Migalhas de Peso

Promoção do bem-estar organizacional e qualidade de vida dos trabalhadores

O presente trabalho tem como problemática central a questão do bem-estar organizacional e qualidade de vida dos trabalhadores integrar a responsabilidade social das empresas conforme vários dispositivos legais nacionais e internacionais.

11/11/2022

1 INTRODUÇÃO

O avanço do processo de globalização econômica constatado nas últimas décadas, acrescido ao fortalecimento do pensamento socioeconômico capitalista, e aparecimento da pandemia da COVID-19 e, nessa diretriz, à expansão desmedida da linguagem e da lógica dos “mercados” em detrimento à totalidade dos aspectos sociais, acarretaram num grande impacto para as relações laborais, com a consequente reformulação das formas de organização do trabalho humano.

Em que pese a obrigação prevista na Carta Magna de 1988, bem como em outros dispositivos legais, de que o empregador deverá, além de adimplir o salário, cumprir com outras obrigações decorrentes do contrato de trabalho, tal como a de assegurar o respeito à integridade física e psíquica do trabalhador, a realidade mostra que infelizmente ainda há uma grande discrepância entre o prescrito nos ordenamentos legais e o modo como efetivamente funciona o ambiente de trabalho.

O empregador possui dentre suas atribuições de responsabilidade social a de promover e preservar um local de trabalho harmonioso e saudável, de modo que o labor a ser executado pelo trabalhador seja digno em todos os aspectos, ou seja, não só no plano material, mas, igualmente, no segmento imaterial.

E como será bem explanado no Trabalho, vários são os problemas que podem advir de um ambiente laboral nocivo, inclusive o desencadeamento da Síndrome de Burnout, reconhecida no ano corrente como doença ocupacional pela Organização Mundial de Saúde (OMS).

Portanto, a delimitação do tema ora em trato é a necessidade de demonstrar se a promoção do bem-estar organizacional e qualidade de vida dos trabalhadores como integrantes da responsabilidade social das empresas é uma utopia ou realidade.

Diante do ora exposto, tem-se como problema a ser respondido:

A consciência e preocupação das empresas acerca da importância da implantação do bem-estar organizacional e qualidade de vida dos trabalhadores é algo utópico ou já é realidade?

Como objetivo geral tem-se:

demonstrar que o bem-estar organizacional e qualidade de vida dos trabalhadores são elementos inerentes à responsabilidade social do empregador, contudo ainda enfrentam entraves de várias ordens para a efetivação.

Já como objetivos específicos apontam-se:

1) Indicar que a proteção das condições de trabalho decente é um direito humano e já é assegurada por vários dispositivos legais nacionais e internacionais a bastante tempo;

2) Comprovar que a criação de um ambiente saudável é uma estratégia imprescindível para o bem-estar no trabalho e igualmente para a reputação das organizações que buscam boas práticas organizacionais;

3) Apontar que vários são os estudos ao redor do mundo que demonstram que ambientes de trabalho inseguros criam fatores de risco para a saúde mental, e prejudicam de sobremaneira a lucratividade do negócio e a retenção de talentos.

A metodologia utilizada na realização da presente pesquisa foi tanto qualitativa como quantitativa.

Qualitativa no sentido de procurar descrever, compreender e explicar os fenômenos correlacionados ao objeto de estudo do Trabalho de Conclusão de Curso, através sobretudo da pesquisa documental/bibliográfica.

Já a metodologia quantitativa tem por intuito a objetividade dos dados, de modo a obtenção de resultados numéricos. No Trabalho em curso, a referida metodologia foi usada mediante observações e coleta de dados presentes em artigos de revistas conceituadas, e formuladas por órgãos oficiais.

A importância do tema abordado no presente Trabalho de Conclusão de Curso reside no fato de que o tempo que se despende no desempenho das atividades profissionais ocupa a maior parte das horas diárias e ao serem realizadas em desrespeito à integridade física e psíquica dos trabalhadores não apenas malferem a dignidade humana, como também causam prejuízos econômicos aos empregadores.

Com o advento da globalização e pandemia da COVID-19, restou mais evidente que a forma de gestão organizacional que precariza o trabalho não poderá mais prosseguir, pelo que por conseguinte, a responsabilidade social do empregador em fornecer um ambiente laboral saudável é obrigação fundamental do mesmo.

