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Fechamento da pista de Congonhas e lições sobre casos fortuitos e força maior

A situação ocorrida em Congonhas demonstra como determinados fatos externos podem prejudicar os voos programados em larga escala. São fatos que fogem totalmente ao controle das companhias aéreas, pois não há nada que elas pudessem fazer para evitar este evento.

4/11/2022

No último dia 9 de outubro, o país viu o fechamento de um de seus principais aeroportos, Congonhas, por nove horas, até que a pista  fosse liberada para novos pousos e decolagens, depois de um acidente com um jatinho particular, que teve o pneu  estourado e derrapou. O Aeroporto de Congonhas é um dos mais movimentados do país, com aproximadamente 592 decolagens por dia e recebendo aproximadamente 900 mil passageiros por ano. Desnecessário dizer que é um aeroporto extremamente importante para aviação civil no Brasil.

Segundo a Associação Brasileira das Empresas Aéreas (ABEAR) foram aproximadamente 300 (trezentos) voos cancelados em razão da paralisação. Se fizemos um cálculo bem aproximado, levando em consideração aproximadamente 250 passageiros por voo (esse número varia de acordo com o modelo da aeronave), estamos falando em 75 mil passageiros afetados pela paralisação do aeroporto. Também segundo a ABEAR, o prejuízo das companhias aéreas foi de aproximadamente R$ 15 milhões de reais.

Esses números servem como retrato de um problema que claramente não foi causado por nenhuma das companhias aéreas comerciais, além de impactar em seus passageiros e as próprias companhias aéreas.

A situação ocorrida em Congonhas demonstra como determinados fatos externos podem prejudicar os voos programados em larga escala. São fatos que fogem totalmente ao controle das companhias aéreas, pois não há nada que elas pudessem fazer para evitar este evento.

Mas, situações como essas, não são raras na aviação. Por várias vezes, uma companhia aérea pode deixar de efetuar pousos e decolagens por determinação dos órgãos aeroportuários, por falta de estrutura aeroportuária ou ainda precisam cancelar ou alterar um voo por condições climáticas adversas.

Em Congonhas a situação era bem evidente para os passageiros. Contudo existem situações que não são de fácil entendimento como, por exemplo, quando um voo é cancelado por condições climáticas adversas, mesmo o aeroporto de decolagem e de destino estando em boas condições. Isso pode ocorrer quando a condição climática adversa está no meio da rota da viagem o que influencia diretamente no sucesso do voo. A aviação é um ramo extremamente complexo e para que uma aeronave possa voar são necessárias autorizações dos aeroportos, estrutura aeroportuária adequada, planejamento de malha, radares meteorológicos entre tantas outras e muitos desses fatores fogem ao controle da companhia aérea. Justamente pela complexidade da aviação é que as legislações nacional e internacional preveem limitações e exonerações da responsabilidade das companhias aéreas.

O Código Brasileiro de Aeronáutica (CBA) estipula em seu art. 256, § 1º que o transportador aéreo não será responsável pelo atraso do transporte aéreo desde que demonstrada situação de caso fortuito ou força maior. 

O CBA, na verdade, apenas repetiu o que já está previsto na regra geral da responsabilidade civil estabelecida no próprio Código Civil, que também prevê a ausência de responsabilidade sobre prejuízos decorrentes de caso fortuito e força maior.

A doutrina possui vários debates sobre qual seria a definição de força maior e caso fortuito, mas para simplificar um pouco essa análise vamos definir que ambas são eventos imprevisíveis que impedem o cumprimento da obrigação, quando esse evento imprevisível decorre de atos humanos, estaremos diante de um caso fortuito, já quando o evento imprevisível independe da vontade humana e está mais relacionado a eventos da natureza, estaremos diante da força maior.

O fechamento da pista de Congonhas pode ser entendido como um evento de caso fortuito, enquanto um cancelamento de voo por condições meteorológicas adversas corresponde a um evento de força maior.

A distinção de importância doutrinária, não fará tanta diferença na prática, pois quer seja a força maior ou o caso fortuito, ambas as situações devem eximir a responsabilidade da companhia aérea. 

A Convenção de Montreal também prevê em seu art.19 que “o transportador não será responsável pelo dano ocasionado por atraso se prova que ele e seus prepostos adotaram todas as medidas que eram razoavelmente necessárias para evitar o dano ou que lhes foi impossível, a um e a outros, adotar tais medidas”.

Vamos novamente analisar a situação de Congonhas, havia algo que as companhias aéreas pudessem fazer? As companhias poderiam seguir com pousos e decolagens mesmo com a determinação de fechamento da pista pela autoridade aeroportuária? A resposta é claramente negativa, pois embora os cancelamentos e atrasos tenham causado aborrecimento aos passageiros, não havia nada a ser feito pelas companhias aéreas para remediar essa situação.

