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Trilogia reforma sindical

O presente trabalho não pretende conceituar as fases já implementadas e em curso da reforma trabalhista, mas, sim fazer uma análise sociológica.

27/10/2022

INTRODUÇÃO

Atualmente vivemos tempos difíceis diante das incertezas e especulações postas nas posições políticas que carregam a atual campanha eleitoral nos cargos majoritários, especialmente da Presidência da República, sem entrar em detalhes quanto aos projetos colocados para sufrágio do povo brasileiro, destacando apenas que a escolha democrática representa o ápice da democracia em especial o que fundamenta o nosso texto constitucional que diz: 

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:                                                  

Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.1

Com isso, podemos afirmar que o exercício da democracia é direito de todos e, as decisões políticas influem na vida de toda a coletividade o que não será diferente para a classe trabalhadora.

Destarte, não nos posicionando sobre qualquer das candidaturas postas acima citadas, porém, avaliando os posicionamentos dos dois candidatos que lograram ao 2º turno (LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA E JAIR MESSIAS BOLSONARO), podemos discutir os reflexos das posições de cada projeto para a manutenção ou não da reforma sindical implementada pela “TRILOGIA – EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 45 – TERCEIRIZAÇÃO – REFORMA TRABALHISTA.

O presente trabalho não pretende conceituar as fases já implementadas e em curso da reforma trabalhista, mas, sim fazer uma análise sociológica.

Nesse pequeno ensaio buscamos colocar luz no universo do trabalho e emprego, em especial quanto a reforma sindical que foi aprovada e implementada a nosso ver de forma desigual, ou seja sem igualdades de forças, denotadamente mais a favor do capital do que do trabalho, faltando-lhe o equilíbrio indispensável a essa relação, não que entendemos que não se fazia ou se faz necessário uma reforma sindical e do trabalhismo no Brasil, não defendemos a manutenção de conceitos superados e impossíveis de serem aplicados em vista dos avanços sociais e tecnológicos, principalmente com o avanço da tecnologia da informação, porém, o que discutimos é a forma como foi realizada tais reformas, em especial a última parte da trilogia “reforma trabalhista” extremamente açodada e sem o devido debate com a sociedade, especialmente com os agentes envolvidos (trabalhadores, empregadores e o governo), porque é cediço que a relação entre capital e trabalho é desigual.

Por isso, podemos destacar que “...sem o PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO não há direito do trabalho."2

2 DA TRILOGIA

2.1 DA NATUREZA JURÍDICA DOS SINDICATOS 

Após a promulgação da Constituição de 1988, muito se discutiu sobre a natureza das entidades sindicais, nos posicionamos de acordo com aqueles que entendem que são entidades de direito privado, de natureza pública, ou seja, pessoa jurídica de direito social.

Diante da sua natureza as entidades sindicais devem se distanciar do poder público e estar mais próximo dos anseios não somente dos trabalhadores e sim de toda a sociedade, participando ativamente seja nas questões sociais, econômicas e principalmente na política, como um ente de comprometimento com as políticas públicas.

2.2 DAS REFORMAS

2.2.1 Emenda Constitucional de nº 45/04

Com a promulgação da Emenda Constitucional de nº 45, foi alterado o art. 114 da Constituição Federal, mas para nosso trabalho vamos no ater a modificação de seu § 2º, temos:

Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: §2º Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente3.

Devemos nos ater ao debate ocorrido no Congresso Nacional anteriormente a sua aprovação e promulgação, e vê-se claramente que a intenção do legislador era dificultar a interposição de dissídios coletivos, mas em razão do entendimento de que as partes “capital e trabalho” deveriam se debruçarem para alcançarem formas de chegar a um denominador comum (negociação e acordo).