No decorrer do presente Trabalho será demonstrado o quão um ambiente laboral pode ser tóxico e contribuir nocivamente para o exercício profissional e saúde dos trabalhadores, pelo que se justifica a necessidade de mais estudos de natureza acadêmica abordarem tal temática e expandirem/divulgarem o conhecimento à toda a sociedade, de modo a se implantarem mudanças significativas e definitivas na melhoria organizacional.

2  BEM-ESTAR ORGANIZACIONAL E QUALIDADE DE VIDA DOS TRABALHADORES COMO INTEGRANTES DA RESPONSABILIDADE SOCIAL DAS EMPRESAS

Consoante já apresentado no tópico anterior, o presente Trabalho de Conclusão de Curso tem como problema a ser respondido o seguinte:

A consciência e preocupação das empresas acerca da importância da implantação do bem-estar organizacional e qualidade de vida dos trabalhadores é algo utópico ou já é realidade?

Assim, a partir de agora adentrar-se-á mais profundamente na temática em tela, de modo a procurar atingir cada um dos objetivos especificos já elencados, os quais serão abordados em cada um dos títulos abaixo.

2.1 A proteção das condições de trabalho decente como responsabilidade social do empregador e direito humano previsto em lei.

De início impende se definir qual o conceito de Responsabilidade Social Empresarial (RSE), pelo que dentre os vários conceitos existentes na doutrina, destaca-se o de Melo Neto e Froes (1999, p. 90), o qual fora elaborado durante a reunião do Conselho Empresarial Mundial para o Desenvolvimento Sustentável, senão veja-se:

“o comprometimento permanente dos empresários de adotar um comportamento ético e contribuir para o desenvolvimento econômico, melhorando simultaneamente a qualidade de vida de seus empregados e de suas famílias, da comunidade local e da sociedade como um todo”.

Constata-se, portanto, que são elementos integrantes da definição de Responsabilidade Social Empresarial uma conduta ética aliada à melhoria da qualidade de vida dos trabalhadores.

Nesse sentido, tem-se que a empresa socialmente responsável deverá ser àquela com a atribuição de empresa “humanizada”, quer dizer, que além do cumprimento dos deveres trabalhistas impostos pela legislação, também proceda com a implantação de ações visando a melhoria da qualidade de vida no ambiente laboral.

Como já dito no tópico “Considerações Iniciais” deste Trabalho, diversos são os normativos legais nacionais e internacionais que regulam a proteção das condições decentes de trabalho por parte do empregador e que tornam mais evidente como se trata de uma responsabilidade social do mesmo, pelo que serão destacados os principais.

O primeiro deles é a Declaração Universal dos Direitos  Humanos,  aprovada em 1948 pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), que ao delinear os direitos humanos básicos expõe que:

“Art. 23

1. Todo ser humano tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego.

(...)

3. Todo ser humano que trabalha tem direito a uma remuneração justa e satisfatória que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social.

Art. 24

Todo ser humano tem direito a repouso e lazer, inclusive a limitação razoável das horas de trabalho e a férias remuneradas periódicas”.

Também pode ser citado o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC), aprovado pela Assembleia Geral da ONU, em 1966, e incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro desde 1992. O referido Pacto reconhece o direito de o ser humano ter a possibilidade de auferir renda através do exercício de um trabalho livremente escolhido ou aceito, num ambiente de pleno emprego produtivo em condições que salvaguardem aos sujeitos o usufruto das liberdades políticas e econômicas fundamentais (art. 6º), gozando, igualmente, de condições de trabalho justas e favoráveis que assegurem meios de materialização da dignidade humana — existência decente, segurança e higiene no trabalho, não discriminação e tempo de não trabalho remunerado (art. 7º).

De suma relevância ainda transcrever o disposto no art. 12, 1, e 2, b, in verbis:

“1. Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa de desfrutar o mais elevado nível possível de saúde física e mental.