Felizmente ou infelizmente a aviação civil está diariamente sujeita a condições de caso fortuito e força maior que impedem pousos e decolagens. Poderíamos trazer diversos exemplos de eventos que impactam na aviação e que fogem ao controle das companhias aéreas, mas a verdade é que todas essas situações, geralmente, giram entorno da segurança do voo e dos passageiros.

Mesmo com todo esse cenário, as companhias aéreas recebem diariamente novas ações judiciais de passageiros que se sentem lesados por atrasos ou cancelamentos decorrentes de situações de caso fortuito e força maior. Muito disso decorre da crença brasileira de que basicamente qualquer alteração no contrato aéreo do passageiro lhe causaria um dano moral presumido (in re ipsa), ou seja, sem qualquer necessidade probatória. 

Neste ponto, o próprio CBA reforça em seu art. 251-A que o dano mano pela falha no transporte aéreo deve ser provado pelo passageiro, mas no dia a dia isso não é refletido em muitas ações judiciais que ignoram essa disposição legal.

Mas desde 2018, no julgamento do 1.584.465/MG1, sob a relatoria da Ministra Nancy Andrighi, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já havia se pronunciado sobre a necessidade de comprovação do dano extrapatrimonial sofrido em caso de atrasos de voo. Mas, mesmo com esse entendimento do STJ, muitas decisões judiciais caminhavam em sentido contrário.

Com a inclusão do art. 251-A do CBA já tem sido mais comum nos depararmos com decisões que efetivamente aplicam o artigo, reforçando a necessidade de prova do dano extrapatrimonial2.

Com o início dessa mudança de entendimento dos Tribunais, também já nos deparamos com decisões que reconhecem o caso fortuito e força maior como excludentes de responsabilidade das companhias aéreas. Em caso bem análogo ao ocorrido em Congonhas, em dezembro de 2021, o aeroporto de Guarulhos ficou temporariamente fechado, mas em razão de fortes chuvas que assolavam a região e levou a queda do sistema de iluminação das pistas. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) ao analisar ação ajuizada por passageiro que teve seu voo cancelado em razão deste fato reconheceu a inexistência de danos morais em razão da situação adversa vivida naquele momento3.

Mas ainda existem muitas decisões que caminham em sentido contrário, rejeitando a aplicação da legislação acima citada, o que por via de sequência serve de estímulo para propositura de novas ações, mesmo em situações de caso fortuito e força maior.

A IATA (International Air Transport Association), inclusive, já externou sua preocupação com a alta litigiosidade brasileira4 em contramão ao cenário internacional. Segundo os números da entidade, no ano de 2019 três companhias aéreas americanas que também atuam no Brasil receberam um processo a cada 1.250 milhões de passageiros transportados, enquanto no Brasil, essas mesmas aéreas receberam um processo a cada 227 passageiros.

A desconsideração das situações de caso fortuito e força maior, bem como a condenação em danos morais presumidos, causa perplexidade no cenário internacional, fazendo com que investimentos e crescimento do setor no Brasil seja prejudicado.

Diante disso é necessário desmitificar essa crença de um avião viaja com um carro que pode sair a hora que bem entender, sem depender de autorizações prévias ou de atos de terceiros. A aviação civil é uma área complexa, nenhuma aeronave decola ou pousa por ato isolado da companhia que depende de uma série de planejamentos e autorizações prévias para que possa ocorrer. Afinal, um complexo metálico de várias toneladas para subir ao ar precisa ter total segurança da sua operação.

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1 DIREITO DO CONSUMIDOR E CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E COMPENSAÇÃO DE DANOS MORAIS. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULA 282/STF. ATRASO EM VOO INTERNACIONAL. DANO MORAL NÃO CONFIGURADO. EXTRAVIO DE BAGAGEM. ALTERAÇÃO DO VALOR FIXADO A TÍTULO DE DANOS MORAIS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. [...]5. Na específica hipótese de atraso de voo operado por companhia aérea, não se vislumbra que o dano moral possa ser presumido em decorrência da mera demora e eventual desconforto, aflição e transtornos suportados pelo passageiro. Isso porque vários outros fatores devem ser considerados a fim de que se possa investigar acerca da real ocorrência do dano moral, exigindo-se, por conseguinte, a prova, por parte do passageiro, da lesão extrapatrimonial sofrida.

