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Passivo ambiental – risco ou oportunidade para o mercado imobiliário?

A análise de passivo ambiental fornece uma imagem mais precisa e menos enganosa do verdadeiro valor de um determinado imóvel. Por isso, é muito utilizado nas negociações imobiliárias, pois o comprador é solidariamente responsável pelos danos causados ao meio ambiente.

16/11/2022

1. Introdução

As grandes cidades passam por ciclos econômicos ao longo dos anos, implicando no processo de industrialização e desindustrialização, razão pela qual imóveis que compõem atividades de grande potencial poluidor são desativados, deixando como herança terrenos grandes e muitos bem localizados que se revelam como boas oportunidades de negócios para o mercado imobiliário. Todavia, junto das oportunidades, existem inúmeros riscos que não podem ser desprezados.

Quando tratamos da contaminação do solo, tem-se que a sua abordagem não consistia em objeto de preocupação da indústria, sociedade ou dos órgãos de gestão ambiental, entretanto, diante das novas exigências, grandes incorporadores estão tratando a questão do passivo ambiental como uma variável na equação. E ao final da análise e revisão final da dívida ambiental, os custos correspondentes à sua cobrança acabam sendo os grandes responsáveis pela atribuição do preço final do imóvel.

No entanto, por várias razões, imóveis antigos que tinham atividades potencialmente poluidoras são muitas vezes reaproveitados economicamente sem que para tanto seja realizada a necessária investigação prévia por empreendedores ou compradores. E em razão desta omissão surge o imenso risco na aquisição do imóvel!

A incorporação imobiliária exige investimentos significativos, financiamentos de instituições financeiras e a necessidade de se estabelecer responsabilidades legais com os futuros adquirentes das unidades, por isso é fundamental que se tenha uma visão completa do local onde o empreendimento será construído, e por óbvio, tal conhecimento consiste em pré-requisito para o sucesso do empreendimento.

Daí decorre a importância de se compreender a responsabilidade pelo passivo ambiental, do contrário, poderá o empreendedor incorrer em grande erro, pois, a princípio, pode se ter a compreensão equivocada de que a responsabilidade é somente do proprietário anterior. O que nem de longe pode ser tomado como verdade!

2.  Responsabilidade pelo passivo ambiental

Por este viés, a súmula 623 do STJ, dispõe que as obrigações ambientais possuem natureza propter rem, sendo, portanto, admissível cobrá-las do proprietário ou possuidor atual e/ou dos anteriores, à escolha do credor:

Agravo de instrumento. Ação civil pública ambiental. Legitimidade passiva ad causam. Conforme súmula 623 do STJ, as obrigações ambientais possuem natureza propter rem, sendo admissível cobrá-las do proprietário ou possuidor atual e/ou dos anteriores, à escolha do credor. Imposição de astreintes. Possibilidade. Valor da multa que se mostra adequado, sendo razoável e proporcional. Recurso não provido.

(TJ-SP - AI: 22104846120208260000 SP 2210484-61.2020.8.26.0000, Relator: Miguel Petroni Neto, Data de Julgamento: 11/02/2021, 2ª Câmara Reservada ao Meio Ambiente, Data de Publicação: 16/02/2021)

Tal entendimento está em consonância com a Constituição Federal de 1988 que dispõe em seu art. 225, como sendo dever das autoridades públicas e da coletividade proteger e preservar o meio ambiente para as gerações presentes e futuras, e no parágrafo 3º da mesma disposição, afirma o dever de reparar o dano no caso de lesão ao meio ambiente.

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

(...) § 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

Além disso, o parágrafo único do artigo 194 da Constituição Estadual estabelece que os responsáveis são obrigados a restaurar a vegetação adequada às áreas protegidas.

Artigo 194. Aquele que explorar recursos naturais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com a solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei.

