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Na luta internacional contra a corrupção, auditoria contribui para o êxito dos ODS

O plano da IFAC é baseado em cinco pilares: educação e desenvolvimento profissional; suporte às normas internacionais; formulação de políticas de prevenção e controle baseadas em evidências contidas em informações de alta qualidade.

16/12/2022

O dia 9 de dezembro é o Dia Internacional da Luta contra a Corrupção. Esta data, que marca a Convenção da Organização das Nações Unidas (ONU) contra a Corrupção assinada no México em 20031, e já possui 140 signatários2, destaca a importância do trabalho diário contra atos que reforçam a desigualdade e desviam recursos preciosos que poderiam ser utilizados para a melhoria de toda a sociedade.

Para se ter a dimensão dos estragos causados com atos corruptos, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) calcula que o equivalente a 5% do PIB mundial por ano é desviado por fraudes e atividades ilícitas, o que seria equivalente a mais de U$S 3,6 bilhões. Enquanto isso, a ONU calcula que, para viabilizar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), seria necessário o investimento de U$S 5 bilhões por ano até 2030. Se os valores desviados fossem direcionados para o cumprimento dos ODS, já teríamos cerca de 70% do orçamento necessário. 

O combate à corrupção perpassa por toda a sociedade: desde entidades governamentais, líderes empresariais, até o cidadão vigilante e atento aos problemas que a corrupção pode causar, seja direta ou indiretamente. Vinculado a esta temática, a Federação Internacional de Contadores (IFAC) lançou, em setembro, um Plano de Ação para o Combate à Corrupção e Crimes Econômicos, como lavagem de dinheiro, suborno, evasão e transgressões fiscais. 

O plano da IFAC é baseado em cinco pilares: educação e desenvolvimento profissional; suporte às normas internacionais; formulação de políticas de prevenção e controle baseadas em evidências contidas em informações de alta qualidade, muitas delas geradas pelos balanços contábeis e relatórios do auditor independente; engajamento e parceria de todo o universo profissional; e busca de garantia que os pontos de vista e voz da profissão contábil sejam ouvidos.    

Nota-se que os cinco pilares estão alicerçados na necessidade de participação ativa de todo o ecossistema de empresas e instituições públicas, tendo a profissão de contabilidade como epicentro e protagonista do processo de combate à corrupção e fraudes. Outros atores importantes são políticos, agências governamentais, funcionários públicos, líderes empresariais, integrantes dos conselhos de administração e de toda a estrutura de governança corporativa das empresas, bem como advogados, promotoria e magistratura. Todos devem trabalhar juntos e em sintonia com a sociedade para que se tenha mais ética, lisura e transparência e menos atos nocivos à saúde financeira das empresas e do Estado.

Na análise dos cinco pilares do plano da IFAC percebe-se com clareza a importância do trabalho dos auditores independentes para o combate à corrupção e aos crimes econômicos, já que a auditoria representa processos que envolvem transparência e confiabilidade em relatórios financeiros e não financeiros, como demonstrações financeiras e relatórios de sustentabilidade. É verdade que a prevenção e a investigação de ocorrências são responsabilidades primárias dos gestores nas empresas e organismos públicos, mas o auditor tem o dever permanente do ceticismo, virtude que, aliada à capacidade técnica, conhecimento e competência profissional, tem propiciado prevenir e/ou identificar suspeitas de volume significativo de crimes e fraudes em todo o mundo.

No Brasil, a auditoria independente e a profissão contábil como um todo possuem responsabilidades legais para comunicar indícios ou suspeitas com relação a crimes relacionados à lavagem de dinheiro, que podem envolver atos ilícitos, entre eles a corrupção. A lei 9.613, que dispõe sobre crimes de lavagem de dinheiro e criou o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), especifica uma série de obrigações com relação a identificação de clientes, manutenção de registros e comunicação de operações financeiras. 

As obrigações da lei foram dispostas na Resolução 1.530/17 do Conselho Federal de Contabilidade (CFC), que exige uma especial atenção aos profissionais da contabilidade com relação à prestação de serviços e comunicação ao COAF caso sejam identificadas quaisquer atividades suspeitas, sob pena de advertência, multas, inabilitação temporária ou até mesmo a suspensão do registro profissional. Inclusive, a comunicação ao COAF é uma rara exceção ao dever de confidencialidade do auditor, tamanha é a relevância do combate a crimes relacionados à lavagem de dinheiro. 

Nunca é demais lembrar que o principal objetivo da auditoria não é realizar investigação, muito menos ter a responsabilidade primária de inibir fraudes por parte da entidade auditada. A auditoria é contratada para emitir uma opinião independente da administração da empresa sobre as demonstrações financeiras. 

Somados o ceticismo profissional, os procedimentos de auditoria e o julgamento profissional, o auditor poderá se deparar com situações de não conformidade com leis ou regulamentos. Apesar de não estabelecer juridicamente a circunstância, o auditor é responsável por comunicar referidas situações aos entes responsáveis pela governança da empresa, além da comunicação ao COAF acima referida.  Após comunicação com a governança, o auditor obtém as respostas da administração e informa as ações e as evidências necessárias para dar continuidade aos seus trabalhos.

A fim de contribuir no âmbito desse complexo tema, o Ibracon – Instituto de Auditoria Independente do Brasil emitiu o Comunicado Técnico 03/21, com orientações aos profissionais sobre a abordagem e impactos de seu trabalho nas demonstrações contábeis de entidades relacionadas à não conformidade ou suspeitas de não conformidade com leis e regulamentos, incluindo atos ilegais ou fraude. O Ibracon tem sido proativo no contexto da produção e aperfeiçoamento de normas, participando com sugestões, inclusive em audiências públicas nacionais e internacionais. São realizados sistemáticos webinars e cursos sobre o assunto, dentre outras iniciativas. 

As Bandeiras da Auditoria Independente, instituídas pelo Ibracon – sintetizando os compromissos da profissão quanto ao compliance, à sustentabilidade, diversidade, relevância da atividade para a sociedade, bom uso da tecnologia, importância da educação continuada e o significado primordial das pessoas –, estão em linha com os cinco pilares do Plano de Ação para o Combate à Corrupção e Crimes Econômicos da IFAC. Concordamos que os esforços devam ser feitos no sentido de impedir que a corrupção e os crimes econômicos, além dos imensos danos que causam às empresas, aos governos e à sociedade, inviabilizem os ODS, nos quais a humanidade deposita sua esperança em um mundo melhor. 

Valdir Coscodai
Presidente do Ibracon - Instituto dos Auditores Independentes do Brasil.

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