O atual Código Florestal1 impôs uma nova sistemática de regularização ambiental de imóveis rurais, por meio da inscrição do imóvel rural no Cadastro Ambiental Rural (CAR)2, da adesão ao Programa de Regularização Ambiental (PRA)3 e da assinatura do termo de compromisso4.
A inscrição do imóvel rural no CAR é obrigatória para todos os imóveis rurais e por prazo indeterminado. Os proprietários e possuidores de imóveis rurais devem inscrever o imóvel rural, por meio do Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural – SICAR, mediante a identificação: do imóvel, e localização das Áreas de Preservação Permanente, das áreas de uso consolidado e, caso existente, também da Área de Reserva Legal.
A inscrição no CAR tem natureza declaratória e, enquanto não houver manifestação do órgão competente, sendo que a despeito de ainda não ter sido analisada é considerada efetivada, nos termos do atual Código Florestal5, já que a demora das autoridades ambientais na análise não pode prejudicar o proprietário que apresentou seu projeto.
Além disso, a identificação da Área de Reserva Legal no CAR desobriga a sua averbação à margem da matrícula do imóvel, exceto nos casos de Cota de Reserva Ambiental – CRA (art. 45, § 3º) e de servidão ambiental (art. 78).
Apesar da desobrigação da averbação da Área de Reserva Legal, prevista no art. 18, § 4º do atual Código Florestal, as Corregedorias Gerais de Justiça têm exigido a averbação do número da inscrição no CAR para a prática de determinados atos registrários6.
Depois de analisada e aprovada a inscrição do CAR, será constatado se o imóvel rural possuiu passivo ambiental a ser recuperado7. Caso haja passivo ambiental, o proprietário ou possuidor rural, que inscreveu o imóvel rural no CAR, até 31 de dezembro de 2020, poderá optar pela adesão ao Programa de Regularização Ambiental8 (PRA) para regularizar ambientalmente o seu imóvel. Importante destacar ser o CAR pré-requisito para adesão ao PRA.
A adesão ao PRA deverá ser feita até 31 de dezembro de 2022, nos termos do art. 29, § 4º, da lei 12.651/129 e do art. 1º da Resolução SAA 73/2010.
Os benefícios para adesão ao PRA de São Paulo são11: a) instituição de menos de 20% da área de Reserva Legal (artigos 67 e 68 do atual Código Florestal); b) manutenção do uso consolidado em APP (artigos 61-A e seguintes do atual Código Florestal); c). suspensão das multas ambientais e conversão em serviços de preservação (art. 59 do atual Código Florestal); d) recuperação dos passivos ambientais (APP e RL) em até 20 anos e, e) possibilidade de revisão de compromissos ambientais, firmados na legislação ambiental revogada, para adequação ao atual Código Florestal (lei 12.651/12).
Sobre a possibilidade de revisão de compromissos ambientais, o Supremo Tribunal Federal recentemente firmou entendimento sobre a constitucionalidade da possibilidade de revisão dos termos de compromissos ambientais firmados no Estado de São Paulo, mediante requerimento do proprietário ou do possuidor do imóvel rural, por meio da inscrição no CAR e demonstração de ganho ambiental, além da possibilidade da alteração da localização da Área de Reserva Legal12.
O atual Código Florestal já permitia a possibilidade de alteração da localização da Área de Reserva Legal, no caso de retificação do registro imobiliário13. O Supremo Tribunal Federal ampliou essa possibilidade para os casos destinados à agricultura familiar ou para atividades de baixo impacto ambiental, desde que: a) a nova localização considerará o perímetro do imóvel rural existente à época da instituição da reserva legal, cuja localização será alterada; b) as áreas de preservação permanente não poderão integrar a nova área de reserva legal (sobreposição); c) a alteração poderá ocorrer somente uma vez e d) não poderá implicar a conversão de novas áreas para uso alternativo do solo14.
Feita a adesão ao PRA, o proprietário ou possuidor rural apresentará um Projeto de Recomposição de Áreas Degradas (Prada). O Prada é um instrumento de planejamento das ações de recomposição contendo metodologias, cronograma e insumos. No Estado de São Paulo, o Prada deverá atender os requisitos previstos nos artigos 7º e seguintes da Lei Estadual n. 15.684/2015.
Depois de homologado o Prada, o aderente assinará termo de compromisso15 cujas atividades previstas deverão concluídas de acordo com o cronograma previsto no Termo de Compromisso firmado.
No Estado de São Paulo, a Resolução SAA 51, de 3 de junho de 2022, aprovou a minuta-padrão do Termo de Compromisso do Programa de Regularização Ambiental – TCPRA, previsto na Lei Estadual 15.684, de 14 de janeiro de 2015.
O Prada e o termo de compromisso não se confundem com contrato (ou escritura pública16) de pagamento por serviços ambientais, previsto no art. 22 da lei 14.119/21.
No aspecto registrário, por exemplo, o contrato de pagamento por serviços ambientais com obrigações de natureza real (propter rem) deve ser registrado na matrícula do imóvel, por força d art. 167, 45, I, da Lei de Registros Públicos.
Por outro lado, o Prada, o termo de compromisso e outras informações sobre a adesão do PRA pelo proprietário poderão ser averbadas à margem da matrícula do imóvel, nos termos do item 123, d), Cap. XX, das NSCGJ17. Entretanto, esta averbação não condiciona a prática de atos de registro, como no caso da averbação do número de inscrição no CAR (alínea b do item 123), nos termos do item 123.2 do Cap. XX, das NSCGJ18.