Parágrafo único: É obrigatória, na forma da lei, a recuperação, pelo responsável, da vegetação adequada nas áreas protegidas, sem prejuízo das demais sanções cabíveis.

A propósito, vale lembrar que que a Lei Federal nº 6.938/81, além de estabelecer a responsabilidade objetiva do poluidor, nos termos do artigo 3º, inciso III, e do artigo 14, parágrafo 1º, estabelece a responsabilidade objetiva do poluidor e que se estende a todos aqueles que tenham de alguma forma concorrido para o dano ambiental, adotando integralmente a solidariedade passiva na reparação do dano ambiental.

Ao afirmar que é responsabilidade do Poder Público e da coletividade proteger e conservar o meio ambiente em benefício das presentes e futuras gerações, seguiu-se, em princípio, as ideias do art. 3º III da Lei 6.938/91, no sentido de que, direta ou indiretamente, deve ser responsabilizado todo aquele que causar danos ao meio ambiente seja pessoa física ou jurídica, privada ou pública.

A responsabilidade de quem causa dano ambiental é solidária, conforme expressamente previsto no caput do artigo 942 do Código Civil.

Art. 942. Os Bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação.

Por essa perspectiva, quando se trata de dano ambiental, não há como desprezar o fato de que devemos pensar nele como um risco integral. Não menos importante considerar que a omissão, por si só, possibilita envolver agentes administrativos e particulares, ou seja, todos aqueles a quem possam ser atribuídos de uma forma ou de outra os danos causados à coletividade (Responsabilidade Civil por Dano Ecológico, Revista de Direito Público, 1979, v. 49-50/38).

Nosso ordenamento jurídico, portanto, deixa claro que quando o imóvel é adquirido com passivo ambiental, os adquirentes são solidariamente responsáveis mesmo que não tenham concorrido para causar o dano. Portanto, há que se considerar um procedimento preliminar para investigar a condição do imóvel antes da transação e posteriormente, se for o caso, a reparação dos danos.

3. Due diligence ambiental

Portanto, ao receber a opção de compra ou aluguel de um terreno, seja para fins de incorporação imobiliária ou expansão de negócios, se torna necessária a realização de uma avaliação ambiental do imóvel, também conhecida como due diligence ambiental.

A avaliação preliminar pode começar com um Desk Study , que consiste em um levantamento básico do terreno. Apresenta a coleta de dados e informações iniciais para subsidiar a decisão de comprar ou alugar um imóvel. Embora este estudo inclua elementos de avaliação preliminar, ele é mais simplificado, garantindo maior agilidade na tomada de decisões.

O estudo reunirá informações sobre o terreno e as atividades que vêm sendo desenvolvidas ao longo dos anos em instituições públicas, como órgãos ambientais estaduais e municipais, prefeituras e jornais oficiais.

O principal objetivo deste levantamento é examinar as atividades que ocorreram na área em estudo e identificar quaisquer atividades que possam ter causado algum tipo de dano ao meio ambiente. O perímetro da área analisada também é levado em consideração caso os imóveis do entorno tenham causado algum impacto ambiental em relação à área que está sendo adquirida.

O objetivo desta análise se consubstancia na constatação da presença de passivos ambientais, como contaminação do solo, águas subterrâneas e superficiais, para fundamentar decisões de compra/arrendamento do imóvel e determinar se o preço anunciado de um imóvel é razoável.

Os terrenos que precisam de mais atenção são os ocupados pela indústria e postos de gasolina, isso porque, geralmente são atividades que podem causar algum tipo de dano ou contaminação.

Na aquisição de imóveis, a exemplo daqueles anteriormente ocupados por indústrias ou postos de gasolina para execução de empreendimento residencial ou comercial, será necessária realizar a mudança de uso do solo e se a área estiver poluída, proceder com a reabilitação, adequando-a para novos usos.

Para tanto, deve ser realizada uma avaliação preliminar (30 dias).

