Neste breve ensaio pretendo reafirmar posicionamento anterior1 no que respeita à necessidade de imediata interposição de Agravo de Instrumento contra pronunciamento de 1º grau que rejeita a alegação de prescrição no momento do saneamento do processo (art. 354 ao 357, do CPC); entendimento este que foi objeto de acórdão da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça publicado em 29 de setembro de 2022.
Importante destacar que o CPC/15 alterou o regime de preclusão temporal dos pronunciamentos interlocutórios, tendo em vista que, à exceção das hipóteses expressamente previstas no art. 1015, aqueles proferidos na fase cognitiva do procedimento não são recorríveis de imediato, mas apenas como um capítulo preliminar do recurso de apelação interposto contra a sentença ou nas contrarrazões recursais2.
Aliás, vale fazer uma crítica em relação à redação do art. 1009, do CPC/15, eis que, ao invés de não estar coberta pela preclusão, o correto é compreender que o diploma processual em vigor apenas adia a sua ocorrência, para o momento da interposição da apelação ou a apresentação das respectivas contrarrazões.
Ora, a restrição da recorribilidade imediata gera, como consequência, a ampliação do efeito devolutivo do recurso de apelação, não deixando sujeitas à preclusão imediata as questões resolvidas na fase de conhecimento, que não se enquadrem no rol do art. 1015.
O Superior Tribunal de Justiça, ao apreciar os REsp repetitivos nº 1.696.396 e 1.704.520 (Tema 988 - Corte Especial – Rel. Min. Nancy Andrighi – J. em 05.12.18) fixou, por maioria, a seguinte Tese voltada à recorribilidade das interlocutórias que não se encontram no art. 1.015, do CPC:
“O rol do art. 1.015 do CPC é de taxatividade mitigada, por isso admite a interposição de agravo de instrumento quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação”.
Assim, de acordo com o precedente qualificado da Corte da Cidadania, o rol do art. 1.015, do CPC é de taxatividade mitigada, pelo que, nos casos de urgência ou inutilidade de julgamento do capítulo decidido em futuro recurso de apelação, é admitida a interposição de agravo de instrumento.
Contudo, a rigor, o que foi decidido do Tema 988/STJ não se aplica aos casos de prescrição e decadência, tendo em vista que aqui não se está discutindo a eventual inutilidade da apelação futura, mas sim a interpretação do art. 1.015, II, do CPC: versar sobre o mérito do processo inclui apenas o objeto litigioso do processo ou os fundamentos que, mesmo não sendo de mérito direto, são aptos à formação de coisa julgada?
Não tenho dúvida em afirmar que o objetivo maior do art. 1.015, II, do CPC foi alcançar as resoluções parciais de mérito direto (art. 356, do CPC) e extinção parcial do processo com resolução de mérito (art. 354, parágrafo único, do CPC).
Logo, a leitura do art. 1.015, II, do CPC (agravo de instrumento contra a decisão interlocutória que versa sobre mérito do processo) refere-se não apenas à resolução de parte do objeto litigioso, alcançando todas as decisões que formam coisa julgada, dentre as quais as elencadas no art. 487, II, do CPC – prescrição e decadência.
A interpretação conjunta dos arts. 354, §único; 356; 487, II; 1009, §1º e 1015, II, do CPC, permite apresentar as seguintes variáveis: a) acolhimento de prescrição e decadência para a extinção total do processo – recurso de apelação; b) acolhimento da prescrição e decadência com a extinção parcial do processo, prosseguindo o feito em relação a outros capítulos ainda não apreciados – recurso de agravo de instrumento; c) rejeição da prescrição e decadência no momento do julgamento conforme o estado do processo, contendo a demanda um ou mais pedidos cumulados – recurso de agravo de instrumento. Caso não seja interposto o apelo cabível, a decisão interlocutória ou sentença será atingida pela imutabilidade decorrente da coisa julgada, dentro dos limites do que foi decidido.
O STJ já tinha posicionamentos reconhecendo o cabimento de Agravo de Instrumento nos casos de rejeição de prescrição no curso do andamento do feito, fazendo leitura conjunta dos arts. 487, II c.c 1.015, II, do CPC (REsp 1.778.237/ RS – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – 4ª T – J. em 19.02.19; REsp. nº 1.738.756/MG – Rel. Min. Nancy Andrighi – 3ª T – J. em 19.02.19).
