Migalhas de Peso

Um novo paradigma de superação do modelo individualista de ação

Com o aumento das demandas coletivas nas sociedades vanguardistas, as normativas priorizaram as demandas sociais e as necessidades dos hipossuficientes.

4/11/2022

A priori, faz-se necessário contextualizar que o período liberal, proporcionou a positivação dos dos direitos fundamentais denominados de primeira geração, cuja materialização coadunava com os direitos negativos de caráter politico e civil. Ou seja, com a conquista da liberdade, no século XVIII, tentou-se controlar a ação estatal permitindo aos cidadãos o direito ao voto, a propriedade, a liberdade de locomoção,a associação, a reunião. Nesse prisma, após essa conquista de direitos negativos,iniciou-se a  política social denominada welfare State ( bem- estar social) e foi necessária a  positivação dos direitos de segunda geração, cuja tratativa priorizava a igualdade erga ornes. Destarte, havia a liberdade ostentada pelos direitos de primeira geração e surgiu uma nova concepção de direitos igualitários de segunda geração, chamados, por muitos doutrinadores, de sociais, econômicos e culturais. Entretanto, posteriormente, as demandas individuais da sociedade foram dando lugar às coletivas, uma vez que as vantagens eram multidisciplinares, fazendo surgir os direitos de terceira geração ou transindividuais.

Nessa linha de argumentação sobre os direitos coletivos lato sensu, pode-se citar o doutrinador Cappelletti que descreveu as 3 ondas revolucionárias de acesso à justiça: a assistência judiciária aos hipossuficientes, os interesses difusos supracitados e a ADR ( alternativa dispute resolution). Por conseguinte, especificamente nessa narrativa, quando se valoriza a concepção da ação coletiva, pode-se descrever muitas vantagens atinentes a essa demanda pontual: o uso da coisa julgada coletiva, a celeridade e a eficiência,o descongestionamento de ações no Poder Judiciário e a diminuição de resoluções diferenciadas. Nessa toada, trazendo os direitos coletivos para a realidade brasileira, infere-se que a defesa dos direitos transindividuais é abrangida por um macrossistema normativo de tutelas coletivas com a finalidade de julgar as demandas difusas, as coletivas estrito sensu e as individuais homogêneas. Destarte, foram criadas as normativas coletivas esparsas infraconstitucionais como a lei da Ação Civil Publica (7.347/85), a lei da Ação Popular (4.717), o Código de Defesa do Consumidor (8.078/90), o Novo Código de Processo Civil ( NCPC/15) e a Constituição Federal de 1988.

Ademais, é cediço na doutrina que existem três tipos de Direitos Coletivos – os Direitos difusos ou transindividuais, os  coletivos em sentido estrito e os individuais homogêneos, contendo cada um sua peculiaridade intrínseca. Ou seja, os interesses difusos são referentes ao ideal de fraternidade universal e abrangem o meio ambiente, a comunicação, a proteção do consumidor, a proteção  de comunidades indígenas, sendo subjetivamente indetermináveis e indivisíveis.Todavia, os direitos coletivos estrito sensu se relacionam a um grupo de indivíduos determinável, envolvido por uma determinada relação jurídica com resolução indivisível. Como exemplo pode-se descrever a ação civil pública coletiva pautada no grupo de pessoas que obtiveram o programa “ Minha Casa Minha Vida”ou alunos envolvidos em uma lide em determinada escola, ou seja, pode-se determinar que os sujeitos envolvidos e a resolução da lide serão igualitários erga omnes. Finalmente, os direitos individuais homogêneos se transportam para a origem comum com divisibilidade resolutória, sendo descritos como acidentais coletivos. Nessa linha, os exemplos importantes são intoxicações alimentares em um restaurante, a contaminação de pessoas por transfusão de sangue em um banco doador ou ações contra empresa que vendem um lote de carros com defeitos de fábrica.

Para complementar a dissertação, é cediço que nas ações coletivas, de um modo geral, a legitimidade para a ação deve ser extraordinária e concorrente, contando com o Ministério Público, a Defensoria Publica, a União, os Estados, o Distrito Federal, a Administração Publica indireta e as associações criadas há pelo menos 1 ano. Além disso, compartilham com os princípios do Direito Processual coletivo de acesso à justiça, devido processo legal coletivo, não taxatividade, prioridade jurisdicional em relação às demandas individuais e a reparação integral do dano. Outrossim, é importante destacar o princípio do “ transporte in utilibus” no qual as resoluções das ações coletivas refletem diuturnamente nas individuais, quando procedentes, transportando a coisa julgada benéfica. Segundo o Código de Defesa do Consumidor, no artigo 103, inciso terceiro “ Os efeitos da coisa julgada de que cuida o Art. 16, combinado com o Art. 103 da lei número 7.347 de 24 de julho de 1985, não prejudicarão as ações de indenização por danos pessoalmente sofridos, propostas individualmente ou na forma prevista neste código, mas, se procedente o pedido, beneficiarão as vítimas e seus sucessores, que poderão proceder à liquidação e à execução, nos termos dos Art. 96 a 99”.

Desse modo, quando há uma ação individual e posteriormente há a coletiva com a mesma demanda, é dada a faculdade ao indivíduo impetrante de suspender individualmente, para obtenção do sucesso indenizatório na ação coletiva, evitando-se o bis in idem e as ações dúplices no judiciário .

Diante do exposto, o processo evolutivo das ações coletivas foi pautado na mudança de paradigma das intenções individuais, cuja resolução contrastava com o ideal de celeridade, segurança jurídica das execuções coletiva. Nessa perspectiva, pôde-se visualizar que uma ação individual pode promover decisões anacrônicas e inconclusas, entretanto decisões coletivas permitem a consensualidade, a atuação difusa, a coisa julgada erga omnes e a  execução célere. Nesse contexto, diante da multiplicidade normativa, cabe ao impetrante da ação vislumbrar a melhor maneira de atingir o sucesso meritório aplicando os princípios coletivos do direito processual comum, ao visar o bem-estar social coletivo.

Joseane de Menezes Condé
Discente de Direito em Piracicaba, estagiária do TRT 15 e é formada em Medicina Veterinária pela Universidade Federal de Minas Gerais. Escreve para o Jornal Gazeta Piracicaba.

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