Migalhas de Peso

Cliente de escritório de advocacia se transformou em consumidor

A grande evolução ocorrerá quando os seus gestores mudarem a postura de seu negócio para empresas prestadoras de serviços jurídicos e tratarem seus clientes como consumidores.

7/12/2022

Vamos começar verificando as definições dos verbetes constantes no dicionário Huaiss:

CLIENTE: pessoa que confia a defesa de seus interesses ou direitos a um advogado, procurador ou tabelião; indivíduo que contrata serviços ou adquire mercadorias mediante pagamento; comprador, freguês; pessoa que consulta habitualmente o mesmo médico, dentista etc.

CONSUMIDOR: que ou o que consome; que ou aquele que adquire mercadorias, riquezas e serviços para uso próprio ou de sua família; comprador, freguês, cliente.

A primeira análise que podemos fazer é que, apesar de serem quase sinônimos, a definição de cliente sugere na sua interpretação um relacionamento habitual existente entre o fornecedor e o consumidor e de uma certa fidelidade perante o primeiro, ao passo que a palavra consumidor sugere o simples ato do consumo pontual do produto. Como estamos analisando a relação de escritórios de advocacia e seus clientes, vou adotar o conceito de prestador de serviços no lugar de fornecedor que é muito mais crítico.

Outro aspecto importantíssimo que deve ser levado em consideração diz respeito a comportamentos puramente psicológicos: a tolerância e a acomodação. A relação de consumo pontual é muito mais impessoal (sem praticamente nenhum envolvimento entre consumidor e fornecedor), com muito mais liberdade de escolha entre fornecedores e também por praticamente nenhuma tolerância a falhas ou defeitos.

Quando vamos de escolher e comprar um bem de consumo, fazemos nesta ordem:

  1. Analisamos primeiramente as características que queremos;
  2. Depois partimos para a escolha do fornecedor (tudo isso muito facilitado pela internet e motores de busca) e
  3. Por fim na hora da escolha, se for presencial, escolhemos a peça que não tenha qualquer minúsculo defeito (risco, sujeira, marcas de uso, etc. (descartando mesmo aquelas que ainda têm a capacidade de nos atender funcionalmente mas que a estética esteja comprometida). Se for aquisição por e-commerce só aceitamos aqueles fornecedores que permitem devolução, trova ou restituição por defeito.

A relação de prestador de serviços e cliente é  mais prolongada, existindo um envolvimento maior entre as partes com menor liberdade de escolha, pois pressupõe a necessidade de rompimento de algum contrato.

Por conta dessas características, acaba havendo uma certa tolerância do cliente a pequenos “deslizes” por parte do prestador e também uma acomodação nest relação e é exatamente aí que mora o perigo. Essa tolerância do cliente (comparada àquela do consumo pontual) acaba gerando uma acomodação do prestador e como consequência,  a diminuição lenta e as vezes imperceptível da qualidade dos serviços prestados que pode, a médio / longo prazo acarretar a perda do cliente.

Cito aqui uma situação atribuída (escrita por autor desconhecido) a Sam Walton, fundador do Wall-Mart e considerado um mago do conhecimento comportamental dessa relação entre fornecedor e cliente.

Anos atrás, Sam Walton, fundador da maior rede de varejo do mundo, a Wal-Mart, abriu um programa de treinamento para seus funcionários, com muita sabedoria.

Quando todos esperavam uma palestra sobre vendas e atendimento, ele iniciou com as seguintes palavras:

"Eu sou o homem que vai a um restaurante, senta-se à mesa e espera pacientemente, enquanto o garçom faz tudo, menos anotar meu pedido.

“Eu sou o homem que vai a uma loja e espera calado, enquanto os vendedores terminam suas conversas particulares.

Eu sou o homem que entra num posto de gasolina e nunca usa a buzina, mas espera pacientemente que o empregado termine a leitura do seu jornal.

Eu sou o homem que explica sua desesperada urgência por uma peça, mas não reclama que a recebe somente após três semanas de espera.

Eu sou o homem que, quando entra num estabelecimento comercial, parece estar pedindo um favor, implorando por um sorriso ou esperando apenas ser notado.

Você deve estar pensando que eu sou uma pessoa quieta, paciente, do tipo que nunca cria problemas... Engana-se. Sabe quem eu sou?

Eu sou o cliente que nunca mais volta!

Divirto-me vendo milhões gastos todos os anos em anúncios de toda ordem, para levar-me de novo à sua empresa. Sendo que quando fui lá pela primeira vez, tudo o que deveriam ter feito era apenas uma pequena gentileza, simples e barata: tratar-me com um pouco mais de cortesia.

Só existe um chefe: o CLIENTE.

E ele pode demitir todas as pessoas da empresa, do presidente ao faxineiro, simplesmente levando o seu dinheiro para gastar em outro lugar".

No atual estágio do mercado jurídico, trazendo a conversa para este universo, é fundamental que todo escritório de advocacia comece a tratar seus clientes como consumidores e saiam da zona de conforto!

Para exemplificar cito as duas principais dificuldades (existem outras) para a implantação desse conceito e da mudança comportamental:

Primeiro, o fato dos líderes gestores de escritórios se recusarem a admitir que seus negócios são empresas! As frases “escritório de advocacia não é empresa” ou “a profissão não tem objetivo mercantilista” são absolutamente desatualizadas e remetem a um tempo quando a relação advogado-cliente era muito diferente da atual relação.

Segundo, o fato dos escritórios não estarem muito acostumados à concorrência nem à volatilidade de clientes. Esse mercado (de escritórios corporativos) ainda é razoavelmente pequeno, conta com relativamente poucos “players”, mas isto está mudando rapidamente.

A grande evolução de qualquer escritório ocorrerá quando os seus gestores mudarem  a postura de seu negócio para “empresas prestadoras de serviços jurídicos” e tratarem seus clientes como consumidores.

Aqueles que não adotarem essa nova ordem estarão correndo o risco de perderem suas posições e serem engolidos por aqueles que o farão!

José Paulo Graciotti
Consultor, sócio e fundador da GRACIOTTI Assessoria Empresarial.

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