Para contextualizar temos a declaração do deputado Ricardo Berzoine, o qual consta do voto condutor do Ministro Gilmar Mendes na ADIn 3423 vejamos4:

“O sr. Ricardo Berzoini (PT). Sr. Presidente, quero esclarecer que uma das teses mais caras ao Partido dos Trabalhadores é a luta contra o poder normativo da Justiça do Trabalho. Acreditamos que a negociação coletiva se constrói pela vontade das partes. Ou seja, se não tivermos no processo de negociação a garantia da exaustão dos argumentos, da busca do conflito e da sua negociação, vai acontecer o que vemos em muitos movimentos hoje, particularmente em São Paulo, como o recente caso dos metroviários, em que a empresa recorre ao poder normativo antes de esgotada a capacidade de negociação. Portanto, na nossa avaliação, manter a expressão ‘de comum acordo’ é uma forma de garantir que haja exaustão do processo de negociação coletiva.
O Partido dos Trabalhadores vota pela manutenção da expressão, combatendo o poder normativo da Justiça do Trabalho, que hoje é um elemento de obstáculo à livre negociação coletiva.”

Da mesma forma temos outro trecho do referido voto do Ministro Gilmar Mendes, que traz a colação a Convenção 154 da OIT – Organização Internacional do Trabalho, que a nosso ver corrobora com a intenção do legislador, ou seja, não de proibir a busca do Judiciário, mas sim limitar e dar instrumentos para que as partes realmente cheguem a um consenso.

“A EC nº 45/2004, nesse sentido, vai ao encontro da Convenção nº 154, da Organização Internacional do Trabalho, sobre o Incentivo à Negociação Coletiva, concluída em Genebra, em 19 de junho de 1981, e ratificada pelo Brasil no ano de 1994 (Decreto nº 1.256, de 29 de setembro de 1994), que prescreve que os ‘órgãos e os procedimentos de resolução dos conflitos trabalhistas sejam concedidos de tal maneira que possam contribuir para o estímulo à negociação coletiva..”

Como vimos acima, e no nosso entendimento, muito embora a decisão na ADI 3423 seja no sentido de que a expressão “comum acordo” não é inconstitucional e, é, uma condição da ação, nada impede que seja dado seguimento aos dissídios coletivos, quando simplesmente uma das partes se recusar a negociar.                                                          

O maior contrassenso da reforma, iniciada com a Emenda Constitucional nº 45, é que retirou das entidades sindicais uns dos instrumentos que podiam evitar a recusa de negociação, pois, ao invés de incentivar a negociação coletiva a referida emenda simplesmente negou acesso aos trabalhadores ao mínimo de dignidade, ou seja, manutenção ou aplicação de benefícios sociais e econômicos e reajuste salarial, posto que se uma das partes se recusar a conceder o comum acordo, nada ou quase nada pode-se fazer a outra, posto que poucas são as entidade sindicais com capacidade de realizar uma greve para fazer valer os direitos dos trabalhadores, em especial com a implantação das leis 13.429/20175,  e 13.467/20176,  (terceirização e reforma trabalhista) respectivamente, mas sobre isso falaremos mais adiante.

Nosso entendimento é que o Tribunal Superior do Trabalho (TST), vem fazendo uma interpretação errônea, a acatar sem nenhuma discussão sociológica que a expressão “comum acordo” se aplica aos casos de negativa de negociação, posto que em momento algum o acórdão da ADIn 3423 tratou especificamente esse tema.

Neste sentido entendemos que a reforma sindical começou com a promulgação da EC/45, que enfraqueceu as entidades sindicais, em especial as vinculadas aos trabalhadores, que acabaram por ficar sem acordo ou convenção coletiva, quando há a negativa de negociação, ou simplesmente tem que se submeter as propostas do setor econômico se quiser que seja formulado um acordo e/ou convenção coletiva de trabalho, no nosso ponto de vista ato antissindical e assédio moral.

Por outro lado, entendemos que a RECUSA de uma das partes a negociação coletiva quando acatado pelo Judiciário como condição para o prosseguimento de dissídio coletivo, viola-se literalmente o art. 5º, XXXV e 8º da nossa Lei Maior, pois poderá deixar toda uma categoria sem instrumento coletivo de trabalho, o que caracteriza NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISCIDIONAL NÃO TOLERADA EM NOSSO ORDENAMENTO PÁTRIO, pois a jurisdição é inafastável.

2.2.2 Terceirização – Lei 13.429/17

A lei 13.429/17, que acrescentou os arts. 4-A e 5-A a lei 6.019/74, aprofunda ainda mais o projeto de reforma sindical, posto que com a terceirização indiscriminada, as entidades sindicais ainda mais se enfraquecem, pulverizando a representação que foi fortemente abalada com os serviços oferecidos por plataformas de aplicativos “uberização”.   