Aliás, mesmo as questões de ordem pública decididas e não recorridas estão sujeitas à preclusão. No AgInt nos EDcl no AREsp 848766 / RJ (Rel. Min. Moura Ribeiro – J. em 15/10/2018 - DJe 18/10/2018), a 3ª Turma tratou especificamente da questão ligada à preclusão, consagrando que: “constou expressamente na decisão agravada que nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça as matérias de ordem pública, tais como prescrição e decadência, podem ser apreciadas a qualquer tempo nas instâncias ordinárias. Todavia, existindo decisão anterior, opera-se a preclusão consumativa se não houver impugnação no momento processual oportuno”.
Em julgamento ocorrido em junho de 2022, novamente a 3ª Turma do STJ se pronunciou sobre o tema preclusão e questão de ordem pública, afirmando que: "as questões de ordem pública também estão sujeitas à preclusão consumativa se já tiverem sido objeto de manifestação jurisdicional anterior e não houver insurgência quanto à matéria no momento oportuno" (AgInt no AREsp 2.007.442/SP, Relator o Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe de 30/6/2022).
Existem algumas variáveis a serem analisados nos casos concretos, a saber: em caso de acolhimento ou rejeição da prescrição e decadência, haverá decisão de mérito, para fins de recorribilidade mediante apelação (se for o caso de obstar o prosseguimento da fase cognitiva do procedimento) ou agravo de instrumento (quando não impedir o prosseguimento da relação processual em relação aos objetos não atingidos pelo julgado)3.
O assunto prescrição rejeitada no curso do processo e recurso cabível voltou a ser analisado pela 3ª Turma do STJ no recentíssimo REsp 1.972.877 (Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze – J. em 27.09.2022 – DJ 29.09.2022).
O caso concreto tratou da rejeição da prescrição na decisão saneadora irrecorrida, com posterior julgamento improcedente do pedido. Contudo, na apreciação do recurso de apelação, o Tribunal de Justiça do Paraná reconheceu a prescrição, com a extinção do processo com resolução de mérito (art. 487, II, do CPC).
O STJ deu provimento ao REsp reconhecendo a existência de preclusão consumativa na decisão saneadora. Esta é a Ementa do Acórdão em questão:
“RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA. PRESCRIÇÃO AFASTADA EM DESPACHO SANEADOR. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO POR MEIO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO. QUESTÃO NOVAMENTE TRATADA PELO TRIBUNAL DE ORIGEM EM APELAÇÃO DA AUTORA. IMPOSSIBILIDADE. PRECLUSÃO CONSUMATIVA. INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 487, INCISO II, C.C. 1.015, II, DO CPC/2015. RECURSO PROVIDO.
- A questão posta cinge-se em saber se houve ou não preclusão em relação à prescrição suscitada pela parte ora recorrida, considerando que o Juízo de primeiro grau decidiu a respeito na decisão saneadora e não houve interposição do respectivo agravo de instrumento.
- Esta Corte Superior, sob a égide do Código de Processo Civil de 1973, tem entendimento pacífico no sentido de ser necessária a interposição de agravo de instrumento contra a decisão saneadora que afasta a prescrição, sob pena de preclusão consumativa.
- Na hipótese, o Tribunal de origem não reconheceu a preclusão da matéria, por entender que o STJ somente pacificou o cabimento de agravo de instrumento contra decisão interlocutória que afasta a alegação de prescrição, após a vigência do CPC/2015, no início de 2019, com o julgamento do REsp n. 1.778.237/RS, ou seja, em momento posterior à prolação da decisão saneadora que afastara a prescrição na ação subjacente.
- Ocorre que, nos termos do art. 487, inciso II, do CPC/2015, a decisão que aprecia requerimento da parte sobre prescrição trata de questão relacionada ao próprio mérito da causa. Logo, esse decisum submete-se ao disposto no inciso II do art. 1.015 do novo CPC, o qual estabelece o cabimento de agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre o "mérito do processo".
- Por essa razão, havendo expressa previsão legal de cabimento do agravo de instrumento contra decisão interlocutória que versar sobre o mérito do processo, o que inclui, a teor do art. 487, inciso II, do CPC/2015, a questão relativa à ocorrência da prescrição, não há como afastar a ocorrência da preclusão consumativa na hipótese.
- Com efeito, ao contrário do que entendeu o Tribunal de origem, a necessidade de interposição de agravo de instrumento contra a decisão interlocutória que reconhece ou afasta a prescrição, na vigência do novo diploma processual, não decorre de interpretação jurisprudencial do STJ, mas sim de expressa determinação legal - arts. 487, II, c.c. 1.015, II, do CPC/2015. 7.
Recurso especial provido”.
