de normas jurídicas, no âmbito dos Poderes da República”. A ordem legal não deixa dúvidas: a discussão sobre a inovação no Judiciário não pode ficar restrita ao quadro técnico do Estado.

Não existe ninguém mais preparado para apontar os problemas estruturais e conjunturais de uma organização do que aqueles que atuam nela e dela precisam. Os principais obstáculos ao acesso à Justiça, hoje, no âmbito dos tribunais, estão atrelados à morosidade, produtividade, desempenho e consolidação de métodos de trabalho e de decisão. É indispensável, portanto, para defender os princípios da República, discutir a implementação e a divulgação de soluções inovadoras no judiciário brasileiro.

O conceito de inovação foi introduzido no século XX como sinônimo de tecnologia aplicada à serviços de avanços econômicos, primariamente atrelada ao setor privado. Com a ampliação dos estudos em governança e gestão do conhecimento, orientados ao propósito de estimular o progresso e a democratização, é crescente o interesse estatal em legislar e atuar, nacional e internacionalmente, alinhado às referências de excelência da gestão privada.

O Manual de Oslo (1997), compilado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico da qual o Brasil faz parte, foi um marco significativo na mensuração da inovação pelo Estado, bem como de sua aplicação às políticas públicas. Resumindo a definição trazida pelo Manual, uma inovação é um bem, serviço, processo ou método novo, ou significativamente melhorado, que, quando implementada, gere melhoramentos à organização ou à suas relações externas.

Preservadas as particularidades de cada setor, é possível retratar a gestão da inovação como um sistema de implementação de ideias, que, na maior parte das vezes, nascem do desconforto com o que existe ou da convicção de que há espaço para melhoria.

O conhecimento da realidade do meio, dos métodos e das brechas que oportunizam o desperdício (de tempo, dinheiro e esforço humano, por exemplo), permitem o aflorar de novas ideias. Aplicando isso ao Poder Judiciário, não há dúvidas de que o advogado, a quem foi confiado o elo entre a sociedade e a jurisdição, tem um olhar aguçado para encontrar espaços a serem aperfeiçoados.

Para avançar nesta discussão, propõe-se um olhar mais aprofundado sobre duas principais frentes de ação indispensáveis para nossa classe se posicionar enquanto vetor de mudança no Judiciário: o do perfil do advogado vanguardista e o impulso à inovação no setor público.

1. O perfil do advogado vanguardista

As inovações tecnológicas causam hoje mais impacto na sociedade do que nunca na história. Esta realidade em constante disrupção, na qual as mudanças são percebidas e implementadas com inédita velocidade, amplitude e profundidade, é descrita por Klaus Schwab, diretor e fundador do Fórum Econômico Mundial, como a 4ª Revolução Industrial. O autor defende que a realidade atual consiste em uma alteração drástica nos meios de produção, por meio da digitalização do conhecimento, a absoluta conexão de pessoas e coisas, além da interligação de tudo que existe por estruturas de dados.

Neste turbilhão, cabe à classe levantar questionamentos inerentes à curiosidade intrínseca do jurista: por que devo inovar? Ainda mais importante: qual é o bem social da inovação?

O porquê parece ser o mais simples de responder. Na obra “Tomorrow’s Lawyers: an Introduction to Your Future”, Richard Susskind apontou três principais fatores que contribuem para a disrupção do mercado jurídico: a) crises econômicas e o desafio "mais por menos": a demanda dos clientes por mais serviços menos valorizados; b) a liberalização do mercado com a facilitação do acesso à informação jurídica pela internet; c) a tecnologia da informação, que leva ao sentimento de que a advocacia dos livros e dos processos físicos foi superada.

Assim, o contexto da Indústria 4.0 já se faz presente na advocacia e precisa ser enfrentado pela classe de forma estratégica. Como apontado, o uso de novas tecnologias não significa inovação, ao menos que sejam implementadas. A melhoria das dores sentidas por aqueles que trabalham ao serviço do Direito auxiliará, de imediato e a longo prazo, o próprio Direito e a atuação de um profissional que não perde seu conhecimento apenas por existirem novas ferramentas, mas pode utilizá-las para continuar disseminando seu bem maior.

Quanto ao bem social da inovação, a resposta mais óbvia é o fundamental e glorioso acesso à Justiça. É pela garantia da jurisdição célere, isonômica e pacificada que o valor dos serviços jurídicos assume seu auge, com a entrega efetiva do direito.