É certo que as entidades sindicais ainda não entenderam esse movimento e como falar com esses trabalhadores, sejam os terceirizados e ou os “uberizados”, posto que não se encontrou uma dinâmica aceitável para esse tema, em especial que ele leva a degradação do trabalho e com ele da remuneração.                                                                                               

É importante frisar para os aspectos de ordem social, pois, atualmente temos muitos trabalhadores nas plataformas de aplicativos que não tem nenhuma garantia social, sequer tem o contrato de trabalho formalizado, o que em algumas décadas teremos um grande contingente de trabalhadores em vias de aposentadorias sem ter implementado as condições para tanto.

2.2.3 Da reforma trabalhista – lei 13.467/17

Indagamos qual entidade patronal e/ou empresário que concordará que o sindicato laboral ingresse com ação que venha contra seus interesses?

Depois, vieram a ampla terceirização a qual precarizou ainda mais as condições de trabalho, possibilitando o nascimento da “uberização”; depois afastando as restrições no sentido de autorizar a negociação individual, a qual entendemos ser inconstitucional, contudo, não foi esse o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) diante da pandemia.6

E, por fim a falta de financiamento das entidades sindicais, mas esse assunto vamos discutir em outro momento, posto que infelizmente as entidades sindicais ainda não estão preparadas para tal, posto que não tem a compreensão necessária no sentido que aquele financiamento existente até 2017, dificilmente voltará e que se terá que fazer um grande esforço para achar um modelo que possa atender a todos. Pois, a reforma trabalhista associada a terceirização impõe o surgimento de um novo sindicalismo, vejamos: 

“Por fim, entendo que o sindicalismo nacional que ainda mantém em sua gênese as máximas da carta del lavoro do regime fascista, deve ser reinventado para fazer frente aos desafios da “Por fim, entendo que o sindicalismo nacional que ainda mantém em sua gênese as máximas da carta del lavoro do regime fascista, deve ser reinventado para fazer frente aos desafios da conjuntura atual e, defender os interesses da classe trabalhadora com equilíbrio e ponderação, sob pena, de praticamente deixarem de existir, ou seja, a prevalência do negociado sobre o legislado impõe o surgimento de um novo sindicalismo que efetivamente represente os trabalhadores.”7

Mas possamos adiantar que a entidade que desprezar o chão de fábrica, garagem etc., ficará para trás, posto que o financiamento passará prioritariamente pela associação, e diante de um mundo globalizado e do “home office” em alta, será muito difícil alcançar essas pessoas.  

Voltando ao nosso tema e para fechar com “chave de ouro” a dita “modernidade” ao direito do trabalho que foi trazida através do “Princípio do Negociado Sobre o Legislado”, não trouxe aos trabalhadores segurança jurídica ou de condições de trabalho, posto que juntamente veio a regulamentação que tinha como finalidade enfraquecer as entidades sindicais, ou seja, o financiamento.

Uma das consequências dessa dita modernidade é a “uberização” da prestação de serviços.

Os trabalhadores entraram em um engodo e acreditaram que seriam “empreendedores”, mas na verdade se tornaram um exército de pessoas sem qualquer amparo social, neste momento alguns trabalhadores começaram a acordar com as consequências nefastas e diante disso algumas plataformas começaram a fazer uma “modernização” e passaram a discutir a criação de alguns singelos benefícios sociais, que claro são ainda muito discretos.

Mas para finalizar esse pequeno ensaio, podemos afirmar que a reforma trabalhista acabou por desregulamentar as condições de trabalho; potencializou a precarização da mão de obra e possibilitou a retirada de direitos, em especial que a reforma enfraqueceu as entidades sindicais que já vinham combalidas e agora se desfiam, entre a defesa dos direitos dos trabalhadores e a própria existência.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em conclusão podemos afirmar que as reformas, seja a do Judiciário promovida pela Emenda Constitucional 45/2004; Terceirização e a Trabalhista, formam uma trilogia bem arquitetada para diante do enfraquecimento financeiro das entidades sindicais, implantar a mais nefasta reforma sindical, a qual tem demonstrado a vulnerabilidade dos trabalhadores, diante dos suscetíveis ataques gananciosos dos “maus” empresários que diante do enfraquecimento sindical, precarizam as relações capital e trabalho, com fortes consequências, para nossa vida atual, ofensa à democracia, infração, etc.           

