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Auxílio moradia para médicos residentes: um direito certo, mas esquecido

Todo médico que faz residência, ou fez, tem direito ao recebimento de um auxílio moradia, que pode chegar a 30% da bolsa. No entanto, muitos desconhecem a existência desse direito.

16/12/2022

Muitos médicos residentes desconhecem que, por força do art. 4º, § 5º da lei federal 6.932/81 , que regulamentou a residência médica no Brasil, foram criados os seguintes direitos para o profissional que faz residência: alojamento adequado entre plantões, fornecimento de alimentação, e a concessão de uma moradia permanente. É muito comum que esses dois primeiros direitos citados sejam cumpridos pelos hospitais – daí o motivo pelo qual o direito ao alojamento entre os plantões, e o da alimentação, é os que se tornam conhecidos entre a classe médica.

De fato, são poucos os hospitais que respeitam a obrigação de garantirem uma moradia ao médico durante o período da residência, e a falta de divulgação deste direito o torna desconhecido para a grande maioria dos profissionais. Alguns poucos hospitais fornecem uma estrutura física para a moradia do médico residente, e outros optam apenas por pagar um auxílio financeiro. Contudo, a maior parte dos hospitais brasileiros ainda não fornece uma estrutura física adequada, e tampouco paga algum tipo de auxílio financeiro voltado a garantir esse direito à moradia.

Destaque-se que a lei não estabeleceu nenhum pré-requisito para a concessão do auxílio moradia, de forma que não se faz necessária qualquer comprovação de carência, do pagamento de aluguel, de morada e deslocamento de outro Estado, de ausência de condições financeiras ou qualquer outra circunstância, a fim de justificar o benefício que deve ser garantido, sem distinções. É um direito inquestionável e irredutível do profissional médico, de receber este auxílio. Basta ter feito a residência, e a obrigação de pagar o auxílio moradia existe.

O direito ao fornecimento de auxílio-moradia ao médico pode ser exigido diretamente da instituição responsável pelo programa de residência médica a qual o profissional estiver vinculado. E o Poder Judiciário reconhece essa possibilidade, conforme o entendimento firmado do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de que, na hipótese da instituição não oferecer o alojamento ao médico, deverá garantir o pagamento de um auxílio moradia, tendo reafirmado o posicionamento de que “existindo dispositivo legal peremptório acerca da obrigatoriedade no fornecimento de alojamento e alimentação, não pode tal vantagem submeter-se exclusivamente à discricionariedade administrativa, permitindo a intervenção do Poder Judiciário a partir do momento em que a Administração opta pela inércia não autorizada legalmente” (AgRg nos EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RESP 1.339.798, julgado em 22/3/17).

E mesmo que eventualmente o hospital tenham em seu regulamento interno a previsão da exclusão do fornecimento de moradia no programa de residência, tal condição não a isentaria de garantir o direito previsto na legislação, uma vez que um mero ato interno não pode se sobrepor ao que prevê a lei.

Para o caso do médico que ainda está concluindo a residência médica, basta que se faça um pedido administrativo de concessão do auxílio moradia, que deverá corresponder ao percentual de 30% (trinta porcento) aplicável em face do valor da bolsa recebida mensalmente pela participação no programa. Havendo a negativa administrativa, o médico poderá recorrer ao Poder Judiciário.

Já no caso do médico que já concluiu a residência médica, a única alternativa é o ingresso com uma ação judicial, acompanhado de um advogado especialista, que terá o objetivo de exigir o pagamento retroativo de tudo o que deixou de receber durante a residência, aplicando-se o mesmo percentual de 30% (trinta porcento) da bolsa recebida. Neste caso, o prazo para requerer o auxílio moradia será de 5 (cinco) anos, contados do término da residência, e só poderá ser exigido as parcelas que não foram pagas dentro deste período.

Esse percentual de 30% (trinta porcento) citados é respaldado pela jurisprudência já pacificada, conforme se observa:

AUXÍLIO-MORADIA – MÉDICO RESIDENTE - Conversão em pecúnia do período correspondente aos 24 meses de duração da residência médica – Cabimento – Previsão normativa que determina o oferecimento de moradia pela instituição de ensino ao médico residente – Art. 4.º, § 5.º, III, da lei 6.932/81, com redação dada pela lei 12.514/11 – Ausência de comprovação de ter havido o fornecimento de moradia in natura – Inexistência de previsão legal não deve constituir óbice à conversão em pecúnia – Pagamento de auxílio-moradia na forma de compensação equivalente a 30% do valor da bolsa recebida – Legitimidade passiva do estabelecimento de ensino e de saúde por ser a instituição responsável pelo programa de residência médica oferecido à autora – Precedentes jurisprudenciais da lavra do Colendo STJ, seguida pelos Colégios Recursais do Estado de São Paulo e pela TNU – Recurso improvido.

(TJ-SP - RI: 10133375220228260007 SP 1013337-52.2022.8.26.0007, Relator: Paulo Lúcio Nogueira Filho, Data de Julgamento: 23/11/22, 5ª Turma Recursal Cível e Criminal, Data de Publicação: 23/11/22)

ADMINISTRATIVO - AUXÍLIO-MORADIA PARA MÉDICO RESIDENTE – POSSIBILIDADE - ARBITRAMENTO DE VALOR MENSAL – 30% DO VALOR BRUTO DA BOLSA-AUXÍLIO - SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA CONFIRMADA POR SUAS PRÓPRIAS RAZÕES – RECURSO IMPROVIDO.

