Migalhas de Peso

Qual é a responsabilidade dos bancos nos ‘golpes do PIX’?

As atividades bancárias são de risco e, portanto, tais riscos envolvidos nas operações devem ser assumidos integralmente por quem lucra com as mesmas, qual seja, as Instituições Bancárias.

15/12/2022

Atualmente, com as facilidades trazidas pelas tecnologias, cada dia é mais fácil e rápida a circularização digital de valores entre pessoas. Contudo, a modernidade também é acompanhada de riscos que acabam por expor os pontos fracos das transações, podendo trazer alguns prejuízos, tais como, nos famosos “golpes do pix”.

Tanto em casos de sequestro relâmpago, roubo ou furto de celular, bem como o acesso a valores mediante fraude, fato é que todas essas modalidades criminosas têm o condão de subtrair quantias mediante o uso da chave pix, ferramenta disponibilizada pela Instituição Bancária.

Ocorre que tais transações deveriam ser rastreadas e facilmente identificadas pelo Banco, responsabilizando o criminoso tanto na esfera cível quanto criminal. Todavia, o que se vê é a comum utilização de contas com dados falsos ou em nome de “laranja”, dificultando assim a rastreabilidade e a restituição ao correntista lesado.

Ora, não há dúvidas de que se houve falha na modalidade fornecida pelo banco, de rigor será a sua responsabilização.

Assim, considerando que os valores são recebidos em conta de “laranja” e esta conta é rapidamente esvaziada, consumando-se o golpe, há que observar-se a conduta bancária em dois pontos:

  1. A responsabilidade do banco quanto a abertura daquela conta com a indiscutível conferência em relação a identidade e qualificação do titular, observando-se a Resolução 4.753/19 do CMN;
  2. A responsabilidade do banco quanto ao atendimento imediato do pedido de bloqueio realizado pela vítima após perceber o golpe.

Ainda que a situação e a culpa seja discutível caso a caso no 1º Grau de jurisdição, no Tribunal Paulista já é pacificada a responsabilidade da instituição quanto aos danos praticados mediante qualquer tipo de fraude no âmbito bancário. Veja-se a Súmula 479 do STJ:

“As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias.”

Isso significa dizer que os bancos devem arcar com os prejuízos sofridos, tanto em casos de invasão hacker, sequestros e fraudes perpetradas por terceiros, quanto em outros problemas internos que atinjam a sociedade.

Destaca-se a decisão proferida nos autos nº 1004258-95.2021.8.26.0003 pela 14ª Câmara de Direito Privado do TJSP, sob relatoria do desembargador Dr. Benedito Antonio Okuno, que assim dispôs:

"No caso em comento, a prática de transferências via PIX, realizadas por terceiro, não rompe o nexo causal entre a atividade lucrativa e o dano, pois a falha na prestação do serviço está na atividade do banco que deve oferecer garantias de segurança ao consumidor.

[...]

Os bancos exercem atividade lucrativa e, em contrapartida, devem oferecer tranquilidade ao consumidor, cercando-o de sistemas de segurança de forma a evitar-lhes danos, ainda mais na atualidade em que nos deparamos com práticas cada vez mais ousadas e que não podem estar à frente dos que prestam serviços bancários."

Ademais, é importante observar que, de acordo com a Súmula 297 do Superior Tribunal de Justiça, e artigo 3º, §2º, do Código de Defesa do Consumidor, a relação jurídica existente entre a pessoa física correntista e a instituição financeira é uma relação de consumo. Dessa forma, o banco na qualidade de fornecedor responde, objetivamente (independente de culpa), pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação de seus serviços.

Imperioso mencionar o recente entendimento majoritário deste Tribunal quanto ao tema:

“Ação de inexigibilidade de débito c.c. danos morais e materiais. Cartão de crédito que estava na posse do marido da titular. Sequestro relâmpago. Entrega do cartão e da senha diante de grave ameaça de criminosos. Transações impugnadas. O risco da atividade deve ser suportado pelo fornecedor, artigo 14 do CDC. Transações que fogem totalmente ao perfil de uso. Contexto probatório que autoriza o reconhecimento da responsabilidade civil do fornecedor. Não demonstração de culpa exclusiva do consumidor. Art. 252 do Regimento Interno deste E. Tribunal. Reconhecimento de dano moral indenizável. Recurso da autora parcialmente provido, desprovido o recurso do banco réu” TJSP. Apelação Cível nº 1003119-14.2021.8.26.0002. 20ª Câmara de Direito Privado. Des. Relator Luis Carlos de Barros. Dje: 13/09/2021.