Concluída a execução do Prada e alcançado os indicadores ecológicos de monitoramento19, será homologada a regularização ambiental do imóvel rural, nos termos do atual Código Florestal.
Em resumo, a implantação do Programa de Regularização Ambiental do Estado de São Paulo tem gerado poucos efeitos registrários.
Atualmente, os efeitos registrários se limitam nos casos de revisão dos termos de compromisso firmados na legislação ambiental revogada à luz do atual Código Florestal e de alteração da localização da Área de Reserva Legal.
Além disso, as informações sobre a adesão do proprietário rural ao Programa de Regularização Ambiental poderão ser averbadas à margem da matrícula, mas não condicionaram a prática de atos de registro.
1 O termo “atual Código Florestal” parece ser mais adequado para a lei 12.651, de 25 de maio de 2012, uma vez que a revogada lei 4.771/65, autodenominou-se “novo Código Florestal”.
2 Art. 29 da lei 12.651/12.
3 Art. 59 da lei 12.651/12.
4 Art. 4º do Decreto Federal 8.235/14.
5 Art. 7º, § 2º, Decreto 7.830/12.
6 GRUPPI, Bruno Drumond; SUPPIA, Manuela Cortez. As exigências ilegais do cadastro ambiental rural nas NSCGJ. https://www.migalhas.com.br/depeso/362879/as-exigencias-ilegais-do-cadastro-ambiental-rural-nas-nscgj.
7 Fluxo de Regularização ambiental do imóvel rural (lei Federal 12.651, de 25 de maio de 2012). Agro Legal – Orientações, Diretrizes e Critérios Aplicáveis à Recomposição da Vegetação Nativa, São Paulo, Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente. Secretaria de Agricultura e Abastecimento. 2021. Disponível em: https://www.cati.sp.gov.br/portal/produtos-e-servicos/servicos/pra-programa-de-regularizacao-ambiental. Acesso em 2 nov. 22. p 12.
8 No Estado de São Paulo, o PRA foi regulamentado pela Lei Estadual 15.684/15 e pelos Decretos Estaduais 64.842/2020 e 65.182/2020.
9 § 4º Os proprietários e possuidores dos imóveis rurais que os inscreverem no CAR até o dia 31 de dezembro de 2020 terão direito à adesão ao Programa de Regularização Ambiental (PRA), de que trata o art. 59 desta lei.
10 Art. 1º O prazo para adesão ao Programa de Regularização Ambiental - PRA pelos proprietários e possuidores de imóveis rurais do Estado de São Paulo se inicia em 2 de janeiro de 2021 e se encerra em 31/12/22.
11 Agro Legal – Orientações, Diretrizes e Critérios Aplicáveis à Recomposição da Vegetação Nativa, São Paulo, Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente. Secretaria de Agricultura e Abastecimento. 2021. Disponível em: https://www.cati.sp.gov.br/portal/produtos-e-servicos/servicos/pra-programa-de-regularizacao-ambiental. Acesso em 2 nov. 22. p 13.
12 STF, RE 1253638 / SP, Relator: Min. DIAS TOFFOLI, Julgamento: 28/10/22.
13 TJSP; Apelação Cível 0004252-07.2009.8.26.0495; Relator: Theodureto Camargo; Órgão Julgador: 8ª Câmara de Direito Privado; Foro de Registro - 3ª Vara; Data do Julgamento: 8/8/22; Data de Registro: 8/8/22.
14 TJSP; Ação Direta de Inconstitucionalidade 2100850-72.2016.8.26.0000; Relator: Jacob Valente; Órgão Julgador: Órgão Especial; Tribunal de Justiça de São Paulo - N/A; Data do Julgamento: 5/6/19; Data de Registro: 7/6/19.
15 Art. 5º e incisos do Decreto Federal 8235/14.
16 Por força do art. 108 do Código Civil. Sobre o tema: SOUZA, Luiz Antônio; Kumpel. Vitor Frederico. Política nacional de pagamento por serviços ambientais. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/coluna/registralhas/339750/politica-nacional-de-pagamentos-por-servicos-ambientais. Acesso em 2 nov 22.
17 123. Poderão ser averbados: [...]. d) a informação de adesão do interessado ao Programa de Regularização Ambiental (PRA) de posses e propriedades rurais.
18 123.2. As averbações referidas na alínea b do item 123 condicionam as retificações de registro, os desmembramentos, unificações, outros atos registrais modificativos da figura geodésica dos imóveis e o registro de servidões de passagem, mesmo antes de tornada obrigatória a averbação do número de inscrição do imóvel rural no Cadastro Ambiental Rural – CAR, salvo se realizada a averbação tratada na alínea a do item 123.
19 Capítulo 7 – Checklist de Monitoramento. Agro Legal – Orientações, Diretrizes e Critérios Aplicáveis à Recomposição da Vegetação Nativa, São Paulo, Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente. Secretaria de Agricultura e Abastecimento. 2021. Disponível em: https://www.cati.sp.gov.br/portal/produtos-e-servicos/servicos/pra-programa-de-regularizacao-ambiental. Acesso em 2 nov. 22. p 13