(RESP n. 1.584.465/MG, rela. Mina. Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. em 13/11/2018)

2 APELAÇÃO – Transporte aéreo nacional – Atraso de onze horas – Pedidos improcedentes – Pleito de reforma – Impossibilidade – Dano moral - Atraso que, isoladamente, não constitui dano moral in re ipsa – Entendimento do E. STJ – Inteligência do art. 251-A do CBA – Ausência de provas quanto a prejuízo a direitos da personalidade ou eventual outro dano concreto, decorrente do mero atraso - Pleito deduzido de forma genérica – Atraso no retorno – Inexistência de prejuízo – Assistência aos passageiros consistente em hospedagem, alimentação e imediata realocação no primeiro voo disponível – Recurso improvido. 
(TJSP;  Apelação Cível 1024672-17.2021.8.26.0003; Relator (a): Claudia Grieco Tabosa Pessoa; Órgão Julgador: 19ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional III - Jabaquara - 6ª Vara Cível; Data do Julgamento: 17/10/2022; Data de Registro: 17/10/2022)

RECURSO INOMINADO. TRANSPORTE AÉREO INTERNACIONAL. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR EM RAZÃO DE INEXISTIR NORMA ESPECÍFICA NA CONVENÇÃO DE MONTREAL. CANCELAMENTO DE VOO. ALTERAÇÃO DE ITINERÁRIO. ALEGAÇÃO DE EXCLUDENTE DE RESPONSABILIDADE. MAU TEMPO. PERMANÊNCIA DO DEVER DE ASSISTÊNCIA AO PASSAGEIRO. DANOS MATERIAIS NÃO RECONHECIDOS EM SENTENÇA. OFERECIMENTO DE REACOMODAÇÃO EM OUTRO VOO. CUMPRIMENTO DA NORMA PREVISTA NA RESOLUÇÃO 400 DA ANAC. PROSSEGUIMENTO DA VIAGEM VIA TRANSPORTE TERRESTRE. PARTE AUTORA QUE OPTOU POR ALUGUEL DE CARRO. DANOS MORAIS QUE NÃO SE REVELAM IN RE IPSA. ARTIGO 251-A DO CÓDIGO BRASILEIRO DE AERONÁUTICA. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DO ABALO PSICOLÓGICO SOFRIDO. DANOS IMATERIAIS NÃO CONFIGURADOS. RECURSO DA PARTE REQUERIDA PROVIDO. HOMOLOGADA A DESISTÊNCIA DO RECURSO INTERPOSTO PELA PARTE AUTORA.

(TJPR. Acórdão. Processo nº 0020603-07.2019.8.16.0035. Órgão Julgador: 2ª Turma Recursal. Data do julgamento: 08/05/2021. Data de publicação: 10/05/2021)

DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR - APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANO MORAL DECORRENTE DE ATRASO DE VÔO. INEXISTÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE MAIORES CONSEQUÊNCIAS DANOSAS NA ESFERA ÍNTIMA DA VÍTIMA - PREJUÍZO MORAL - NÃO CONFIGURAÇÃO - SENTENÇA REFORMADA. 1. A responsabilização civil do fornecedor por defeito na prestação do serviço prescinde da comprovação da sua culpa na ocorrência do dano ao consumidor, mas não dispensa a demonstração do dano - material e/ou moral - e do nexo de causalidade que, potencialmente, os conecta. 2. O artigo 251-A, incluído na Lei de n.º 7.565/98 (Código Brasileiro da Aeronáutica) pela Lei de n.º 14.034/2020, normatiza que a indenização por dano extrapatrimonial em decorrência de falha na execução do contrato de transporte fica condicionada à demonstração da efetiva ocorrência do prejuízo e de sua extensão pelo passageiro ou pelo expedidor ou destinatário de carga. 3. Não comprovado que o atraso na espera pela decolagem de vôo doméstico, adiado pela companhia aérea por razões de ordem técnica, teve maiores repercussões lesivas aos direitos da personalidade e/ou honra objetiva e subjetiva do consumidor, fica rechaçada a configuração do dever reparatório por prejuízo moral.

(TJ-MG - AC: 10000205953920001 MG, Relator: Márcio Idalmo Santos Miranda, Data de Julgamento: 12/05/2021, Câmaras Cíveis / 9ª C MARA CÍVEL, Data de Publicação: 18/05/2021)

3 APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. TRANSPORTE AÉREO DOMÉSTICO. CANCELAMENTO DE VOO. NECESSIDADE DE ADEQUAÇÃO DA MALHA AÉREA EM DECORRÊNCIA DA SUSPENSÃO DAS OPERAÇÕES AEROPORTUÁRIAS EM GUARULHOS/SP, EM RAZÃO DAS FORTES CHUVAS OCORRIDAS NO DIA 17.12.2021. DANOS MORAIS. INOCORRÊNCIA. SENTENÇA CONFIRMADA. - RECURSO DESPROVIDO.

(TJSP;  Apelação Cível 1000860-09.2022.8.26.0003; Relator (a): Edgard Rosa; Órgão Julgador: 22ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional III - Jabaquara - 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 02/09/2022; Data de Registro: 02/09/2022)

4 https://airlines.iata.org/analysis/resolving-brazilian-litigation-issues

Marcela Permuy Gomes
Advogada e sócia da Lee, Brock, Camargo Advogados (LBCA)

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