Como bem sabido, o PIX é um modelo de transferência instantânea de pagamentos, onde, em poucos segundos, é possível realizar uma operação financeira e o dinheiro já cair na conta de outra pessoa.
Sem dúvidas, é uma tecnologia que revolucionou a maneira pela qual os brasileiros realizam transações bancárias e financeiras.
Ocorre que, por mais prático e inovador que seja esse mecanismo, não é ele imune a erros humanos, e não raro os indivíduos acabam realizando as transferências erroneamente, trocando os números da chave PIX e destinando o pagamento a pessoas diversas daquelas a que pretendiam.
O que se espera, em situações como essa, é que haja a devolução da quantia transferida. Porém, o que acontece caso isso não ocorrer?
É o que o presente artigo se presta a responder nas seguintes linhas, apresentando as consequências jurídicas da apropriação indevida de valores transferidos via PIX por engano.
Da responsabilidade civil
Adentrando, em um primeiro momento, na esfera civil, tem-se que o Diploma Civilista apresenta disposições que se amoldam ao caso ora em análise, senão vejamos:
Art. 876. Todo aquele que recebeu o que lhe não era devido fica obrigado a restituir; obrigação que incumbe àquele que recebe dívida condicional antes de cumprida a condição.
Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.
Pela leitura dos dispositivos supracitados, pode-se inferir que aquele que receber um valor via PIX “por engano” e não devolver a quantia poderá ser responsabilizado civilmente por essa retenção indevida, nos termos da lei.
E não é só: nosso ordenamento jurídico inadmite o enriquecimento sem causa de uma das partes envolvidas em determinada relação jurídica. Nesse liame, aquele que receber valores por engano via PIX, logicamente, não faz jus ao que recebeu e, dessa forma, deve retornar a quantia àquele que realizou a transferência.
Ou seja, aquele que não devolver a quantia que lhe foi transferida por engano via PIX poderá ser processado judicialmente e ser obrigado, ao final do processo, a retornar os valores acrescidos de juros e correção monetária, conforme jurisprudência a seguir:
“ENRIQUECIMENTO ILÍCITO. OCORRÊNCIA. Transferência eletrônica de numerário sem causa subjacente para conta corrente da empresa ré por equívoco dos prepostos da autora. Ausência de fundamento a embasar a manutenção de dita quantia em seu poder da requerida, não obstante tenha sido notificada extrajudicialmente acerca do engano. Resistência injustificada em restituir o crédito à autora. Interesse de agir configurado. Liquidada a TED, ficando o valor da transferência à disposição da correntista, não é possível à autora solicitar o estorno, tampouco requerer o seu cancelamento, conduta que deve partir da recebedora do crédito (Art. 6º da Circular nº 3.115 do BACEN). Pedido de restituição do valor indevido juridicamente possível (Art. 884 do CC). Inadmitido pelo ordenamento jurídico o enriquecimento ilícito, deve a ré restituir à autora a quantia apontada na inicial (R$ 19.899,66) acrescida dos respectivos consectários legais. Litigância de má-fé não caracterizada. Sentença mantida. Recurso desprovido.” (TJSP; Apelação Cível 0017251-31.2013.8.26.0566; Relator (a): Carlos von Adamek; Órgão Julgador: 34a Câmara de Direito Privado; Foro de São Carlos - 5a. Vara Cível; Data do Julgamento: 9/11/16; Data de Registro: 17/11/16).
Da responsabilidade penal
Noutro plano, além de responder civilmente pela retenção indevida desses valores, o indivíduo que não devolver a quantia também poderá ser responsabilizado penalmente e incorrer nas penas do artigo 169 do Código Penal, ipsis literis:
Art. 169. Apropriar-se alguém de coisa alheia vinda ao seu poder por erro, caso fortuito ou força da natureza:
Pena - detenção, de um mês a um ano, ou multa.
Em outras palavras, o sujeito que não retornar os valores retidos indevidamente, recebidos por engano via PIX, não somente poderá ser condenado a indenizar aquele que lhe transferiu a soma, como também responderá “criminalmente” pelo fato, podendo, como visto, pegar até um ano de detenção ou pagar uma multa pelo ocorrido.
O banco pode ser responsabilizado nesses casos?
Uma dúvida pode surgir com relação ao tema: caso o indivíduo, devidamente notificado a devolver a quantia, recuse-se a fazê-lo, não seria possível demandar do próprio banco que o faça? A resposta é não, pois, nesse caso, o banco não seria o responsável pela transferência errada, a qual foi efetuada por seu cliente. Desse modo, excluir-se-ia a responsabilidade da instituição financeira e não poderia ela ser cobrada pelo fato, consoante artigo 14, §3º, II do Diploma Consumerista nacional:
Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.
§ 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:
II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.
Em resumo, não pode a instituição bancária ser responsabilizada por erro em transferências realizadas pelo sistema PIX, tendo esse equívoco sido cometido por culpa exclusiva da vítima.
Conclusão
Desta feita, conclui-se que, embora o PIX seja um sistema de pagamento relativamente novo e muito útil no cotidiano dos brasileiros, deve-se ter muita cautela ao realizar as transferências por meio dele. Caso se transfira valores a alguém diverso da pessoa a quem se pretendia e o indivíduo recusar-se a devolvê-los, como visto, existem dois caminhos a seguir: buscar a indenização na esfera civil e também a condenação do sujeito pelo crime cometido de apropriação de coisa havida por erro, contido no artigo 169 do Diploma Penal.