Migalhas de Peso

A “Cama de Procusto”: da mitologia grega à realidade tupiniquim

Uma licença poética pela proteção da democracia.

29/11/2022

Com a vitória da seleção no primeiro jogo da copa do mundo (24/11), parece ter sido possível reviver o clima de união, alegria e festividade tão peculiares ao povo brasileiro.

Os dois gols contra o time da Sérvia foram uma espécie de “extrema unção” – sacramento conferido ao católico para enfrentar uma doença grave –, àqueles “enfermos políticos” que a “epidemia” do último outubro acometeu.

Isso porque, inúmeros foram os casos, causos e acasos do “pós-eleição”. Insuportáveis, também, as manobras e jogadas – muitas delas inacreditáveis, diga-se de passagem –, de tentar reverter o que o sufrágio popular decidiu.

Assim, diante dos extremados “polos das ruas” tão desgastados pelo nocivo sentimento passional (e visceral) que a disputa presidencial causou a muitos cidadãos, paira a reflexão acerca do assombroso “Mito da Cama de Procusto”.

Na mitologia grega, Procusto era um criminoso que vivia em uma floresta e que, ao perceber algum viajante passando pelo local, amistosamente oferecia hospedagem e abrigo. Assim, o exausto peregrino poderia descansar e seguir viagem no dia seguinte. Contudo, por trás da gentil proposta residia um intento macabro.

Conta a história que Procusto oferecia uma cama de ferro para seus hóspedes deitarem e, durante o repouso noturno, ele amordaçava e amarrava suas vítimas no leito. Desse modo, se eventualmente a pessoa fosse maior que a cama, Procusto cortava os pés e a cabeça da vítima. Já se a pessoa fosse menor, o anfitrião quebrava os ossos do convidado e esticava seu corpo a fim de ajustá-lo às dimensões da sua cama.

O detalhe mitológico é que Procusto escondia uma segunda cama de tamanho diferente da primeira. Logo, ninguém nunca iria se adaptar às medidas impostas por Procusto, pois ele direcionava a vítima conforme suas vontades vãs.

A título de curiosidade e desfecho da história, Procusto durante muito tempo tentou adequar as medidas das pessoas àquelas que ele julgava ideais. Até o dia em que foi descoberto, capturado e condenado às mesmas atrocidades que ele produzira aos inocentes viajantes arrebanhados por ele.

Desta feita, percebe-se que essa imposição de padrão, vontade e comportamento – obrigando algo ou alguém a se adaptar às próprias vontades previamente estabelecidas –, evidencia uma das mais repugnantes condutas humanas: a intolerância!

Não à toa, muitos atos ou manifestações desrespeitosas à democracia e afrontosas à Constituição e ao Estado Democrático de Direito, escracham o desprezo pelas convicções alheias pelo único fato de serem contrárias às suas; assim como Procusto.

Que venha o Hexa e a serenidade de dias melhores para que, nas palavras do, também Mito Erasmo Carlos, escolhamos a primeira parte da música, pois “Quem espera que a vida, seja feita de ilusão. Pode até ficar maluco ou morrer na solidão. É preciso ter cuidado, pra mais tarde não sofrer. É preciso saber viver.”

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GRIMAL, Pierre. Dicionário da Mitologia Grega e Romana. Bertrand Brasil; 7ª edição (24 junho 1993), p.396.

MÉNARD, René (1997). Mitologia Greco-Romana 5a ed. São Paulo: Opus Editora

MENNA BARRETO, Ricardo de Macedo (2011). Do Leito de Procusto à discricionariedade judicial: as implicações do solipsismo filosófico para o direito e sua superação pela hermenêutica jurídica. Prisma Jurídico, p. 445.

NASCENTES, Antenor. Tesouro da Fraseologia Brasileira. Editora Nova Fronteira (1986), p.164.

Thiago de Miranda Coutinho
Especialista em Inteligência Criminal. Agente de Polícia Civil em SC há mais de 10 anos, graduando em Direito (Univali), Jornalista e Coautor de 3 Livros.

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