Eu não sou velho, nem novo. Estou no meio do caminho da minha vida, como diria Dante. Me encontro no mesmo patamar quanto ao tempo da minha existência em relação aos vizinhos do condomínio em que vivo. Há pouca diferença de idade entre nós, ao contrário de outros condomínios mais distantes, nos quais alguns dos seus moradores poderiam ser incluídos na conta do Matusalém. E quanto à sabedoria aprendi a duras penas que idade não importa. Não é por ser velho que se é sábio e não é por ser novo que se é ignorante. Minha própria experiência me mostrou isso tardiamente, a par do que aprendi olhando os outros. Mas isso é hoje, meu passado foi muito diferente.
Bem que meus amigos me avisaram, mas eu jamais liguei para eles. Bons conselhos quase sempre são desprezados e eu não fugi à regra. Continuei teimoso. Quanto mais que me alertavam do meu caminho errado, no meu caminho errado mais eu os ignorava. Eu adotava o modo de viver que outros haviam seguido, sem me deter na constatação de que muitos deles foram totalmente desastrosos, no passado mais distante ou mais próximo. Não, dizia eu comigo mesmo, o modelo que eu seguia não estava errado. Errado foi a maneira de implantá-lo pelos outros, logro em que eu não cairia. Ledo engano como percebi depois.
Eu penso que era uma teimosia muito forte, orientada pelos meus preconceitos. De onde eles vieram eu não sei dizer. Talvez algum tipo de genes deturpados do meu DNA, que não permitiam uma revisão corretiva interna que as experiências ao longo de muitos anos não lhe davam lugar. Eu somente agia com base nas minhas próprias avaliações, jamais aceitando qualquer tipo de crítica. E seguia adiante, sempre queimando as pontes que ficavam para trás.
Todos os sentimentos pessoais eu experimentava sozinho, sem dividir com ninguém. Minhas memórias também eram queimadas. Todos os que se interessavam realmente por mim, pelos meus problemas, para eles eu fechava as portas e continuava queimando pontes, perdidas para todo o sempre.
Gastei todo o meu dinheiro e me endividei. E pagava cada vez mais caro para poder renovar o meu crédito e poder gastar ainda mais. E não era somente eu a gastar sem limites, todos os da minha casa agiam do mesmo jeito. E não eram despesas necessárias. Eu as fazia com todo o tipo de quinquilharias que estivessem na moda. Não aja assim, diziam os meus amigos, mas eu não ligava e continuava gastando. Sempre queimando as pontes que ficavam para trás.
Para conseguir o que eu queria eu agradava muitas pessoas com presentes e favores, esperando retribuição. Mas depois eu descobri que eram tão somente interesseiros, sem qualquer lealdade para com quem os alimentou fartamente durante muito tempo. Depois que o meu dinheiro se acabou eles se afastaram de mim. Muito tarde eu vi que as fontes não eram inesgotáveis, que um dia acabariam e que eu ficaria por minha própria conta, endividado, irrealizado e isolado
Durante todo o tempo os meus verdadeiros amigos me indicaram caminhos adequados para trilhar. Mas eu não os ouvia. Eu sempre fechava as portas para eles. Sempre queimando as pontes que ficavam para trás.
Passados muitos anos eu me coloquei a pensar e percebi como havia sido tolo. Eu entendi que perdera o que podia ter ganho. Vi que devia ter ouvido os meus amigos, aqueles que o eram de verdade. Mas eu havia fechado todas as portas. Não havia como voltar.
E, como o alcoólatra inveterado, muitas vezes eu me arrependia e dizia que iria dar um jeito na minha vida. Mas eu sempre recaia no meu vício de estroina irremediável, em repetidas crises. Assim eu gastei o passado, o presente e o futuro. E o futuro ingrato não será meu. Será de vocês, meus herdeiros. Isto porque quase nada do que eu gastei rendeu qualquer fruto.
Tinha queimado pontes para todo o sempre!
Ah! Esqueci de dizer. O meu nome é Brasil1.
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1 Texto inspirado na canção “Burning Bridges”, de Lalo Schifrin e Mike Curb, do Filme “Kelly’s Heroes” de 1970 (“Os Guerreiros Pilantras”), estrelado por Clint Eastwood e Telly Savalas, entre outros artistas.