I - Sistema Único de Saúde
Dentre os mais diversos direitos abarcados pela Constituição Federal de 1988, o direito à saúde é concretizado mediante a instituição do Sistema Único de Saúde (SUS), previsto no art. 198, e regulado pela lei 8.080/90, denominada de Lei Orgânica da Saúde. O SUS é referência no mundo todo por ser o único sistema de saúde pública que atende mais de 190 milhões de pessoas, puramente financiado por meio dos impostos adotados nos estados brasileiros1.
Em uma delineação histórica da saúde pública brasileira, até a implementação do SUS nos parâmetros atuais, são destacados alguns acontecimentos que foram fundamentais para a sua implementação.
Inicialmente, destaca-se que o Ministério da Saúde foi criado em 1953, mediante a lei 1.920, de forma que passou a se encarregar das atividades que, até então, era responsabilidade do Departamento Nacional de Saúde (DNS), cabe ressaltar que antes de 1988, os serviços públicos de saúde eram providos apenas aos trabalhadores vinculados à previdência social e os demais atendimentos eram competência das entidades filantrópicas, de forma que, apenas cerca de 30 milhões de pessoas tinham acesso a serviços hospitalares2.
Em 1961, houve a instituição do Código Nacional de Saúde, por meio do decreto 49.974-A, o qual instituiu as normas gerais de defesa e de proteção da saúde, a serem adotados em todo o âmbito nacional. Dentre as diversas estipulações do referido Decreto, imperioso destacar que houve uma demarcação do papel do Estado na defesa e na proteção da saúde do indivíduo, além de estipular a competência do Ministério da Saúde,
Nas décadas de 70 e 80, houve diversos movimentos sociais que foram fundamentais para a previsão do direito à saúde na Constituição Federal de 1988, bem como do SUS, haja vista que visavam solucionar problemas no atendimento à população, com destaque ao movimento sanitarista, que era composto por profissionais da saúde e intelectuais, que visavam mudanças e transformações necessárias na saúde brasileira3.
Em 1986, foi realizada a 8ª Conferência Nacional de Saúde, que foi considerada pré-constituinte da saúde, na qual se deu o esboço do surgimento do SUS, e pela primeira vez na história, a estruturação do sistema de saúde contou com a participação da sociedade civil.
Por conseguinte, em 1988 a Constituição Federal de 1988 previu o SUS, prevendo a saúde como direito de todos e dever do Estado, e em 1990, se deu a aprovação da Lei Orgânica da Saúde que passou a regular as ações e os serviços de saúde a serem executadas pelo Poder Público, mediante políticas econômicas e sociais a serem adotadas pelo Estado. Assim, o SUS tem o propósito de reduzir os riscos de doenças e outros agravos, bem como no estabelecimento de condições que assegurem o acesso igualitário e universal aos serviços de saúde.
Dentre as mais diversas medidas adotadas para aprimorar o SUS, houve a adoção de políticas públicas importantes destinadas ao fornecimento de medicamentos à população, de forma que passou a ter uma grande demanda para definir os critérios para a incorporação de medicamentos pelo SUS, contando com a atuação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e da Comissão Nacional de Incorporação De Tecnologias (CONITEC) para tanto.
II - Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA)
A ANVISA foi criada em 26 de janeiro de 1999, por meio da lei 9.782, e tem finalidade institucional de promover a proteção da saúde da população por intermédio do controle sanitário da produção e consumo de produtos e serviços submetidos à vigilância sanitária, dos processos, insumos, ambientes e das tecnologias empregadas.4
Conforme determinado pela lei 6.360/76, o Ministério Público, por intermédio da ANVISA, tem atribuição exclusiva para registrar e permitir o uso de medicamentos, bem como para aprovar ou determinar que haja modificação nos componentes e nos termos da lei 5.991/73, “medicamento é todo produto farmacêutico, tecnicamente obtido ou elaborado, com finalidade profilática, curativa, paliativa ou para fins de diagnóstico”
Ademais, por meio da lei 9.782/995, destaca-se as competências de atuação da Agência, com relação aos medicamentos, quais sejam:
Art. 7º VII - autorizar o funcionamento de empresas de fabricação, distribuição e importação dos produtos mencionados no art. 8o desta lei e de comercialização de medicamentos;
XXV - monitorar a evolução dos preços de medicamentos, equipamentos, componentes, insumos e serviços de saúde, podendo para tanto:
a) requisitar, quando julgar necessário, informações sobre produção, insumos, matérias-primas, vendas e quaisquer outros dados, em poder de pessoas de direito público ou privado que se dediquem às atividades de produção, distribuição e comercialização dos bens e serviços previstos neste inciso, mantendo o sigilo legal quando for o caso;
b) proceder ao exame de estoques, papéis e escritas de quaisquer empresas ou pessoas de direito público ou privado que se dediquem às atividades de produção, distribuição e comercialização dos bens e serviços previstos neste inciso, mantendo o sigilo legal quando for o caso;
c) quando for verificada a existência de indícios da ocorrência de infrações previstas nos incisos III ou IV do art. 20 da lei 8.884, de 11 de junho de 1994, mediante aumento injustificado de preços ou imposição de preços excessivos, dos bens e serviços referidos nesses incisos, convocar os responsáveis para, no prazo máximo de dez dias úteis, justificar a respectiva conduta; d) aplicar a penalidade prevista no art. 26 da lei 8.884, de 1994.
Dessa forma, para que haja o registro e comercialização do medicamento, há uma análise da qualidade, segurança e eficácia, em que será aprovado ou não. Destaca-se que o processo de aprovação se dá nas seguintes etapas: fase não clínica, desenvolvimento do medicamento, fase clínica, registro e pós-mercado6.
A fase não clínica consiste em ensaios realizados que objetivam verificar a segurança e as doses seguras para que haja início dos testes em seres humanos, posteriormente se dá a fase de desenvolvimento do medicamento, em que são realizadas investigações para analisar a qualidade do produto e, conseguintemente, há a fase clínica, que visa investigar o funcionamento e segurança do medicamento nos seres humanos7.
Ademais, na penúltima fase, que é de registro, a Diretoria Colegiada da ANVISA, instituiu a RDC 39/13, para regulamentar os pedidos de registro de medicamentos, feitos por empresas autorizadas para fabricar ou importar medicamentos, as quais deve possuir Certificado de Boas Práticas de Fabricação vigente, que é o documento emitido pela ANVISA, no qual fica atestado que o estabelecimento cumpre as Boas Práticas8.
Dessa forma, o processo de autorização de medicamentos é bem complexo, e visa garantir a segurança e eficácia dos medicamentos a serem comercializados e incorporados no SUS, e, inclusive, há uma última fase, em que há uma análise do pós-mercado, que visa garantir que os benefícios sejam maiores que os riscos relacionados ao uso do medicamento9.
III - Conclusão
Em razão de todo o narrado acerca dos procedimentos de incorporação de medicamentos no SUS, fica evidente que se tratam de processos que visam trazer maior eficácia e segurança quanto aos medicamentos disponibilizados à população brasileira.
Entretanto, vem sendo cada vez mais comum a judicialização de pedidos de medicamentos não padronizados pelo SUS, o que traz dúvidas acerca do papel do Estado no fornecimento dos mesmos.
O ponto a ser observado é que, o caráter universal do SUS e do direito à saúde se baseia no sentido de que o acesso deve ocorrer para que toda pessoa tenha acesso aos medicamentos que lhe foram prescritos10 e, para isso, é necessário que haja uma análise e estudo dos medicamentos a serem disponibilizados.
Conforme relatado anteriormente, para que haja o registro de medicamentos pela ANVISA, é realizado uma série de etapas que objetivam trazer maior segurança, eficácia e qualidade, o processo de aprovação ocorre em cinco etapas: fase não clínica, fase de desenvolvimento do medicamento, fase clínica, fase de registro e a fase pós mercado.