O advogado vanguardista, portanto, parece ser aquele comprometido com os principais mandamentos do Estado de Democrático de Direito (eficiência, combate a arbitrariedades, equidade etc.) que está interessado em implementar inovações.

O Corporate Legal Operations Consortium (CLOC), corporação que introduziu o conceito de Legal Ops, aponta 12 competências de um escritório inovador. O CLOC defende a implementação de uma controladoria jurídica focada na aplicação de boas práticas mercadológicas para aperfeiçoar a entrega dos serviços e oportunizar o crescimento. São elas:

  1. Inteligência de negócios: orientar-se por dados na tomada de decisões estratégicas;
  2. Gestão financeira: otimizar a gestão financeira do escritório de forma sustentável;
  3. Gestão de firma e fornecedores: gerir uma rede de fornecedores de serviço confiáveis, que agreguem valor além dos serviços jurídicos;
  4. Governança da informação: definir e implementar uma política de tratamento de dados clara, organizada e segura;
  5. Gestão do conhecimento: elaborar processos de criação e revalidação do conhecimento acessível aos membros da equipe;
  6. Otimização e saúde da organização: maturar um time de alto impacto, motivado e com espaço para crescimento profissional e implementação de ideias;
  7. Operações da prática: permitir que o time jurídico foque na prática jurídica;
  8. Gestão de projetos e programas: apoiar programas e iniciativas internas à parte dos serviços jurídicos;
  9. Modelos de entrega de serviços: criar um ecossistema complementar de fornecedores preparados para entregar exatamente o que o negócio precisa;
  10. Planejamento estratégico: definir metas e prioridades para alcançar os objetivos da firma, alinhando as ações de todo o time;
  11. Tecnologia: inovar os métodos, automatizar as tarefas, digitalizar o conhecimento e solucionar problemas com uso da tecnologia;
  12. Treinamento e desenvolvimento: oferecer e incentivar a progressão de carreira, oferecendo treinamento e capacitação à equipe.

Essas competências, apesar de internas do escritório ou do departamento jurídico, só podem efetivamente prosperar e significar uma implementação sistêmica se forem embasadas por uma estrutura que vise os mesmos objetivos.

Portanto, é primordial que o advogado esteja atento aos esforços empregados pelo Judiciário na implementação das novas tecnologias, tanto para incrementá-las a seu trabalho, quanto para fiscalizar a concretização de uma máquina pública eficiente, que prime pela valorização do esforço técnico-jurídico.

2. O impulso à inovação no setor público

No setor público, inovar não significa apenas implementar mudanças, mas, sim, envolver pessoas em iniciativas que promovam a melhoria da prestação dos serviços à sociedade. Assim, não basta pensar em soluções, mas encorajar entregas sistêmicas dos projetos que estão em curso. Portanto, é imprescindível conhecer as normativas (que representam uma inovação de paradigma na administração pública) e acompanhar os resultados científicos destas, a exemplo de ferramentas como painéis, sistemas, softwares, entre outros (que representam inovações de produtos e serviços públicos).

É exponencial o crescimento do escopo legislativo que permite o prosperar das mudanças. Nos últimos anos, o Brasil aprovou diversas leis que possibilitam este alvorecer, trazendo destaque a temas como o acesso à informação (destaque para a lei 12.527/11) e a abertura de dados públicos (decreto 10.160/19). Reunir, interpretar e comunicar os dados representou o início da caminhada em busca de estreitar esses laços, regulando as formas de participação do usuário na administração pública direta e indireta, conforme mandamento do artigo 37, § 3º da Constituição Federal.

A implementação de plataformas governamentais é outro exemplo de utilização de dados abertos e de colaboração da sociedade para o desenvolvimento de ideias. O Brasil avança significativamente em sua infraestrutura tecnológica, com a disponibilização de portais e aplicativos que satisfaçam a necessidade de serviços públicos de forma remota. Um extraordinário exemplo é o canal Gov.br, que reúne todos os 4,8 mil serviços públicos do Governo Federal, à distância de um clique.

É intuito da administração expandir essa sistemática aos estados e municípios, conforme determina a lei de Governo Digital (lei 14.129/21). A norma estabelece, por exemplo, que as ferramentas digitais devem atuar na solicitação de atendimento e de acompanhamento da entrega dos serviços públicos e fornecer um painel de monitoramento do desempenho dos serviços públicos.

