Migalhas de Peso

As custas e a vinculação ao êxito dos recursos nos Juizados Especiais

O advogado só recebe honorários nos casos em que o recorrente for vencido, deixando de abarcar tantos outros casos e hipóteses em que a parte recorrente logra êxito na contenda.

11/11/2022

O Novo Código de Processo Civil (NCPC), de 2015, inovou com mudanças significativas para os honorários sucumbenciais, garantindo o recebimento ao advogado da parte vencedora do processo.

Na sistemática do novo CPC, observamos as regras estabelecidas pelos arts. 85 a 90, com destaque para o art.85, que dispõe que a sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor.

Os honorários também estão presentes no Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil-OAB (art. 22 da lei 8.906), sendo direito do profissional constituído, e possuem natureza alimentar (STJ, 3ª Turma, RESP 948.492/ES, rel. Min. Sidnei Beneti, j. 01.12.2011, DJE 12.12.2011).

Portanto, indiscutivelmente é uma conquista da advocacia, que vai muito além da simples reposição das despesas e custas processuais devidas pela parte perdedora: representa uma bonificação que privilegia e valoriza o advogado, pelo êxito na condução e sucesso no processo.

A alteração no CPC se ajusta integralmente ao que estabelece o Estatuto da OAB, de 1994. O art. 22 do estatuto dispõe que:

Art. 22. A prestação de serviço profissional assegura aos inscritos na OAB o direito aos honorários convencionados, aos fixados por arbitramento judicial e aos de sucumbência.

Entretanto, essa regra tutelada pela legislação acima citada diverge no sistema dos Juizados Especiais, que conta com regras diferentes, trazendo não só confusão na aplicação da lei, como também desprestígio ao profissional que milita na área, além de prejuízos financeiros à parte vencedora nas contendas propostas em sede de Juizados.

Como se sabe, o procedimento nos Juizados Especiais é gratuito — ao menos em 1º grau de jurisdição. Nesse sentido, estabelece o art. 54, parágrafo único, da lei 9.099:

Art. 54. O acesso ao Juizado Especial independerá, em primeiro grau de jurisdição, do pagamento de custas, taxas ou despesas.

Parágrafo único. O preparo do recurso, na forma do § 1º do art. 42 desta lei, compreenderá todas as despesas processuais, inclusive aquelas dispensadas em primeiro grau de jurisdição, ressalvada a hipótese de assistência judiciária gratuita.

Ainda, de acordo com o art. 55 da referida lei, a "sentença de primeiro grau não condenará o vencido em custas e honorários de advogado, ressalvados os casos de litigância de má-fé".

Observa-se um conflito entre o disposto no CPC de 2015 e na lei 9.099/95.

O advogado só recebe honorários nos casos em que o recorrente for vencido, deixando de abarcar tantos outros casos e hipóteses em que a parte recorrente logra êxito na contenda, deixando de ser valorizado pelo seu empenho profissional. Sem falar inclusive na própria parte em si, que na maioria dos casos adianta completamente o valor das custas do preparo que muitas vezes têm valor vultoso, principalmente no Estado do Rio de Janeiro, que pode chegar em determinados casos até o valor de R$ 4.000,00.

Não seria justo, na hipótese de êxito do recurso, o Tribunal devolver o preparo à parte recorrente vencedora? Afinal, foi necessário seu recolhimento em razão da sentença “equivocada” em primeira instância.  Como exemplo, um Recurso Inominado que reforma para improcedência uma sentença que condenou a parte ré a pagar R$600,00, no final das contas poderá custar mais de R$1.000,00, mesmo com êxito! A empresa demandada é penalizada mesmo com êxito no recurso. E o advogado não recebe honorários de sucumbência.

Nesse compasso, qual seria a alternativa que traria uma solução equilibrada e equitativa para partes e advogados nessa hipótese? Observa-se duas situações que abarcam bem o tema proposto. A criação de um Enunciado por meio do Fonaje (Fórum Nacional dos Juizados Especiais) regrando controvérsia existente entre as legislações, tendo em vista que genericamente, entendemos que o novo Código de Processo Civil não recepcionou os arts. 54 e 55 da lei 9.099/95, levando-se em consideração o expurgo evidente do rito sumaríssimo nesse ordenamento maior.

Essa alternativa foi inclusive amplamente debatida no evento “OS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS E SEUS EFEITOS CIVILIZATÓRIOS” realizado pela Amaerj (Associação dos Magistrados do Estado do Rio de Janeiro) em 3 de outubro deste ano, que contou com a presença do presidente do Fonaje, professor e magistrado Alexandre Chini Neto, que demonstrou conhecimento sobre a matéria, com sensibilidade na condução da controvérsia, reconhecendo a injustiça e notório prejuízo a advogados e partes.

A segunda possibilidade seria a simples aplicação, nesse particular, no que tange o preparo, custas e honorários advocatícios pela regra do CPC. Onde, pelo que entendemos, abarcaria todas as hipóteses de forma subsidiária, não restando qualquer divergência ou controvérsia sobre a natureza da medida a ser utilizada.