"APELAÇÃO – PRELIMINAR – FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL – Hipótese em que a autora buscou, administrativamente, o banco réu, visando solucionar o ocorrido, sem êxito – Hipótese, ademais, em que ainda que a postulante não tivesse eventualmente buscado previamente a instituição financeira não se justificaria a extinção do feito sem análise do mérito, uma vez que não importa em ausência de interesse processual - Direito de ação constitucionalmente garantido – Interesse processual configurado – Preliminar alegada pelo réu afastada". "AÇÃO DECLARATÓRIA E INDENIZATÓRIA – MOVIMENTAÇÕES INDEVIDAS EM CONTA CORRENTE – FALHA NA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS – DANOS MORAIS – QUANTUM – JUROS DE MORA – HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – I – Sentença de parcial procedência – Recurso de ambas as partes – II - Relação de consumo caracterizada – Inversão do ônus da prova – Banco que não provou que as movimentações não reconhecidas pela autora foram realizadas por culpa exclusiva desta ou de terceiro – Falha no sistema de segurança da instituição financeira, que deixou de coibir as movimentações via internet não efetuadas pela autora, permitindo a consumação da fraude eletrônica – Responsabilidade objetiva da instituição financeira decorrente do risco integral de sua atividade – Inteligência dos arts. 6, VIII, e 14, § 3º, II, do CDC – As instituições bancárias respondem objetivamente pelos danos causados por fraudes ou delitos praticados por terceiros, porquanto tal responsabilidade decorre do risco do empreendimento, caracterizando-se como fortuito interno – Orientação adotada pelo STJ em sede de recurso repetitivo – Art. 1.036 do NCPC – Súmula nº 479 do STJ – Declaração de inexigibilidade do débito devida – III - Danos morais caracterizados – O dano moral puro é passível de ser indenizado, não sendo necessário que seja provado prejuízo efetivo – O simples fato de o correntista ter indevidamente debitado valores de sua conta corrente, na qual percebe seu benefício previdenciário, traz-lhe inegável prejuízo – Dano moral presumível, ainda, tendo em vista o fato de a autora somente ter conseguido a declaração de inexigibilidade do débito, obstando, assim, os descontos indevidos, com a propositura da presente ação – Indenização devida, devendo ser fixada com base em critérios legais e doutrinários – Indenização bem fixada em R$5.000,00, ante as peculiaridades do caso, quantia suficiente para indenizar a autora e, ao mesmo tempo, coibir o réu de atitudes semelhantes – IV - Juros de mora que devem incidir desde a citação, por se tratar de responsabilidade contratual - Ação parcialmente procedente – Sentença mantida – V - Honorários advocatícios bem fixados pela sentença em 10% sobre o valor atualizado da condenação, levando-se em consideração o trabalho desenvolvido nos autos, revelando o zelo e a dedicação do profissional, embora a matéria não fosse de alta indagação – Obediência do disposto no art. 85, § 2º, do NCPC – VI - Em face do trabalho adicional realizado em grau de recurso, e o fato do banco réu ter remanescido preponderantemente sucumbente, majoram-se os honorários advocatícios devidos ao patrono da autora, nos termos do art. 85, § 11, do NCPC, para 15% sobre o valor atualizado da condenação – Apelos improvidos."

(TJ-SP - AC: 10056316420218260003 SP 1005631-64.2021.8.26.0003, Relator: Salles Vieira, Data de Julgamento: 24/02/2022, 24ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 24/02/2022).

Conclui-se que as atividades bancárias são de risco e, portanto, tais riscos envolvidos nas operações devem ser assumidos integralmente por quem lucra com as mesmas, qual seja, as Instituições Bancárias.

Alonso Santos Alvares
O advogado é sócio da Alvares Advogados, escritório de advocacia especializado nas mais diversas frentes do Direito Empresarial, Civil, Trabalhista e Tributário.

Mayara Aprill
Advogada especialista em Direito Empresarial e coordenadora do núcleo cível da Alvares Advogados, escritório de advocacia especializado nas mais diversas frentes do Direito Empresarial.

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