2. As medidas que os Estados Partes do presente Pacto deverão adotar com o fim de assegurar o pleno exercício desse direito incluirão as medidas que se façam necessárias para assegurar:

[...]

b) A melhoria de todos os aspectos de higiene do trabalho e do meio ambiente;”

Ademais, dentre as várias convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT) ratificadas pelo Brasil, pode ser ressaltada a de número 155, que trata especificamente da Segurança e Saúde dos Trabalhadores, promulgada pelo decreto 1.254, de 29/09/1994, merecendo serem trazidos à lume os artigos abaixo:

“Art. 4 — 1. Todo Membro deverá, em consulta com as organizações mais representativas de empregadores e de trabalhadores, e levando em conta as condições e as práticas nacionais, formular, pôr em prática e reexaminar periodicamente uma política nacional coerente em matéria de segurança e saúde dos trabalhadores e o meio-ambiente de trabalho.

2. Essa política terá como objetivo prevenir os acidentes e os danos à saúde que forem conseqüência do trabalho tenham relação com a atividade de trabalho, ou se apresentarem durante o trabalho, reduzindo ao mínimo, na medida que for razoável e possível, as causas dos riscos inerentes ao meio-ambiente de trabalho”.

Ainda no plano de proteção internacional, tem-se que em 2015 a ONU propôs aos seus países signatários uma nova agenda de desenvolvimento sustentável para os próximos 15 (quinze) anos, a chamada Agenda 2030, composta por 17 (dezessete) Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Nessa diretriz, há um objetivo específico acerca do tema em comento, qual seja o de número 8, que  visa promover o crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, o emprego pleno e produtivo e o trabalho decente para todos.

Já no ordenamento legal brasileiro, a Constituição Federal do Brasil de 1988 além de prever expressamente que a dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito (art.1°, III), também ergue a tal patamar “os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa” (art.1°, IV, e art.170, caput). Do mesmo modo, a Carta Magna prescreve que:

“Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

[...]

XXII - redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança;”

Ou seja, a empresa que não fornece condições dignas de trabalho ao indivíduo, no exercício de suas funções, pratica ato ilícito, porque desrepeita o art.7°, XXII, da CF, inobservando, ainda, um dos fundamentos da Carta Magna, que é o respeito à dignidade da pessoa humana.

Por último, destaca-se a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que preconiza de modo expresso que é dever do empregador propiciar condições dignas de trabalho, consoante previsto nas disposições do Capítulo V do Título II. Segue o que determina o art.157, incisos I e II, da CLT:

“Art. 157 - Cabe às empresas:

I - cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho;                

II - instruir os empregados, através de ordens de serviço, quanto às precauções a tomar no sentido de evitar acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais;”

Conclui-se, portanto, que é obrigação do empregador zelar por um ambiente laboral sadio, coibindo práticas tendentes ou aptas a gerar danos de quaisquer naturezas, passíveis inclusive de indenização correspondente.

Outrossim, ainda que não houvesse preceito normativo expresso a respeito do dever patronal de adotar todos os cuidados em relação à segurança de seus subordinados, tal obrigação adviria do dever de proteção ao meio ambiente de trabalho, nos moldes dos arts.200, VIII, e 225, caput, da CF, in verbis:

“Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei:

[...]

VIII - colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho.

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

Ante todo o argumentado, em se tratando de matéria de natureza contratual, existem obrigações correlatas, ainda que independentes, em relação às obrigações principais e, dentre estas, certamente encontra-se, como direito do empregado e dever do empregador, um meio ambiente de trabalho saudável, sendo que tal conceito, como visto, deve ser entendido em sua mais ampla acepção, contemplando o equilíbrio e respeito que devem existir no ambiente laboral, de forma a resguardar, além da saúde física, também a psicológica do empregado.

A empresa detém, de tal feita, responsabilidade na preservação da saúde e integridade física e mental dos seus empregados, vez que é um direito de todos possuir um meio ambiente ecologicamente equilibrado e que propicie uma sadia qualidade de vida.

