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A indispensabilidade da notória especialização nas contratações de escritórios de advocacia na lei 14.133/20

Um dos pontos que merece destaque, e que é objeto de divergências e encômios tanto nos Tribunais de Contas quanto no Judiciário brasileiro, é a possibilidade de contratação de escritórios de advocacia pela Administração Pública.

22/11/2022

A nova de Lei de Licitações - lei federal 14.133, de 1º de abril de 2020 – foi promulgada com o intuito claro de desburocratizar os procedimentos licitatórios em todo o país, bem como trazer maior publicidade e isonomia nos processos de contratações públicas pelos entes federados.

Vale lembrar que a nova lei institui, inclusive, o chamado Portal Nacional de Contratações Públicas – PNCP para que todos os atos do procedimento administrativo licitatório estejam disponíveis para consulta para qualquer pessoa, até mesmo para se garantir a impessoalidade nas contratações e a lisura do processo licitatório.

Ademais, um dos pontos que merece destaque, e que é objeto de divergências e encômios tanto nos Tribunais de Contas quanto no Judiciário brasileiro, é a possibilidade de contratação de escritórios de advocacia pela Administração Pública.

Deixa-se claro que não se descarta a possibilidade de contratações de escritórios de advocacia mesmo com o advento da nova Lei de Licitações, mas deve ser levado em consideração que tais contratações devem seguir rito específico previsto pela própria lei, e que sejam preenchidos requisitos atinentes a tais contratações, especialmente o requisito da notória especialização.

A própria lei traz o conceito de serviço especializado em seu art. 6º, inciso XIX, dispondo que se trata de “qualidade de profissional ou de empresa cujo conceito, no campo de sua especialidade, decorrente de desempenho anterior, estudos, experiência, publicações, organização, aparelhamento, equipe técnica ou outros requisitos relacionados com suas atividades, permite inferir que o seu trabalho é essencial e reconhecidamente adequado à plena satisfação do objeto do contrato”.

Em seguida, a própria lei deixa expresso em seu art. 74 que os serviços especializados são espécies de serviços em que é possível a inexigibilidade de licitação, elencando em rol aberto alguns dos serviços possíveis de serem contratados desta forma.1

Pois bem. Perceba-se que o fato de ser notória especialização não prescinde de plena demonstração pelo contratado do cumprimento de tal requisito, inclusive para que não seja vilipendiado o princípio da ampla concorrência, bem como a impessoalidade que deve nortear as contratações da Administração Pública.

Não é por menos que o §4º do dispositivo anteriormente mencionado dispõe que “é vedada a subcontratação de empresas ou a atuação de profissionais distintos daqueles que tenham justificado a inexigibilidade”. Não fosse assim, estar-se-ia diante de contraditio in terminis, em que haveria uma “especialização-não especialização”.

A notória especialização deve ser demonstrada por meio de reconhecimento, seja local, regional ou nacional de relevância dos serviços prestados em determinado campo jurídico, e ainda que o escritório de advocacia contratado possui experiências pretéritas inúmeras sobre aquele mesmo tema ou assunto.

 A execução de serviços jurídicos ordinários, tais como a propositura de ações judiciais cotidianas como Execuções Fiscais ou possessórias, ou até mesmo a atuação em recursos extraordinários nas instâncias superiores não configura hipótese em que permitida a contratação de escritórios de advocacia.

Há jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça enfatizando a ocorrência de crime licitatório verificado o dolo de agir e a conduta de burlar a exigência de licitação. Veja-se:

PENAL. PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. DISPENSA INDEVIDADE DE LICITAÇÃO E PECULATO. TRANCAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. PRESENÇA DE ELEMENTOS MÍNIMOS A EMBASAR A EXORDIAL ACUSATÓRIA QUE, ADEMAIS, ATENDE AOS REQUISITOS DO ART. 41 DO CPP. PRESENÇA DE JUSTA CAUSA DA PERSECUÇÃO PENAL. PARECER MINISTERIAL PELA CONTINUIDADE DA AÇÃO PENAL.

I - A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Pretório Excelso, sedimentou orientação no sentido de não admitir habeas corpus em substituição ao recurso adequado, situação que implica o não conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja possível a concessão da ordem de ofício.

II - Cumpre asseverar a impossibilidade deste Sodalício analisar alegação não submetida previamente ao Tribunal a quo, sob pena de indevida supressão de instância. Dessarte, verifica-se da leitura do acórdão recorrido que tese de que não se pode confundir a responsabilidade do ordenador de despesa com a de consultor jurídico, ora paciente, não foi objeto de debate pela Corte de origem, o que obsta o conhecimento por este Tribunal. Precedentes.