No escopo de trabalho do Poder Judiciário, é preciso manter em perspectiva que o intuito basilar de todas as escolhas inovadoras é o alcance de uma justiça inclusiva e incisiva. Segundo Carlos Arboleda, presidente brasileiro do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), três elementos são indispensáveis a este fim: a) continuar colocando as pessoas no centro do Sistema de Justiça e passando de uma Justiça de poucos para uma Justiça de todos; b) assegurar um contrato social inclusivo e justo, repensando como a justiça pode ser verdadeiramente acessível; c) colocar no centro da agenda institucional temas como inovação, aplicação de tecnologias e cooperação cidadã.

O Poder Judiciário tem papel de protagonismo no fomento do desenvolvimento tecnológico sustentável. Uma das principais frentes de trabalho do Supremo Tribunal Federal (STF), no âmbito da inovação social, é a implementação de parâmetros para medir a consolidação dos objetivos da Agenda 2030 da ONU, em especial a ODS 16 (Paz, Justiça e Instituições Eficazes, que visa promover sociedades pacíficas e inclusivas, proporcionar o acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas a todos os níveis).

Por meio de iniciativas de governança para a institucionalização desta meta, o STF foca no melhoramento da metodologia de classificação, agrupamento e organização dos processos. Dentre as ferramentas inovadoras que servem a este propósito, estão o Painel de Dados e a RAFA 2030, inteligência artificial que mede os indicadores de desenvolvimento.

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), enquanto órgão coordenador do planejamento e da gestão estratégica do Poder Judiciário, está na vanguarda das estratégias de inovação. Um indicativo disso é a Estratégia Nacional do Poder Judiciário 2021-2026 (Resolução 325/CNJ), que indica os desafios e define as metas para aprimorar a atividade dos Tribunais.

Entre os desafios estão, por exemplo, a agilidade e produtividade na prestação jurisdicional, com índices que medem o atendimento e a tramitação dos processos, e a consolidação do sistema de precedentes obrigatórios, com indicador do tempo médio entre o trânsito em julgado/ou sentença de mérito do precedente e a sentença de aplicação da tese. A iniciativa prevê a divulgação de dados periódicos na satisfação dos desafios, lidos por inteligência artificial.

O almanaque “Justiça em Números (2022)” é um excelente exemplo de entrega destas estratégias para o aperfeiçoamento do serviço público. A partir da Base Nacional de Dados do Poder Judiciário (DataJud), o CNJ pôde compilar indicadores de movimentação processual, justiça digital, arrecadação de despesas, entre outros.

Para concluir, embora existam muitas outras iniciativas em âmbito nacional, merece especial atenção o Programa Justiça 4.0 – Inovação e Efetividade na Realização da Justiça para Todos, empreendimento conjunto do CNJ, Conselho da Justiça Federal e PNUD. O programa tem por objetivo a implementação do Juízo 100% Digital, por um conjunto de iniciativas de integração, transparência, colaboração e eficiência. Por meio da introdução da inovação disruptiva, da gestão dos dados e da transferência de inteligência entre os órgãos estaduais, já foram implementadas plataformas de leitura e integração de dados, a exemplo do Sinapses e do Sniper, este que busca resolver o desafio da satisfação da execução.

É flagrante, portanto, que está em curso uma revolução no processo judicial brasileiro. Com o avanço da tecnologia aplicada à satisfação dos interesses do Direito, é possível implementar as inovações à prática jurídica cotidiana, melhorando as condições de trabalho do advogado e levando ao cliente soluções cada vez mais atuais e inteligentes.

Nesse cenário, é certo que existe um caminho promissor pela frente, no qual os advogados poderão confiar na eficiência do Estado para focar todo seu esforço em sua técnica. A pergunta que se faz é: entre se adaptar à mudança ou impulsioná-la, qual papel a advocacia prefere?

Sendo este, é preciso furar a bolha. É preciso empreender, aproximar, impactar e cocriar uma realidade de total parceria com o Estado. O papel do advogado é de fomento, divulgação e utilização dessas novidades. E também é o de supervisão, utilizando os índices de transparência e governança para buscar os pontos de fragilidade.

Taisa Vargas
Taisa Barboza Vargas Pereira é advogada graduada pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.

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