Introdução
A Constituição da República reconhece, no seu art. 6º, a educação como direito social, e no art. 23, inciso V, estabelece que é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação, à ciência, à tecnologia, à pesquisa e à inovação.
Além disso, a Carta Magna em seu art. 150, inciso VI, alínea “d”, dispõe que é vedado instituir impostos sobre livros, jornais, periódicos e o papel destinado à sua impressão.
Como nos lembra Walter Porto, foi Jorge Amado, um dos maiores escritores brasileiros e então deputado constituinte, quem apresentou a emenda que garantiu na Constituição de 1946 a imunidade de impostos aos livros, mantida na Constituição Cidadã.
A despeito da posição do economista Bernard Appy (um dos mentores da PEC 45 que propõe o fim da isenção prevista no art. 150, VI, d da Constituição) – corroborada pelo atual Ministro da Educação, Paulo Guedes – segundo o qual “Quem consome livro, na grande maioria, são pessoas de alta renda”, dados da FLUP (festa literária das periferias), demonstram que do público total do evento, 97% se declaram leitores frequentes de livros, 51% têm entre 10 e 29 anos, 72% são de não brancos e 68% pertencem às classes C,D e E.
E é justamente para garantir o acesso dessa parte da população que existe a necessidade de criação de políticas públicas relacionadas ao livro, à leitura e à literatura.
1- Da legislação pertinente ao acesso à leitura e à literatura.
Roberto Belo assevera que, no Brasil, essas políticas públicas são recentes, algumas a partir da década de 90, mas, sobretudo, a partir de 2000. O autor faz um apanhado dessa legislação, e algumas merecem ser destacadas.
O Programa Nacional de Incentivo à Leitura – PROLER, instituído pelo decreto 519, de 13 de maio de 1992, tem como objetivos promover o interesse nacional pelo hábito da leitura, estruturar uma rede de projetos capaz de consolidar, em caráter permanente, práticas leitoras e criar condições de acesso ao livro.
Em 2003 foi promulgada a lei 10.753, que institui a Política Nacional do Livro, trazendo importantes diretrizes, como:
I - assegurar ao cidadão o pleno exercício do direito de acesso e uso do livro;
II - o livro é o meio principal e insubstituível da difusão da cultura e transmissão do conhecimento, do fomento à pesquisa social e científica, da conservação do patrimônio nacional, da transformação e aperfeiçoamento social e da melhoria da qualidade de vida;
III - fomentar e apoiar a produção, a edição, a difusão, a distribuição e a comercialização do livro;
IV - estimular a produção intelectual dos escritores e autores brasileiros, tanto de obras científicas como culturais;
V - promover e incentivar o hábito da leitura;
VI - propiciar os meios para fazer do Brasil um grande centro editorial;
VII - competir no mercado internacional de livros, ampliando a exportação de livros nacionais;
VIII - apoiar a livre circulação do livro no País;
IX - capacitar a população para o uso do livro como fator fundamental para seu progresso econômico, político, social e promover a justa distribuição do saber e da renda;
X - instalar e ampliar no País livrarias, bibliotecas e pontos de venda de livro;
XI - propiciar aos autores, editores, distribuidores e livreiros as condições necessárias ao cumprimento do disposto nesta lei;
XII - assegurar às pessoas com deficiência visual o acesso à leitura.
Referida lei dispõe, ainda, no seu art. 13 que cabe ao Poder Executivo criar e executar projetos de acesso ao livro e incentivo à leitura, ampliar os já existentes e implementar, isoladamente ou em parcerias públicas ou privadas, ações em âmbito nacional para o desenvolvimento de programas de incentivo à leitura e para criação e execução de projetos voltados para o estímulo e a consolidação do hábito de leitura mediante revisão e ampliação do processo de alfabetização e leitura de textos de literatura nas escolas, bem como introdução da hora de leitura diária nas escolas.
Em 2011, foi criado o Plano Nacional do Livro e Leitura – PNLL, que consiste em estratégia permanente de planejamento, apoio, articulação e referência para a execução de ações voltadas para o fomento da leitura no País.
O PNLL tem como objetivos a democratização do acesso ao livro, a formação de mediadores para o incentivo à leitura, a valorização institucional da leitura e o incremento de seu valor simbólico e o desenvolvimento da economia do livro como estímulo à produção intelectual e ao desenvolvimento da economia nacional.
Segundo Roberto Belo:
O PNLL está estruturado em quatro eixos estratégicos e dezenove linhas de ação, a saber: 1) eixo estratégico I - democratização do acesso; 2) eixo estratégico II - fomento à leitura e à formação de mediadores; 3) eixo estratégico III - valorização institucional da leitura e de seu valor simbólico; e 4) eixo estratégico IV - fomento à cadeia criativa e à cadeia produtiva do livro. A partir desses eixos estabelecidos é possível visualizarmos uma política efetiva em prol do livro, da leitura e da literatura. O decreto é recente, por isso cabe a nós, cidadãos e cidadãs, exigir o cumprimento dele e contribuir, enquanto sujeito ativo no processo, com ações afirmativas que se somem à concretização dessa política pública.