Em virtude deste novo pronunciamento da 3ª Turma do STJ, entendo oportuno ratificar o posicionamento anterior, afirmando que o recurso cabível contra decisão que aprecia a prescrição (e também a decadência) é variável. Deve ser feita análise específica quanto ao momento de apreciação da prescrição e decadência, partindo de uma premissa: o art. 1.015, II, do CPC (cabimento de agravo de instrumento) refere-se aos casos de desmembramento do objeto litigioso, como nas situações previstas nos arts. 354, §único, do CPC (extinção parcial); art. 332 (improcedência liminar parcial)4, art. 356, do CPC (julgamento antecipado parcial de mérito – decisão parcial de mérito). Por outro lado, caso a sentença acolha, total ou parcialmente, a prescrição ou decadência (art. 487, II, do CPC), o recurso cabível é a apelação.
Outrossim, se o acolhimento for parcial, para atingir apenas um dos capítulos do objeto litigioso do processo, estará sujeito ao agravo de instrumento, por expressa previsão legal (art. 354, §único, art. 487, II e art. 1.015, II). Em caso de rejeição da alegação de prescrição e decadência no curso do processo (como no caso da decisão saneadora objeto do julgamento de setembro de 2022 da 3ª Turma do STJ), o recurso também deve ser o agravo de instrumento, com uma leitura ampliativa da redação do art. 1.015, II, do CPC, sob pena de preclusão quanto a oportunidade processual.
Estas são as novas observações sobre este tema tão importante na prática forense.
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1 ARAÚJO, José Henrique Mouta. Prescrição e decadência: conteúdo decisório e oportunidade recursal. Revista de processo 303, maio de 2020, p. 83-97.
2 “Entendemos que tal inovação possui o condão de simplificar a recorribilidade das decisões interlocutórias. Afinal, se, sob a égide do CPC de 1973, cabe à parte ratificar o agravo retido na preliminar de apelação/contrarrazões, mais simples se afigura dispensá-la de interpor previamente o recurso de agravo retido, concentrando a impugnação das decisões interlocutórias no próprio recurso de apelação”. HILL, Flávia Pereira. Breves comentários às principais inovações quanto aos meios de impugnação das decisões judiciais no novo CPC. In Novo CPC doutrina selecionada, v. 6: processo nos tribunais e meios de impugnação às decisões judiciais. DIDIER JR, Fredie (coordenador geral); MACÊDO, Lucas Buril de; PEIXOTO, Ravi; FREIRE, Alexandre (organizadores). Salvador: Podivm, 2015, p. 367.
3 Araken de Assis ensina que “tampouco subsiste qualquer dúvida quanto à natureza das questões relativas à prescrição e à decadência. Elas integram o mérito; por isso, são prévias apenas no plano lógico, no itinerário racional do julgamento. Essas questões, uma vez acolhidas, ensejam sentença definitiva (art. 487, II); rejeitadas, constituem decisões interlocutórias. No primeiro caso, cabe apelação; no segundo, agravo de instrumento” ASSIS, Araken de. Cabimento de agravo de instrumento contra decisão sobre prescrição e decadência proferida no saneamento do processo (CPC, art. 1.015, II). In Aspectos polêmicos dos recursos cíveis e assuntos afins. NERY JUNIOR, Nelson; ALVIM, Teresa Arruda; OLIVEIRA, Pedro Miranda. São Paulo, Revista dos Tribunais, vol. 14, 2018, p. 84.
4 Fredie Didier Júnior e Leonardo Carneiro da Cunha escrevem que: “no curso do procedimento, é possível haver decisões de mérito. O juiz pode, por exemplo, rejeitar a alegação de prescrição ou de decadência, determinando a instrução probatória. De decisões assim cabe agravo de instrumento, tal como prevê o art. 1.015, II, do CPC”. E concluem: “o disposto no art. 1.015, II, do CPC confirma a possibilidade de ser proferida, no processo civil brasileiro, decisão interlocutória de mérito definitiva. Se o dispositivo prevê agravo de instrumento contra decisão de mérito, está, em verdade, a admitir a existência de decisão interlocutória que trate do mérito com caráter de definitividade. Se o agravo de instrumento não for interposto, haverá coisa julgada. Não será possível impugnar a decisão interlocutória de mérito ou a decisão parcial de mérito na apelação a ser interposta da sentença que ainda será proferida”. Curso de Direito Processual Civil: meios de impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais. V. 3. 13ª ed. Salvador: Juspodivm, 2016. pp. 213 e 214.