Dessa forma, os procedimentos adotados no processo de incorporação de medicamentos se dão de acordo com a estipulação da legislação e são necessários para que haja efetiva segurança na produção e no consumo dos medicamentos, e consequentemente, esse processo acaba afetando o acesso aos medicamentos fornecidos pelo SUS.
1 BRASIL. Ministério da Saúde. Secretária do Estado de Saúde. Sistema Único de Saúde (SUS). 2022. Disponível em: https://www.saude.mg.gov.br/sus. Acesso em: 20 abr. 2022.
2 BRASIL. Ministério da Saúde. Biblioteca Virtual em Saúde. 25/7 – Aniversário de criação do Ministério da Saúde. Disponível em https://bvsms.saude.gov.br/25-7-aniversario-de-criacao-do-ministerio-da-saude-2. Disponível em: 20 nov. 2021.
3 BRASIL. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. 8ª Conferência Nacional de Saúde: quando o SUS ganhou forma. 2019. Disponível em: https://conselho.saude.gov.br/ultimas-noticias-cns/592-8-conferencia-nacional-de-saude-quando-o-sus-ganhou-forma Acesso em 24 abr. 2022
4 BRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). 2021. Disponível em: https://www.gov.br/pt-br/orgaos/agencia-nacional-de-vigilancia-sanitaria. Acesso em: 20 nov. 2021
5 Brasil. Lei nº 9.782, de 26 de janeiro de 1999. Define o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, cria a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, e dá outras providências. Brasília, 26 jan. 1999. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9782.htm. Acesso em: 27 abr. 2022.
6 BRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Registro de novos medicamentos: saiba o que é preciso. Disponível em: http://antigo.anvisa.gov.br/resultado-de-busca?p_p_id=101&p_p_lifecycle=0&p_p_state=maximized&p_p_mode=view&p_p_col_id=column-1&p_p_col_count=1&_101_struts_action=%2Fasset_publisher%2Fview_content&_101_assetEntryId=5062720&_101_type=content&_101_groupId=219201&_101_urlTitle=registro-de-novos-medicamentos-saiba-o-que-e-preciso&inheritRedirect=true . Acesso em 27 abr. 2022.
7 BRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Registro de novos medicamentos: saiba o que é preciso. 2018. Disponível em: http://antigo.anvisa.gov.br/resultado-de-busca?p_p_id=101&p_p_lifecycle=0&p_p_state=maximized&p_p_mode=view&p_p_col_id=column-1&p_p_col_count=1&_101_struts_action=%2Fasset_publisher%2Fview_content&_101_assetEntryId=5062720&_101_type=content&_101_groupId=219201&_101_urlTitle=registro-de-novos-medicamentos-saiba-o-que-e-preciso&inheritRedirect=true . Acesso em 27 abr. 2022.
8 BRASIL. Resolução da diretoria colegiada - RDC 39, de 14 de agosto de 2013. Dispõe sobre administrativos os para procedimentos concessão Certificação de da Boas Práticas de Fabricação e da Certificação de Boas Práticas de Distribuição e/ou Armazenagem. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/anvisa/2013/rdc0039_14_08_2013.pdf. Acesso em: 27 abr. 2022.
9 BRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Registro de novos medicamentos: saiba o que é preciso. 2018. Disponível em: http://antigo.anvisa.gov.br/resultado-de-busca?p_p_id=101&p_p_lifecycle=0&p_p_state=maximized&p_p_mode=view&p_p_col_id=column-1&p_p_col_count=1&_101_struts_action=%2Fasset_publisher%2Fview_content&_101_assetEntryId=5062720&_101_type=content&_101_groupId=219201&_101_urlTitle=registro-de-novos-medicamentos-saiba-o-que-e-preciso&inheritRedirect=true . Acesso em 27 abr. 2022.
10 VIEIRA, Sulpino Fabiola. DESAFIOS DO ESTADO QUANTO À INCORPORAÇÃO DE MEDICAMENTOS NO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE, / Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.- Brasília : Rio de Janeiro : Ipea, 2019.