2.2 Ambiente saudável como estratégia imprescindível para o bem-estar no trabalho e produtividade das empresas.

Por um longo período de tempo, o propósito das empresas se limitava a obter os lucros necessários para a manutenção e prosperidade do negócio, sem a necessária preocupação com o bem-estar dos trabalhadores. É o que bem explicitam Feliciano e Ebert (2018, p.259):

“Nesse contexto, as empresas deixaram de ter por móvel propulsor de suas atividades o atendimento a certas finalidades sociais e econômicas (p. ex.: geração de empregos, desenvolvimento tecnológico, difusão de conhecimento, diversificação de portfolios de produtos e de serviços, etc.) e passaram a buscar freneticamente o atingimento de metas quantitativas e a sucessiva superação de tais indicadores. Os números, as metas, os targets, nesse contexto, tornaram-se o fim em si mesmo da iniciativa empresarial e o trabalho humano, por via de consequência, foi rebaixado à condição de mero meio para a consecução de tais objetivos quantofrênicos”.

Contudo, a gestão dos trabalhadores pelos superiores hierárquicos vem mudando ao longo dos anos e se distanciando cada vez mais daquela imagem tão arraigada no inconsciente de um diretor que gera medo e insegurança. Ademais, vários foram e são os estudos científicos que demonstram que essa espécie de condução organizacional não é capaz de gerar o estímulo tão necessário para que os colaboradores se empenhem no desenvolvimento de suas atividades laborais, o que, por conseguinte, implica no não atingimento das metas em sua completude e déficit no lucro das empresas.

Se faz imprescindível, portanto, uma reformulação na capacitação daqueles que são designados para serem líderes dentro de um setor da empresa. Capacitação essa que está diretamente atrelada à real possibilidade de unir a cobrança dos resultados mas de modo respeitador ao ser humano que existe por trás do empregado.

Justamente corroborando todo o exposto é o que bem expõe Antonik (2016, p.221):

“É no relacionamento diário com os funcionários da empresa que as atitudes mais importantes do líder se manifestam. Ele trata seus colaboradores com justiça e equidade e os estimula a alcançar resultados. O bom líder deve estimular que o colaborador se levante pela manhã e se sinta feliz em ir para o trabalho”.

Baseada em pesquisas, a literatura contemporânea está repleta de obras que reforçam a necessidade de que o gerente interaja com os seus subordinados de forma eficiente, cobrando resultados e estabelecendo limites de forma justa e educada. Na empresa de hoje não cabem mais gestores autoritários, despóticos, arrogantes e mal-educados no trato.

Sendo assim, as empresas estão passando a ter grande preocupação com o relacionamento interpessoal de seus colaboradores e investindo muitos recursos em capacitação e desenvolvimento gerencial. É uma maneira de “humanizar” seus executivos e conseguir que seus gerenciados sejam comprometidos com o trabalho.

O homem moderno visa agregar à sua existência um novo componente, qual seja, a qualidade de vida, pelo que se acabou por influenciar tal urgência também dentro dos centros empresariais. Por conseguinte, as empresas têm se esforçado com o objetivo de tornas suas tomadas de decisões com caráter mais socializador, ampliando as suas responsabilidades sociais (que como já verificado vai além das obrigações de natureza contratual de pagar o salário), e produzindo uma redefinição de sua missão e papel na sociedade.

Segundo o preconizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) a qualidade de vida reflete a percepção dos indivíduos de que suas necessidades estão sendo satisfeitas ou, ainda, que lhes estão sendo negadas oportunidades de alcançar a felicidade e a auto-realização, com independência de seu estado de saúde físico ou das condições sociais e econômicas (OMS, 1998).

No ambiente corporativo, a qualidade de vida funciona como um indicador para auferir a satisfação do colaborador na empresa, a partir do seu bem-estar físico, mental, crescimento pessoal na empresa, interação com membros da equipe e líderes, além de outros fatores.

Se faz de suma importância, assim, destacar-se o discurso abaixo de Limongi-França (2012, p.175), esclarecendo que a sigla QVT significa  Qualidade de Vida no Trabalho:

“Há grande crença de que os programas de QVT geram resultados mensuráveis nas organizações, embora ainda exista pouca cultura quanto às métricas hoje existentes. A associação entre QVT e produtividade e' aceita pela grande maioria dos administradores. E' uma associação imediata e positiva. Observa-se que em muitas organizações ainda prosperam métodos de gestão pouco afeitos a` QVT. Entre a percepção do administrador e as práticas reais existe uma lacuna, o que e' reforçado pela idéia de que muitos empregadores são vistos como refratários a` QVT. Maior disposição para o trabalho, melhoria do clima interno, maior comprometimento, fidelidade a` empresa e atracão pelos benefícios são os elementos que mais contribuiriam, nessa ordem, para a percepção de aumento da produtividade.