Nesse diapasão é o nosso magistério no LIVRO A REFORMA TRABALHISTA E SUAS IMPLICAÇÕES SOCIAIS E JURÍDICAS PARA OS TRABALHADORES BRASILEIROS, vejamos:   

“... A reforma trabalhista associada a lei da terceirização indiscutivelmente levará seguramente a retirada de direitos consagrados, precarização de mão-de-obra, desestímulo a contratação por prazo indeterminado; incentivo ao surgimento exagerado de pessoas jurídicas individuais com o propósito de desvirtuar direitos trabalhistas assegurados atualmente pela CLT. Além claro do aumento do desemprego, seja formal ou informal.”8

Da conclusão do texto acima verifica-se que as previsões apontadas se confirmaram, pois é inegável que a reforma sindical posta: retirou direitos; precarizou a mão-de-obra; desestimulou o contrato por prazo indeterminado; se multiplicaram os ditos empreendedores (que na verdade se trata de trabalhador sem garantia social).

___________

1 Constituição Federal de 1988 – Artigo 1º, parágrafo único. 

2 MEDEIROS, Jose Juscelino Ferreira de; DANTAS, Arnaldo Donizetti – A Reforma Trabalhista e suas Implicações Sociais e Jurídicas para os Trabalhadores Brasileiros. p. 11.

3 Constituição Federal de 1988 – Artigo 114, parágrafo segundo

4 ADI 3423, Relator Ministro Gilmar Mendes – Define como Constitucional o termo “Comum Acordo”.

5 Lei 13.429/2017, Terceirização, Cria a terceirização de forma indiscriminada.

6 Lei 13.467/2017, Reforma Trabalhista. Implanta o Negociado sobre o Legislado.

7 MEDEIROS, Jose Juscelino Ferreira de – A prevalência do negociado sobre o legislado impõe o surgimento de um novo sindicalismo. Disponível em: https://josejuscelinoferreirademedeiros.com/2020/05/29/a-prevalencia-do-negociado-sobre-o-legislado-impoe-o-surgimento-de-um-novo-sindicalismo/

8 MEDEIROS, Jose Juscelino Ferreira de; DANTAS, Arnaldo Donizetti – A Reforma Trabalhista e suas Implicações Sociais e Jurídicas para os Trabalhadores Brasileiros. p. 83.

DELGADO, Mauricio Godinho. Direito coletivo do trabalho e seus princípios informadores. v.67. n. 02. Porto Alegre: Revista dos Tribunais, 2001.

MEDEIROS, Jose Juscelino Ferreira de; DANTAS, Arnaldo Donizetti – A Reforma Trabalhista e suas Implicações Sociais e Jurídicas para os Trabalhadores Brasileiros. 1ª. ed. Lisboa: Atlântico Grupo Editorial, 2021. ISBN 978-98-952-9049-9

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho. 24ª.ed. São Paulo: Saraiva, 2009. ISBN 978-85-02-07361-6

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao direito do trabalho. 33ª.ed. São Paulo: Saraiva, 2007. ISBN 978-85-361-0928-2

SANTOS, Ronaldo Lima dos – Sindicatos e ações coletivas: acesso à justiça, jurisdição coletiva e tutela dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos. 4º Ed. São Paulo: LTr, 2014.

SILVA, Homero Batista Mateus da. Comentários à reforma Trabalhista

. 1º Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017.

Arnaldo Donizetti Dantas
Consultor Jurídico do Sindicato dos Trabalhadores nas Empresas de Ônibus Rodoviários de São Paulo, Sócio de Dantas Sociedade Individual de Advocacia, Consultor Jurídico da Nova Central Sindical dos Trabalhadores de São Paulo - NCST/SP

Jose Juscelino Ferreira de Medeiros
Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental (Escola Paulista de Direito - EPD/SP). Especialista em Processo Penal (Universidade das Faculdades Metropolitanas Unidas - UNI/FMU). Possui graduação em Ciências Jurídicas e Sociais - DIREITO (Universidade Guarulhos - UnG). Advogado Trabalhista e Previdenciário

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