ABNT NBR 15.515-1 – A Avaliação Preliminar estabelece os procedimentos para avaliação preliminar de passivo ambiental, visando a identificação de indícios de contaminação de solo e água subterrânea.

Este estudo examina a história da ocupação e as atividades que se desenvolveram no imóvel de estudo. Esta pesquisa permite o refinamento de um modelo conceitual que representa os aspectos relevantes da área sob investigação.

Os resultados desta avaliação determinarão se a Avaliação Confirmatória, de segunda fase (60-90 dias) deve ser realizada.

ABNT NBR 15.515-2 – A Avaliação Confirmatória estabelece os requisitos necessários para o desenvolvimento de uma investigação confirmatória em áreas onde foram identificados indícios reais ou potenciais de contaminação de solo e água subterrânea após a realização de uma avaliação preliminar, conforme NBR15515-1.

Nessa fase, são realizados levantamentos, coletas de amostras de solo e águas subterrâneas, análises químicas e interpretação de dados, e os resultados desta segunda etapa podem ser utilizados para determinar se há algum problema ambiental na área.

Uma avaliação detalhada (por tempo indefinido) deve ser realizada para confirmar a presença de impactos ambientais. O objetivo é obter uma avaliação hidrogeológica e hidroquímica detalhada e determinar as concentrações em diferentes profundidades para conhecer a distribuição vertical, o que permite delimitar plumas de isoconcentração de compostos ambientalmente relevantes em águas subterrâneas.

ABNT NBR 15.515-3 – A Avaliação Detalhada estabelece os procedimentos mínimos para a investigação detalhada de áreas onde foi confirmada contaminação em solo ou água subterrânea com base em série histórica de monitoramento, avaliação preliminar, investigação confirmatória ou estudos ambientais.

Em seguida, deve ser realizada uma avaliação de risco para a saúde humana, o que significa que se torna necessária a aferição por meio de dados e cálculos se a contaminação existente representa um risco para a saúde humana. Os resultados da avaliação de risco podem iniciar a fase de intervenção, que dependerá dos novos usos a serem atribuídos à área.

Por outro lado, se os resultados indicarem que não há risco, há que se desenvolver um plano de monitoramento para encerramento por um período de tempo, e se a situação persistir, submeter-se-á todas as investigações para avaliação das autoridades competentes.

4.  Reparação dos danos ambientais

Um plano de intervenção é desenvolvido após uma avaliação de risco confirmar que a sua existência para a saúde humana ou outros receptores em cenários atuais ou futuros. O objetivo do plano é controlar ou eliminar os riscos que a contaminação pode representar para o receptor.

O plano de intervenção pode considerar (i) procedimentos de remediação por tratamento; uma técnica usada para remover massas contaminantes; (ii) medidas de remediação por contenção: técnicas usadas para prevenir a propagação da contaminação enquanto a remediação por tratamento está ocorrendo ou quando a remediação não é viável; (iii) medidas técnicas: implementação de práticas de engenharia destinadas a interromper a exposição dos receptores a contaminantes; (iv) medidas institucionais de controle: uso do solo, águas subterrâneas, águas superficiais, consumo de alimentos e/ou edificações; imposição de restrições ao uso de edificações, isso pode ou não ser temporário.

As estratégias adotadas no planejamento da intervenção consideram prioritariamente as características da contaminação e o atendimento às exigências do órgão competente. Ademais, todo o plano é projetado para atender às necessidades técnicas específicas de cada cliente e é viável prática e economicamente.

Após a elaboração do plano de intervenção, este deverá ser submetido à avaliação da autoridade competente, como qualquer outro estudo. Uma vez aprovado o plano e emitido o parecer técnico, podem ser iniciadas as intervenções que devem seguir o conteúdo aprovado.

As necessidades de fiscalização são muitas vezes prescritas durante o trabalho de novos empreendimentos após a realização das pesquisas necessárias na área.