É importante para o administrador o conceito de que QVT e', acima de tudo, um investimento da empresa e não somente uma ação filantrópica, mercadológica ou mesmo uma obrigação legal. O administrador considera QVT um tema estratégico para o aumento de produtividade em ambientes competitivos, mas que ainda carece de maiores informações sobre o perfil dessa nova competência identificada”.

Observa-se que assegurar a Qualidade de Vida no Trabalho ganhou um papel estratégico para as organizações, sendo capaz de gerar valor, não apenas no aspecto social, como também econômico e de imagem perante os consumidores e fornecedores dos serviços.

Dessa forma, a necessidade dos profissionais que laboram em empresas posuírem um sentimento de satisfação com suas atividades é uma realidade que não pode mais ser negligenciada pelos empresários, pelo que a preocupação com a Qualidade de Vida no Trabalho já é sim uma realidade atual e imprescindivel, e que quando devidamente cumprida e efetivada é capaz de gerar aos estabelecimentos ganhos evidentes de produtividade, melhoria na imagem externa (reputação) e redução de custos.

Destarte, garantir o equilíbrio entre Qualidade de Vida no Trabalho e produtividade é uma das grandes questões atuais do mercado de trabalho. Se por um viés nota-se a crescente demanda por mais bem-estar aos trabalhadores, por outro, as cobranças por produtividade e performance parecem aumentar, pelo que é atribuição do empregador como sua responsabilidade social garantir que o ambiente laboral proporcione aos colaboradores uma jornada saudável, o que inevitavelmente assecurará engajamento dos trabalhadores e lucratividade aliada à uma boa imagem externa.

2.3 Ambientes de trabalho inseguros criam fatores de risco para a saúde mental e prejudicam a retenção de talentos.

Como visto no tópico anterior do presente trabalho, as empresas já constataram que a preocupação e o efetivo zelo pelo bem-estar no ambiente laboral é uma prática inerente à responsabilidade social das mesmas, e uma realidade que não tem mais como ser afastada.

Isso porque um colaborador com pouca motivação pode ser bastante oneroso para a empresa, vez que possuir funcionários não engajados afeta a economia e pode implicar em graves impactos em toda a empresa, incluindo surgimento ou agravamento de doenças mentais, absentismo maior, menor satisfação do cliente e taxas de retenção mais baixas.

Nesse sentido, veja-se o que prescrevem Feliciano e Ebert (2018, p.268):

“Em tal contexto de quantofrenia e de cobrança por dedicação integral à persecução das metas cada vez mais arrojadas — em prejuízo à própria recomposição psicofísica, ao direito ao lazer e à vida pessoal — não é difícil antever que o ambiente laboral a circundar aqueles obreiros será marcado por intensa pressão psicológica a redundar, como visto, na institucionalização sutil ou severa da violência como forma de gestão. Diante de tal entorno, o indivíduo tende a reagir com a manifestação de sintomas de estresse que, em se agravando, resultarão no aparecimento de doenças de cunho psicossomático, tais como a agorafobia, o burnout, a depressão, dentre outras, conforme bem salienta Marie--France Hirigoyen:

Nos grupos que trabalham sob pressão, os conflitos nascem muito mais facilmente. As novas formas de trabalho, que visam fazer crescer o desempenho nas empresas, deixando de lado todos os elementos humanos, são geradoras de estresse e criam, assim, as condições favoráveis à expressão da perversidade”.

Tratando especificamente da Síndrome de Burnout, tem-se que a mesma é uma doença resultante do excesso de atividade profissional, e que inclusive foi reconhecida como doença do trabalho pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que oficializou o burnout como "síndrome ocupacional crônica". Em 1º de janeiro deste ano corrente, a Síndrome de Burnout passou a ser classificada como "estresse crônico de trabalho que não foi administrado com sucesso", sendo incluída na Classificação Internacional de Doenças, na CID-11.

