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Avanços na responsabilização pelos danos de cartel: Breve análise da lei nº 14.470/22

A responsabilização cível para as infrações à ordem econômica, dispostas pela Lei nº 12.529/11, sofreu alterações significantes pela Lei nº 14.470/22.

18/11/2022

A responsabilização cível para as infrações à ordem econômica, dispostas pela Lei nº 12.529/11, sofreu alterações significantes pela Lei nº 14.470/22. Com as modificações, quem for prejudicado por cartéis encontrará mais segurança para o ajuizamento de Ações de Reparação por Danos Concorrenciais (ARDC) gerados pelo cartel1. Duas novidades se destacam: a possibilidade de a indenização significar o dobro do prejuízo e as novas regras sobre prescrição.

Em relação à prescrição, houve a inclusão do art. 46-A e seus parágrafos 1º e 2º.  Com a nova redação, o prazo prescricional de 5 anos para que o prejudicado pela infração à ordem econômica ajuíze ARDC não correrá durante o curso do inquérito ou processo administrativo no âmbito do CADE (art. 46-A), mas somente a partir da ciência inequívoca do ilícito (art. 46-A, §1º), isto é, com a publicação do julgamento final do processo administrativo do CADE (art. 46-A, §2º).

As novas regras, portanto, seguem os vetores legais já consolidados nos Estados Unidos e União Europeia (conforme Clayton Act, §§ 4B c/c 5(i) e Diretiva de 2014).

A definição da publicação do julgamento final como ciência inequívoca do ilícito e, assim, o termo inicial da prescrição se revela como importante avanço para a legislação Antitruste brasileira ao passo que soluciona importante discussão já está presente tanto no judiciário quanto nas produções acadêmicas sobre o tema.

Por exemplo, logo em 20162, o CADE publicou estudo em que a proposta para o termo inicial seria por ocasião da decisão final do Plenário do Tribunal do CADE. De modo contrário, em 2022, a 34ª Câmara de Direito Privado do TJ-SP3 definiu, em sede de apelação, que o prazo prescricional para a ARDC teve início com a publicação da instauração do Processo Administrativo perante o CADE. Em outra ocasião, também em 2022, a 34ª Câmara entendeu4 que a decisão de arquivamento do Processo Administrativo em razão do Cumprimento de Termo de Compromisso de Cessação (TCC) não configura o termo inicial da prescrição.

Em face da breve contextualização de diversos entendimentos, o grande avanço das alterações trazidas pela Lei nº 14.470/22 não só implica na consolidação de entendimento sobre importante discussão, como permite maior segurança jurídica aos que buscam reparação pelos prejuízos causados por cartéis.

Referente ao direito de reparação, as alterações da Lei 14.470/22 adicionam quatro parágrafos ao art. 47, além do novo art. 47-A. Agora, adota-se o instituto do “double damages”, isto é, os prejudicados pelas condutas de cartel possuem direito de ressarcimento em dobro pelos prejuízos causados por cartéis, sem prejuízo das sanções aplicadas nas esferas administrativa e penal (art. 47, §1º).

Apesar desta previsão, não estão inclusos na hipótese de indenização dobrada os coautores de infração à ordem econômica que tenham assinado Acordo de Leniência ou TCC, cujo cumprimento tenha sido declarado pelo CADE. A sua responsabilidade será somente pelos prejuízos causados (art. 47, §2º), não incidindo sobre eles responsabilidade solidária pelos danos causados pelos demais autores da infração à ordem econômica (art. 47, §3º).

Além disso, a Lei 14.470/22 procura rebater a tese de repasse (pass-on defense) através do §4º do art. 47 que determina que o repasse do sobrepreço nos casos das infrações à ordem econômica previstas nos incisos I e II do § 3º do art. 36 da Lei nº 12.529/11 (condutas colusivas) não se presume, cabendo a prova ao infrator que o alegar (art. 47, §4º).

Do ponto de vista processual, a nova lei dispõe que, em seu art. 47-A, que a decisão do plenário do tribunal do CADE que comina multa ou imponha obrigação de fazer ou não fazer serve para fundamentar a concessão de tutela de evidência, o que permitirá ao juiz decidir liminarmente nas ações de reparação dispostas no art. 47.

Por fim, nota-se que, pelas considerações acima, a nova redação da Lei nº 12.529/11 se preocupa com a segurança jurídica acerca do termo inicial da prescrição, assim como procura dar mais ênfase à celebração dos Acordos de Leniência e TCCs ao impor indenizações em dobro para os agentes que não os celebrarem. Como resultado, tem-se a adoção de instrumentos para maior eficiência para a persecução concorrencial.

_______

1 § 3º As seguintes condutas, além de outras, na medida em que configurem hipótese prevista no caput deste artigo e seus incisos, caracterizam infração da ordem econômica:

I - acordar, combinar, manipular ou ajustar com concorrente, sob qualquer forma:

a) os preços de bens ou serviços ofertados individualmente;

b) a produção ou a comercialização de uma quantidade restrita ou limitada de bens ou a prestação de um número, volume ou frequência restrita ou limitada de serviços;

c) a divisão de partes ou segmentos de um mercado atual ou potencial de bens ou serviços, mediante, dentre outros, a distribuição de clientes, fornecedores, regiões ou períodos;

d) preços, condições, vantagens ou abstenção em licitação pública;

II - promover, obter ou influenciar a adoção de conduta comercial uniforme ou concertada entre concorrentes;

2 “ARTICULAÇÃO ENTRE AS PERSECUÇÕES PÚBLICA E PRIVADA A CONDUTAS ANTICOMPETITIVAS. ESTUDO DA EXPERIÊNCIA INTERNACIONAL E BRASILEIRA E PROPOSTAS REGULAMENTARES, LEGISLATIVAS E DE ADVOCACY A RESPEITO DAS AÇÕES DE REPARAÇÃO POR DANOS CONCORRENCIAIS (ARDC) E DO ACESSO A DOCUMENTOS DE ACORDOS DE LENIÊNCIA E DE TERMOS DE COMPROMISSO DE CESSAÇÃO (TCC) NO BRASIL”. Disponível aqui.

3 Apelação Cível nº 1000174-53.2021.8.26.0067. 34ª câmara de Direito Privado. Relator Desembargador L.G. Costa Wagner. Julgado em 9.5.2022.

4 Apelação Cível nº 1000180-60.2021.8.26.0067. 34ª câmara de Direito Privado. Relatora Desembargadora Lígia Araújo Bisogni. Julgado em 8.8.2022.

Alan Bittar Prado
Sócio da SPRB Advogados Associados e LLM em Competiton Law and Economics pela Brussels School of Competition.

Pedro Ache
Graduando pela Universidade de Brasília (UNB) e estagiário na SPRB Advogados Associados.

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