(TJSP; Recurso Inominado Cível 1011500-52.2021.8.26.0053; Relator (a): Fábio Fresca; Órgão Julgador: 2ª Turma - Fazenda Pública; Foro Central - Fazenda Pública/Acidentes - 1ª Vara do Juizado Especial da Fazenda Pública; Data do Julgamento: 25/11/21; Data de Registro: 25/11/21)

ADMINISTRATIVO. AUXÍLIO-MORADIA PARA MÉDICO RESIDENTE.POSSIBILIDADE. ARBITRAMENTO DE VALOR MENSAL.

(...). 5. Considerando a dificuldade de se encontrar um parâmetro factível para ser utilizado, fixa-se o valor mensal no percentual de 30% sobre o valor da bolsa- auxílio paga ao então médico-residente, devido em todos os meses de duração do programa. Este percentual é o que esta Turma Recursal considerou razoável a assegurar o resultado prático equivalente ao auxílio-alimentação e moradia em questão, quando do julgamento dos Recursos Cíveis nº 50510759320144047100 de Relatoria do Juiz Federal Giovani Bigolin e 50041991220164047100, de Relatoria do Juiz Federal Oscar Valente Cardoso (em juízo de retratação), na sessão de 31/8/17.

6. Destarte, a sentença merece reforma, para se julgar procedente o pedido de pagamento de auxílio-moradia no período em que participou do programa de residência médica, fixando-se o valor mensal no percentual de 30% sobre o valor da bolsa-auxílio paga ao então médico-residente.

(TRF- 4, RECURSO CÍVEL: 50361891620194047100 RS 5036189-16.2019.4.04.7100, Relator: ANDREI PITTEN VELLOSO, Data de Julgamento: 06/05/2020, QUINTA TURMA RECURSAL DO RS).

ADMINISTRATIVO. AUXÍLIO MORADIA. MÉDICO RESIDENTE. LEI 12.514/11. DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. CONVERSÃO EM PECÚNIA. CARÁTER PRECÁRIO. ADICIONAL DE COMPENSAÇÃO PREVIDENCIÁRIA.

Os médicos-residentes, mesmo após a vigência da lei 10.405/02, têm direito à alimentação e alojamento no decorrer do período da residência, sendo que, diante do descumprimento desta obrigação de fazer pela parte ré, deve ser convertida em pecúnia mediante fixação de indenização, por arbitramento.

A afirmação da parte ré no sentido de que oferece locais de descanso durante o período em que os residentes estão prestando as atividades estritas do programa de residência não é suficiente para afastar a obrigação, na medida em que tal disponibilidade não tem o caráter de moradia, mas sim de garantia de "condições adequadas para repouso e higiene pessoal", previstas no art. 4º, § 5º, I, da lei 6.932/81, na redação vigente à época.

O valor da indenização a ser fixado em casos como este demanda a análise de elementos fático-probatórios a fim de garantir 'resultado prático equivalente' ao auxílio devido.

A sentença merece reforma para julgar procedente o pedido de pagamento de auxílio-moradia no período em que a recorrente participar do programa de residência médica, fixando-se o valor mensal no percentual de 30% sobre o valor da bolsa-auxílio paga ao médico-residente. (...)

(TRF-4 - RECURSO CÍVEL: 50160657520204047100 RS 5016065-75.2020.4.04.7100, Relator: JOANE UNFER CALDERARO, Data de Julgamento: 26/03/2021, QUINTA TURMA RECURSAL DO RS)

Destacamos, também, que a obrigação de pagar independe de qual seja a esfera da Administração Pública responsável pelo hospital. Mesmo se tratando de uma lei Federal, ela é válida para todos os entes da federação, de forma o direito ao auxílio moradia é garantido a quaisquer entes públicos (Estados, Municípios, autarquias e fundações), mesmo que não haja qualquer previsão de leis locais. Portanto, se o médico é, ou foi, residente em qualquer destas instituições, o direito ao auxílio moradia persistirá.

O ideal é que o médico esteja acompanhado de um advogado com atuação especializada no assunto. Uma ação judicial bem construída será suficiente para que o profissional médico tenha grandes chances de obter êxito no Tribunal, uma vez que existe farta jurisprudência favorável, no sentido de reparar o descumprimento deste direito, que pode ter gerado prejuízos.

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1 Redação do art. 4º, § 5º da Lei Federal nº 6.932/1981:

“Art. 4º. Ao médico-residente é assegurado bolsa no valor de R$2.384,82 (dois mil, trezentos e oitenta e quatro reais e oitenta e dois centavos), em regime especial de treinamento em serviço de 60 (sessenta) horas semanais. 

(...)

§ 5º A instituição de saúde responsável por programas de residência médica oferecerá ao médico-residente, durante todo o período de residência:

I - condições adequadas para repouso e higiene pessoal durante os plantões;

II - alimentação; e

III - moradia, conforme estabelecido em regulamento. 

Evilasio Tenorio da Silva
Advogado com mais de uma década de atuação. Atuação especializada em Direito da Saúde, Civil, Societário e Empresarial. Consultor. Fundador do Tenorio da Silva Advocacia.

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