E por fim, o ato normativo mais recente instituindo uma política pública relacionadas à leitura é a lei 13.696, de 12 de julho de 2018, que cria a Política Nacional de Leitura e Escrita como uma estratégia permanente para promover o livro, a leitura, a escrita, a literatura e as bibliotecas de acesso público no Brasil.
São diretrizes da Política Nacional de Leitura e Escrita:
I - a universalização do direito ao acesso ao livro, à leitura, à escrita, à literatura e às bibliotecas;
II - o reconhecimento da leitura e da escrita como um direito, a fim de possibilitar a todos, inclusive por meio de políticas de estímulo à leitura, as condições para exercer plenamente a cidadania, para viver uma vida digna e para contribuir com a construção de uma sociedade mais justa;
III - o fortalecimento do Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas (SNBP), no âmbito do Sistema Nacional de Cultura (SNC);
IV - a articulação com as demais políticas de estímulo à leitura, ao conhecimento, às tecnologias e ao desenvolvimento educacional, cultural e social do País, especialmente com a Política Nacional do Livro, instituída pela Lei nº 10.753, de 30 de outubro de 2003;
V - o reconhecimento das cadeias criativa, produtiva, distributiva e mediadora do livro, da leitura, da escrita, da literatura e das bibliotecas como integrantes fundamentais e dinamizadoras da economia criativa.
Os objetivos da referida norma são:
I - democratizar o acesso ao livro e aos diversos suportes à leitura por meio de bibliotecas de acesso público, entre outros espaços de incentivo à leitura, de forma a ampliar os acervos físicos e digitais e as condições de acessibilidade;
II - fomentar a formação de mediadores de leitura e fortalecer ações de estímulo à leitura, por meio da formação continuada em práticas de leitura para professores, bibliotecários e agentes de leitura, entre outros agentes educativos, culturais e sociais;
III - valorizar a leitura e o incremento de seu valor simbólico e institucional por meio de campanhas, premiações e eventos de difusão cultural do livro, da leitura, da literatura e das bibliotecas;
IV - desenvolver a economia do livro como estímulo à produção intelectual e ao fortalecimento da economia nacional, por meio de ações de incentivo ao mercado editorial e livreiro, às feiras de livros, aos eventos literários e à aquisição de acervos físicos e digitais para bibliotecas de acesso público;
V - promover a literatura, as humanidades e o fomento aos processos de criação, formação, pesquisa, difusão e intercâmbio literário e acadêmico em território nacional e no exterior, para autores e escritores, por meio de prêmios, intercâmbios e bolsas, entre outros mecanismos;
VI - fortalecer institucionalmente as bibliotecas de acesso público, com qualificação de espaços, acervos, mobiliários, equipamentos, programação cultural, atividades pedagógicas, extensão comunitária, incentivo à leitura, capacitação de pessoal, digitalização de acervos, empréstimos digitais, entre outras ações;
VII - incentivar pesquisas, estudos e o estabelecimento de indicadores relativos ao livro, à leitura, à escrita, à literatura e às bibliotecas, com vistas a fomentar a produção de conhecimento e de estatísticas como instrumentos de avaliação e qualificação das políticas públicas do setor;
VIII - promover a formação profissional no âmbito das cadeias criativa e produtiva do livro e mediadora da leitura, por meio de ações de qualificação e capacitação sistemáticas e contínuas;
IX - incentivar a criação e a implantação de planos estaduais, distrital e municipais do livro e da leitura, em fortalecimento ao SNC;
X - incentivar a expansão das capacidades de criação cultural e de compreensão leitora, por meio do fortalecimento de ações educativas e culturais focadas no desenvolvimento das competências de produção e interpretação de textos.
Conclusão
A criação do hábito de leitura e a difusão das obras literárias requer primeiramente o acesso amplo e universal da população aos textos. Como demonstrado, o Brasil possui atualmente um arcabouço legal que possibilita pôr em prática ações efetivas em relação ao livro, à leitura e à literatura.
A leitura e a literatura, conforme Antônio Cândido são necessidades universais que devem ser satisfeitas “sob pena de mutilar a personalidade, porque pelo fato de dar forma aos sentimentos e à visão do mundo elas nos organizam, nos libertam do caos e portanto nos humanizam.”
Dessa forma, não se pode privar parte da população do acesso a esses bens em virtude de sua cor, condição social, região, religião. Como ressalta Roberto Belo, é preciso fiscalizar a aplicação das políticas públicas relacionadas à leitura e à literatura, possibilitando a difusão literária, para que a literatura cumpra seu papel humanizador, conscientizador e emancipador.
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BELO, Roberto. (2016). Políticas públicas de incentivo ao livro, leitura e literatura. Cadernos de Letras da UFF, n. 52, p. 183-203, 2016
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