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A relevância dos precedentes na análise econômica da litigância

O presente trabalho tem como escopo analisar os custos envolvidos em um processo judicial e como um sistema de precedentes vinculantes pode auxiliar na minoração destes prejuízos, ao mesmo tempo que desestimula a litigância.

2/12/2022

INTRODUÇÃO

É interessante notar que a análise da racionalidade do processo pode ser estudada através de diversos enfoques, que não exclusivamente o jurídico. Especialmente no que tange à Economia, ela traz uma importante contribuição na avaliação dos meios pelos quais o processo pode ser literalmente otimizado. 

Não diretamente no sentido de uma prestação jurisdicional mais qualificada, mas no que tange à diminuição do número de demandas. É claro que um menor número de processos poderia contribuir para a qualidade da atividade jurisdicional, mas o que se pretende ressaltar é que a análise econômica do direito traz mecanismos para enfrentar de modo mais direto a questão da diminuição ou incentivo à litigância. 

Porque se vislumbrarmos os litigantes sob o enfoque econômico, veremos que eles são verdadeiros agentes econômicos racionais, na medida em que qualquer pessoa em sã consciência só ajuizará uma ação se o custo/benefício for favorável. 

Evidentemente, ninguém pretende gastar mais com o processo do que espera ganhar com ele, e gastos aqui não se resumem às custas processuais, obviamente, mas aos honorários, tanto do próprio advogado como da sucumbência, a incerteza sobre o resultado, o tempo gasto pelo processo, etc.. Todos estes são fatores que influenciam e integram esse “cálculo” do custo/benefício do processo. 

Nesse sentido, é possível realizar uma análise econômica de diversos aspectos processuais, como da sucumbência, da distribuição do ônus da prova, dos julgamentos, dos acordos e também dos precedentes. A análise deste viés econômico dos precedentes, aliás, é muito comum na comparação da eficiência econômica do processo entre os sistemas de Common Law e Civil Law.

Entretanto, não é este o propósito do presente trabalho. A intenção é demonstrar em que medida um sistema de precedentes vinculantes auxilia na otimização da prestação jurisdicional, incentivando ou não o ajuizamento de demandas. 

Em princípio, por meio de uma análise econômica interna do processo, serão estudados alguns fatores que compõem o custo da ação, propiciando um panorama geral para aferição do impacto econômico de uma lide. 

Posteriormente, abordaremos o aspecto mais externo da lide, chegando aos meios pelos quais, com base nas informações obtidas com os eventuais custos do processo, é possível incentivar ou não a litigância, especificamente no que tange a um sistema vinculante de precedentes.

Por fim, apresentaremos as conclusões que poderemos extrair destas ideias ao verificar se os precedentes realmente poderão auxiliar ou não na diminuição do ajuizamento de ações. 

2 ANÁLISE INTERNA

Para realizar uma análise econômica do processo é preciso ter em mente quais os parâmetros de cálculo dos seus custos e quais são estes custos. Custo este denominado pela doutrina como Custo Social do Processo. Evidentemente, o objetivo econômico é minorar ao máximo este custo. 

Nesse sentido, os parâmetros são basicamente dois: custo administrativo e custo dos erros. O custo administrativo diz respeito a todos os custos que envolvem o processo (custas judiciais basicamente). Custos dos erros diz respeito ao erro das decisões. Decisões que são tecnicamente erradas e geram custo em razão da necessidade de recurso e/ou porque distorcem os incentivos das condutas dos jurisdicionados. 

Nesse sentido, Robert Cooter e Thomas Ulen lecionam que: 

Da mesma maneira, uma medida simples dos custos sociais do processo jurídico ajuda a orientar a análise das regras e práticas processuais. Para desenvolver uma medida simples, considere as regras processuais como instrumentos para a aplicação do direito substantivo. O uso dos instrumentos tem seu custo, chamado ‘custo administrativo’ (...) Além disso, a utilização desses instrumentos pode causar erros na aplicação do direito substantivo. Por exemplo, a parte errada pode ser responsabilizada, ou a parte certa pode ser responsabilizada pela quantia errada. Os erros distorcem os incentivos e impõem diversos custos à sociedade.1

No entanto, é necessário destacar que o custo dos erros não são fáceis de mensurar. Eles exigem um padrão de perfeição que é difícil de ser averiguar. Em regra é preciso analisar a jurisprudência de determinado tribunal para identificar este padrão e daí extrair um parâmetro de aferição. 

Consoante Ejan Mackaay e Stéphane Rousseau:

O erro judiciário pode atenuar as funções preventiva e indenizatória da responsabilidade civil. Um bom número de regras, embora aumentem o custo do procedimento, parece ter sido ideado para diminuir esse risco. Assim, por exemplo, a regra da melhor prova e do impedimento da prova por ouvir dizer; da obrigação de apresentar testemunhas e do direito da parte contrária de as interrogar; do direito de apelar; da imparcialidade da justiça, o que obriga o juiz a se considerar impedido se houver possível conflito de interesse.2

Ou seja, a diferença entre a sentença com informações perfeitas (padrão identificado no tribunal analisado) e a sentença real é igual ao tamanho do erro do tribunal em relação ao resultado de determinada ação. 

A soma destes parâmetros, então, vai dar como resultado o custo social do processo. Evidentemente, a análise a ser feita pelo litigante é se este custo social é menor ou maior do que o valor por ele esperado com a vitória no processo. 

Se o valor esperado é maior ou igual ao custo do processo, ele vai decidir ajuizar a ação. Agora, se o valor esperado é menor do que o custo do processo, ele vai decidir não ajuizar a ação. 

Nesse sentido, Robert Cooter e Thomas Ulen: 

Para apresentar uma petição, o autor da ação normalmente contrata um advogado e paga taxas ao tribunal. A apresentação de uma petição cria uma reivindicação judicial. Para decidir se deve ou não iniciar um processo, o autor racional de ações compara o custo da petição ao valor esperado da reivindicação. O valor esperado da reivindicação judicial depende do que o autor da ação acha que vai acontecer depois da petição ser apresentada.3

Analisando a questão sob uma perspectiva macro, é possível identificar mais um fator de incentivo ou não ao ajuizamento das demandas, que é a causa de processos. Este fator, aliás, está intimamente ligado a questão do custo dos erros. 

A variação destes fatores (causa de processos, custo do processo e valor esperado pelo processo) influenciará diretamente o número de demandas. Evidentemente, o número de demandas aumentará, por exemplo, se as causas de processos também aumentarem, se o custo do processo diminuir e se o valor esperado subir.

Joao Maximo Rodrigues Neto
Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS (2005); Especialização em Processo Civil - Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS (2012).

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