Inegável é que os debates do tema proposto, não só diante da oportuna provocação da OAB em assegurar o direito que ampara os operadores do direito, produzem inafastável análise mais atenciosa e sensível, uma vez que diante de tantas proposições para  facilitar o acesso ao Judiciário, o esforço cada vez mais difundido nos Tribunais no sentido de dar maior amplitude aos projetos conciliatórios como a mediação, por exemplo, a arbitragem, a indicação dos juízes leigos para a busca da conciliação, como também os órgãos pré–processuais como os PROCONs  e CONSUMIDOR.GOV.BR OU CEJUSC. O custo financeiro poderia implicar de forma contundente a judicialização das demandas, principalmente levando-se em consideração o aumento substancial da migração para as Varas Cíveis, onde hoje são comuns ações indiscutivelmente menos complexas.

Observa-se na jurisprudência uma dualidade quanto às custas em si. Há aqueles que são dispensados do recolhimento das custas em virtude de lei, majoritariamente amparados pela gratuidade de justiça. Contudo, quando não se observa a isenção legal, nos parece perfeitamente cabível e tutelável a imposição de ressarcimento do preparo das custas para a parte vencedora. Como demonstra este julgado:

E na hipótese em que o Recorrente, como de costume, antecipa o recolhimento, tem seu recurso provido, mas o recorrido se encontra nas hipóteses legais de “dispensa” de recolhimento ou na situação de gratuidade de justiça? Digamos que foi condenado a pagar R$ 3.000,00  de danos morais e gastou o mesmo valor no preparo. Prejuízo? Atualmente sim! Justiça? Efetivamente não! Qual a solução para essa hipótese?

O Tribunal do Estado de Alagoas prevê, na Instrução Normativa 01 de 2018 do FUNJURIS, que institui o procedimento de restituição das custas e taxas judiciárias recolhidas indevidamente. Se levarmos em consideração que o Recorrente teve seu recurso provido em razão de um provimento judicial “equivocado”, não seria o recolhimento desse preparo um custo indevido? Pela Teoria da Causalidade, interpretada de uma forma muito mais abrangente, não seria esse recolhimento desnecessário, se a sentença de primeiro grau tivesse entregue uma prestação judicial mais eficiente? Seria realmente necessário esse recurso? Nada mais justo do que seja devolvido esse preparo.

A Corregedoria Geral de Justiça do Estado do Mato Grosso, em decisão do Conselho de Supervisão proferida em sessão extraordinária realizada em 30 de setembro de 2012, foi unânime nos seguintes termos: “à unanimidade decidiram que deverá ser restituído o valor das custas se totalmente provido o recurso com decisão transitada e julgada e requerido pelo recorrente vencedor”.

A determinação considera o capítulo 5, seção 9, da Consolidação das Normas Gerais da Corregedoria (CNG), que trata das custas recursais e dos processos, em conformidade com o art. 57 da lei 9.099/95 (que admite a validade, como título judicial, da sentença homologada pelo juízo competente).

“5.9.5 – Se totalmente provido o recurso, após o trânsito em julgado da decisão, caso haja requerimento do recorrente, devolver-se-á o valor do preparo. (Item acrescido pelo Provimento  35/08 - CGJ)

5.9.5.1 – O Juiz de Direito deferirá o pedido de restituição do valor do preparo, nos próprios autos em que o recurso foi integralmente provido. (Item acrescido pelo Provimento 35/08 - CGJ)”

A sugestão que aqui se propõe é a devolução do preparo pelo próprio Tribunal nos casos em que exista benefício legal de isenção ou gratuidade de justiça, quando não for de reponsabilidade exclusiva do perdedor ressarcir as custas, além do preparo. Ressalvadas as despesas do Tribunal (energia, sala, funcionários etc.), ao menos uma parte do valor do preparo precisaria ser restituída ao recorrente vencedor, nas hipóteses acima ventiladas. O ressarcimento do preparo nos casos em que a lei não isente a parte das custas, por parte do Tribunal que exarou uma sentença reformada, nos parece medida correta e digna para os jurisdicionados.

Murilo Ferreira
Advogado especialista em sustentações orais e líder da equipe de performance jurídica do Fragata e Antunes Advogados

Ricardo Alves
Sócio do Fragata e Antunes Advogados, onde é DPO e Head de Tecnologia

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Leia mais

Migalhas Quentes

Já está em vigor PEC que limita recursos especiais ao STJ

15/7/2022
Migalhas Quentes

Suspenso julgamento sobre regra do CPC nos Juizados Especiais Federais

21/2/2022
Migalhas Quentes

TJ/SP anula decisão de Juizado Especial transitada em julgado

13/5/2021

Artigos Mais Lidos

Afinal, quando serão pagos os precatórios Federais em 2025?

19/12/2024

Discriminação nos planos de saúde: A recusa abusiva de adesão de pessoas com TEA

19/12/2024

Planejamento sucessório e holding patrimonial: Cláusulas restritivas societárias

20/12/2024

Decisão importante do TST sobre a responsabilidade de sócios em S.A. de capital fechado

20/12/2024

As perspectivas para o agronegócio brasileiro em 2025

20/12/2024