III - O trancamento da ação penal constitui medida de exceção, justificada apenas quando comprovadas, de plano, sem necessidade de análise aprofundada de fatos e provas, inépcia da exordial acusatória, atipicidade da conduta, presença de causa de extinção de punibilidade ou ausência de indícios mínimos de autoria ou de prova de materialidade. No que concerne à justa causa, ressalte-se que o trancamento da ação somente se justifica se configurada, de plano, por meio de prova pré-constituída, diga-se, a inviabilidade da persecução penal.

IV - In casu, verifica-se que a Corte invocou fundamentos para determinar o prosseguimento da ação penal pela suposta prática dos delitos previstos no art. 89 da lei 8666/93 e 312 do CP que estão em sintonia com o entendimento deste Sodalício cuja jurisprudência se consolidou no sentido de que, ainda que o art. 74, inc. III, da lei 14.133/21 tenha suprimido a exigência de singularidade do serviço de advocacia, é necessária a comprovação da notória especialização do agente contratado, o que não ocorreu no presente caso. Com efeito, colhe-se do acórdão recorrido que "a denúncia descreve o dolo específico relativo ao crime previsto no art. 89 da lei 8.666/93 ao mencionar que os recorridos concorreram para a dispensa indevida de licitação, sob o fundamento de notória especialização do profissional (art. 25, inciso II, daquela Lei Extravagante), muito embora o escritório de advocacia contratado não contasse com tal característica" (fl. 49).

V - Outrossim, verifica-se que a exordial acusatória atende aos requisitos previstos no art. 41 do CPP, na medida em que descreve de forma bastante minudente a conduta do paciente e corréus da ação penal, além de demonstrar o elemento subjetivo dos tipos penais e a existência de prejuízo ao erário, conforme exigência deste Sodalício. Assim, para se entender de forma contrária, ainda mais nessa fase processual, seria necessária indevida incursão no acervo fático-probatório dos autos, providência incompatível com a via eleita. Precedentes.

Habeas Corpus não conhecido.

(HC 714.064/SP, relator Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do Tjdft), Quinta Turma, julgado em 8/3/2022, DJe de 14/3/2022.)

Em adendo, o Tribunal de Contas da União, ainda com fundamento na lei 8.666/93, exarou que “A contratação direta de serviço de advocacia, por inexigibilidade de licitação, com suporte no permissivo contido no art. 25, inciso II, da lei 8.666/93, demanda não só a demonstração da notória especialização do profissional ou escritório escolhido, mas também a comprovação da singularidade do objeto da avença, caracterizada pela natureza 'excepcional, incomum à praxe jurídica' do respectivo serviço”.2

Portanto, para que sejam respeitados os mais de vinte princípios elencados pela nova lei de licitações, a contratação de escritórios de advocacia para a prestação de serviços à Administração Pública deve preencher os requisitos de notória especialização, bem como reconhecimento social e jurídico de tal especialização.

_________________________

1 a) estudos técnicos, planejamentos, projetos básicos ou projetos executivos;

b) pareceres, perícias e avaliações em geral;

c) assessorias ou consultorias técnicas e auditorias financeiras ou tributárias;

d) fiscalização, supervisão ou gerenciamento de obras ou serviços;

e) patrocínio ou defesa de causas judiciais ou administrativas;

f) treinamento e aperfeiçoamento de pessoal;

g) restauração de obras de arte e de bens de valor histórico;

h) controles de qualidade e tecnológico, análises, testes e ensaios de campo e laboratoriais, instrumentação e monitoramento de parâmetros específicos de obras e do meio ambiente e demais serviços de engenharia que se enquadrem no disposto neste inciso.

2 Acórdão 3924/2012-Segunda Câmara | Relator: JOSÉ JORGE. ÁREA: Licitação | TEMA: Inexigibilidade de licitação | SUBTEMA: Serviços advocatícios. Outros indexadores: Singularidade do objeto, Notória especialização. Publicado:  - Informativo de Licitações e Contratos nº 109.

Thiago Penzin
Mestre e graduado em Direito pela PUC MG. Pós-graduado em Direito Público e MBA em Advocacia Pública pela Unypública. Graduado em História pela UFMG. Procurador da Câmara Municipal de Itabirito/MG.

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