Quer dizer, a depender do local em que a atividade profissional é exercida, se num ambiente hostil e nocivo aos direitos de personalidade e dignidade da pessoa humana do trabalhador, um quadro de adoecimento compatível com a Síndrome de Burnout poderá ser desencadeado. Por conseguinte, por já existir o reconhecimento internacional da referida enfermidade como de natureza ocupacional, pode ocorrer tanto um afastamento previdenciário do empregado do trabalho, quanto um ajuizamento de reclamação trabalhista pleiteando indenização por danos morais e/ou materiais advindos da doença ocasionada pelo labor. De todo modo, não apenas o trabalhador será prejudicado, como também o próprio estabelecimento empresarial, que simplesmente deixou de adotar as medidas de saúde e segurança básicas em prol do ambiente laboral.

Ante o ora argumentado, aos empregadores compete o dever de natureza objetiva de impedir a adoção de medidas que resultem no desequilíbrio do meio ambiente laboral, de modo a ocasionar potenciais danos à integridade psicológica dos trabalhadores, e de agir no sentido de eliminar os fatores que porventura estejam concorrendo para tal degradação ou, simplesmente, de evitarem a criação de novos vetores de desequilíbrios.

Como outrora citado, outro fenômeno que pode surgir em decorrência de um ambiente organizacional insalubre é a dificuldade em reter empregados talentosos ou bem qualificados. Ora, se ao trabalhador não são asseguradas as melhores condições de trabalho, através da efetivação de condutas de caráter preventivo, onde se permeie não apenas a qualidade do ambiente laboral, como também a segurança e respeito à saúde mental e física daquele, a probabilidade desse colaborador pedir desligamento é alta e atualmente bem provável.

Assevera-se que existe uma alta probabilidade em razão de pesquisas recentes apontarem que o número de trabalhadores que estão a pedir demissão de seus empregos em face da ausência de um bem-estar e qualidade de vida no trabalho está se fazendo cada vez mais recorrente. É justamente o que revela a matéria intitulada “Pedidos de demissão no Brasil batem recorde apesar da crise”, publicada na Revista Online Exame no dia 04/10/2022, pelo que merece destaque o trecho abaixo:

“Houve claramente uma mudança de comportamento dos profissionais. Entre julho de 2021 e julho de 2022, o país registrou cerca de 6,5 milhões de pedidos de demissão de trabalhadores com carteira assinada.

Trata-se de um recorde histórico, apesar do alto índice de desemprego, inflação persistentemente alta e uma taxa de juros fortemente contracionista. Em relação aos mais de 4,5 milhões de demissões de 1 ano atrás, houve aumento de 42,5% dentro do acumulado de 12 meses.

A busca por realização pessoal, além da profissional, através de mais flexibilidade no trabalho, e da priorização da saúde mental, mantendo distância de ambientes corporativos tóxicos, estão entre as principais motivações de quem decide pedir demissão de forma voluntária no Brasil”.

Evidenciado, pois, que os trabalhadores estão optando espontaneamente em se desligarem de seus empregos nos casos em que verificam que o ambiente laboral não corresponde à dignidade humana que fazem jus. E nesse sentido novamente ressalte-se que a preservação da saúde mental está sendo cada dia mais elencada como motivação determinante de permanência ou não num local de trabalho.

O mesmo artigo ainda explana:

“De toda forma, o movimento do mercado deixa claro que a relação dos profissionais com o trabalho mudou, tanto as prioridades quanto a tolerância com condições de trabalho ruins diminuíram, obrigando as empresas a repensarem seus modelos de negócio, levando em consideração, cada vez mais, a experiência do colaborador”.

Portanto, as empresas estão correndo o risco de perderem profissionais de alta performance caso não ocorra o ajustamento dos ambientes corporativos às condições que promovam o bem-estar e qualidade de vida do trabalhador.

Ainda nessa temática de não ser mais uma utopia preocupar-se e implementar condições de trabalho dignas, pode ser destacado o Quiet Quitting. Ao contrário do que pode fazer crer a tradução da referida expressão (desistência silenciosa), na realidade não se propõe a desistência do trabalho em si, mas que o labor seja exercido nos exatos limites daquilo que foi ajustado com o empregador, sem que haja a prestação de serviços a menor ou a mais.

Como exemplos de aplicação de tal tendência tem-se que não se deveria mais prestar horas extras, e nem responder mensagens/e-mails, ou ligações do trabalho após o encerramento do expediente.

