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A negociação e a dispensa em massa – O fim é o dissídio

Importante dizer que a crítica não é referente à necessidade ou não de negociação em uma situação de desligamento em massa, mas a forma como a legislação tem sido interpretada.

2/12/2022

Um debate intenso se instaurou no país no início da pandemia quando a conhecida Churrascaria Fogo de Chão promoveu o desligamento em massa de colaboradores sem prévia negociação sindical.

Em suma, a primeira tese defendida por alguns especialistas era de que a negociação com Sindicato não era obrigatória, com base no art. 477-A, da CLT:

“Art. 477-A.  As dispensas imotivadas individuais, plúrimas ou coletivas equiparam-se para todos os fins, não havendo necessidade de autorização prévia de entidade sindical ou de celebração de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho para sua efetivação.”  

Portanto, em uma análise literal do artigo acima, a negociação coletiva não era requisito para a dispensa em massa dos trabalhadores, tendo em vista que o artigo menciona sobre a desnecessidade de autorização prévia ou de acordo coletivo para efetivação.

Por outro lado, a segunda tese proposta por outra corrente defendia uma análise aprofundada das consequências da dispensa coletiva ao afirmar que a previsão do art. 477-A da CLT agredia diversos princípios constitucionais, tais como, o da justiça social, da subordinação da propriedade à sua função social, da valorização do trabalho e do emprego, além do princípio da dignidade da pessoa humana.

As duas correntes foram adotadas no mesmo episódio ocorrido na Churrascaria, quando houve decisões divergentes por Juízes de primeira instância em São Paulo e Rio de Janeiro, pois no primeiro caso houve o entendimento de que não havia necessidade de intervenção do Sindicato e no segundo caso a dispensa em massa foi considerada ilegal em razão da ausência de intervenção.

Esses processos ainda não foram julgados pelo Supremo Tribunal Federal, porém, no dia 08/06/22, ocorreu o julgamento de caso semelhante referente ao Recurso Extraordinário  999435 e definido como Tema de Repercussão Geral 638:

"A intervenção sindical prévia é exigência procedimental imprescindível para a dispensa em massa de trabalhadores, que não se confunde com autorização prévia por parte da entidade sindical ou celebração de convenção ou acordo coletivo"

Como fundamento da tese, o redator do voto prevalecente Ministro Edson Fachin citou que “a Constituição da República de 1988, ao estabelecer a participação obrigatória do sindicato para a validade do processo negocial, também é reforçada pelas normas da Organização Internacional do Trabalho, como a Convenção 154, sobre o incentivo à Negociação Coletiva, e a Convenção 98, sobre a aplicação dos princípios do direito de organização e de negociação coletiva, especialmente diante de situações de grande repercussão como é o caso da dispensa em massa de trabalhadores.”

Sendo assim, o Supremo Tribunal Federal decidiu pela exigência de tratativas com o Sindicato para a validação da dispensa em massa.

Porém, houve um claro esforço argumentativo para propor a intervenção prévia do Sindicato em casos de dispensa em massa, contrariando a clarividente previsão do art. 477-A da CLT.

Em uma análise pragmática, a previsão do citado artigo não admite interpretação diversa, mas, com todo o respeito, houve a intervenção do poder judiciário em texto expresso de lei, sem que houvesse sequer declaração de inconstitucionalidade, o que reforça a insegurança jurídica.

Quanto ao viés prático e sem o costumeiro “juridiquês”, o Supremo Tribunal Federal exigiu que exista intervenção sindical em uma tentativa de “solução amigável” com a empresa para a proteção dos direitos fundamentais dos trabalhadores.

Ocorre que aqueles que atuam com negociação sindical sabem que o processo negocial é extremamente complexo por natureza.

E em uma situação crítica, na qual o empregador está com graves problemas financeiros, de um lado, o que motivou a redução em massa do quadro de funcionários, e, de outro lado, um Sindicato, que muitas vezes, não tem representatividade perante os trabalhadores, a negociação não terá muitas chances de êxito.

Não havendo êxito na negociação, poderemos, como de costume, nos deparar com um dissídio coletivo (vide art. 616 da CLT), que nada mais é que a judicialização da negociação entre Sindicato dos Trabalhadores e Empresa, a ser decidida novamente pelo poder judiciário.

Nem se pode dizer que no caso não é viável a instauração do dissídio coletivo, pois a intervenção sindical autorizada pelo STF é exatamente para negociar e, consequentemente, ao final, celebrar um acordo coletivo com a empresa para amenizar os efeitos do desligamento em massa. Caso não se tenha êxito, é possível a instauração do dissídio pelo Sindicato.

Importante dizer que a crítica não é referente à necessidade ou não de negociação em uma situação de desligamento em massa, mas a forma como a legislação tem sido interpretada.

No caso, uma previsão expressa da lei específica (CLT), que certamente não comporta uma análise subjetiva, acabou sendo invalidada sem que houvesse alteração na lei ou declaração de sua inconstitucionalidade.

Portanto, voltamos ao “mais do mesmo” no País, tendo em vista a insegurança jurídica pelo atropelo das leis vigentes com a consequente judicialização das demandas que poderiam ser resolvidas de outra forma.

Henrique Tunes Massara
Sócio do escritório Cunha Pereira e Massara - Advogados Associados.

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