O monitoramento ambiental das operações geralmente é realizado durante as etapas de demolição, escavação e transferência de solo e fundação. Seu principal objetivo é garantir que não haja novos sinais de contaminação que não tenham sido identificados durante a fase de investigação. Se houver evidência de contaminação, os trabalhos devem ser interrompidos e as investigações na área retomadas.

5.  Conclusão

A análise de passivo ambiental fornece uma imagem mais precisa e menos enganosa do verdadeiro valor de um determinado imóvel. Por isso, é muito utilizado nas negociações imobiliárias, pois o comprador é solidariamente responsável pelos danos causados ao meio ambiente.

Diante disso, os novos proprietários podem ter ciência anterior do valor que será necessário para sanar quaisquer obrigações que possam ter que assumir em decorrência das condições ambientais proporcionadas pelo projeto, que tendem normalmente, a serem descontados do mero valor contábil estimado para o terreno, em uma eventual negociação.

Além disso, na legislação ambiental vigente indene de dúvidas quanto a ser solidária a responsabilidade pela descontaminação, seja comprador e vendedor, uma vez que estes são diretamente responsáveis pelo passivo ambiental, sendo, portanto, imprescindível o conhecimento por parte das construtoras e incorporadoras das condições ambientais do imóvel a ser adquirido, considerando-se que proprietário tem tríplice responsabilidade ambiental: responsabilidade administrativa, civil e criminal por deterioração, independentemente de culpa (cf. art. 225 CF, § 3º).

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ABNT NBR 15.515-1 – Estabelece os procedimentos para avaliação preliminar de passivo ambiental, visando a identificação de indícios de contaminação de solo e água subterrânea.

ABNT NBR 15.515-2 – Estabelece os requisitos necessários para o desenvolvimento de uma investigação confirmatória em áreas onde foram identificados indícios reais ou potenciais de contaminação de solo e água subterrânea após a realização de uma avaliação preliminar, conforme NBR15515-1.

ABNT NBR 15.515-3 – Estabelece os procedimentos mínimos para a investigação detalhada de áreas onde foi confirmada contaminação em solo ou água subterrânea com base em série histórica de monitoramento, avaliação preliminar, investigação confirmatória ou estudos ambientais.

Bingham, I.J., Hoad, S.P., Lang, B., Philpott, H., Stobart, R., Thomas, J., Barnes, A.P., Ball, B.C., Knight, S. and Kightley, S., Desk study to evaluate contributory causes of the current yield plateau in wheat and oilseed rape, 2012.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.

BRASIL. Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências. Disponivel em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6938.htm. Acesso em: 09 nov. 2022.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça - STJ. SÚMULA N. 623 “As obrigações ambientais possuem natureza propter rem, sendo admissível cobrá-las do proprietário ou possuidor atual e/ou dos anteriores, à escolha do credor”.

FERRAZ, S. Responsabilidade civil por dano ecológico: Civil liability for ecologic damage. Revista de Direito Administrativo e Infraestrutura | RDAI, São Paulo: Thomson Reuters | Livraria RT, v. 2, n. 4, p. 409–421, 2018. DOI: 10.48143/rdai/04.sf2. Disponível em: https://www.rdai.com.br/index.php/rdai/article/view/127. Acesso em: 9 nov. 2022.

SÃO PAULO. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - TJ-SP - AI: 22104846120208260000 SP 2210484-61.2020.8.26.0000, Relator: Miguel Petroni Neto, Data de Julgamento: 11/02/2021, 2ª Câmara Reservada ao Meio Ambiente, Data de Publicação: 16/02/2021.

Debora Cristina de Castro da Rocha
Advogada fundadora do escritório Debora de Castro da Rocha Advocacia, especializado nas áreas do Direito Imobiliário e Urbanístico, Mestre em Direito Empresarial e Cidadania e Professora.

Edilson Santos da Rocha
Advogado pelo escritório Debora de Castro da Rocha Advocacia.

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