Em razão do aumento significativo de trabalhadores atingidos pela Síndome de Burnout, o Quiet Quitting está aparecendo como uma alternativa radical de mudança de comportamento por parte dos trabalhadores.

Embora o Quiet Quitting tenha aspectos positivos a serem levados à frente, como realmente ocorrer o respeito ao desligamento mental quando do fim do expediente, desenvolver apenas o estritamente necessário nas atividades profissionais não seria a solução ideal.

Explica-se:

o trabalho é basicamente a atividade que ocupa a maior parte das horas dos dias dos indivíduos, e, para isso, acredita-se ser essencial se encontrar motivado em dar o seu melhor. Fazer apenas o básico, ou apenas aquilo que faz parte do seu escopo laboral, não trará novos desafios e tampouco irá promover o crescimento profissional e pessoal.

Contudo, é imprescindível que haja uma relação de compensação por parte da empresa. Quer dizer, precisa ocorrer um reconhecimento e uma valorização do trabalhador por parte dos empregadores. É uma relação mútua, de troca, pois do contrário, ter-se-ão apenas empregados se esforçando, fazendo o "algo a mais" sem ter um propósito e satisfação.

O segredo é encontrar o equilíbrio. 

3 CONCLUSÃO

Ante todo o exposto no trabalho em comento, percebe-se o quão a temática do bem-estar organizacional e qualidade de vida do trabalhador é uma realidade no mercado de trabalho atual, pois são elementos inerentes à responsabilidade social do empregador. Responsabilidade social essa decorrente de variados dispositivos legais pátrios e internacionais, que são taxativos em pregar que a proteção do ambiente laboral é uma obrigação a ser observada pela empresa, e um direito humano do empregado.

Ademais, já no ano de 2022 a Síndrome de Burnout, uma doença mental ensejada especificamente pelo excesso de trabalho, foi reconhecida pela Organização Mundial de Saúde como de natureza profissional, ou seja, o ambiente de trabalho como fator desencadeador ou agravador de uma enfermidade gera ainda mais o alerta para que a implementação de condições laborais adequadas seja concretizada.

E inclusive essa efetivação das medidas de proteção pela integridade física e psicológica dos empregados é capaz de aumentar a produtividade da empresa em razão do trabalhador com propósito ter um maior engajamento, e também criar e/ou consolidar a boa imagem perante o mundo exterior.

Igualmente foi concluído que o não cumprimento de medidas de zelo do ambiente corporativo e qualidade de vida do trabalhador já está a gerar um movimento de pedido de demissões em grande quantidade, com a perda de profissionais bem qualificados.

Assim, foi realizada uma pesquisa bibliográfica acerca do tema proposto, abordando não apenas uma consulta a normativos legais, como também abrangendo estudos doutrinários e cientificos sobre como o mercado de trabalho atualmente enxerga a questão do bem-estar organizacional e qualidade de vida do trabalhador.

Devido à própria duração e formatação do Trabalho de Conclusão de Curso, qual seja, através de um artigo cientifico, infelizmente não fora possível proceder com uma pesquisa de campo, de modo a obter dados concretos mais específicos por região, por exemplo.

Assim, há possibilidade real de continuidade de futuras pesquisas ainda nesse tema, desta feita procurando extrair informações diretamente do modo de atuação de algumas instituições empresariais, bem como através de entrevistas com trabalhadores de áreas distintas e até profissionais da área de saúde, como psicólogos e psiquiatras, e da gestão de pessoas.

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SOARES, Flaviana Rampazzo. Danos extrapatrimoniais no direito do trabalho. São Paulo: Editora LTr, 2017.E-book. ISBN 978-85-361-9276-5. Disponível em: https://app.vlex.com/#/search/jurisdiction:BR+content_type:4/bem+estar+organizacional/p5/WW/vid/696116557. Acesso em 12 out. 2022.

Lívia Garcia Vasconcelos
Advogada trabalhista pleno, graduada em Direito pela Universidade de Fortaleza em 2006, e pós graduada em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Faculdade Christus em 2010. Atualmente pós-graduanda em Direitos Humanos, Responsabilidade Social, e Cidadania Global pela PUCRS, sendo o presente artigo o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) já aprovado pela banca examinadora com nota máxima.

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