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A legalidade da taxa DI na remuneração do capital em contratos de empréstimo bancário

STJ caminha para a pacificação da legalidade da estipulação dos encargos financeiros em percentual sobre a taxa média aplicável aos CDIs e consequente inaplicabilidade da súmula 176/STJ.

24/10/2022

A legalidade da estipulação de encargos financeiros em percentual sobre a taxa média aplicável aos Certificados de Depósitos Interbancários (“taxa DI” ou “CDI”) em contratos de empréstimo bancário não é um assunto pacificado nos tribunais brasileiros, e tamanha divergência se dá em razão da interpretação da súmula 176, do STJ, que dispõe que “É nula a cláusula contratual que sujeita o devedor à taxa de juros divulgada pela ANBID/CETIP.”.

A maior parte dos julgados sobre o tema não se aprofunda nas razões que deram origem ao entendimento firmado na citada súmula e declaram a nulidade do encargo sob a justificativa de que “é ilegal a fixação da taxa de juros vinculada ao Certificado de Depósito Interbancário - CDI, por ser a CETIP a responsável pela sua apuração e divulgação”1 e que “se mantido o índice de juros remuneratórios (CDI/Cetip), configuraria estipulação unilateral de cláusula contratual e a Empresa Devedora se sujeitaria ao puro arbítrio do Banco Réu, o que é vedado pelo art. 122 do Código Civil2.  

Contudo, o que passa despercebido pelos tribunais ao declararem abusiva a vinculação dos juros ao CDI é que este não possui natureza potestativa. Para entender melhor a questão, analisaremos o contexto em que a mencionada súmula foi editada.

A súmula 176/STJ, editada em 1996, teve por pressuposto de sua criação dois principais fundamentos: i) o fato de que as normas de regência dispunham que tão somente o Banco Central do Brasil (BACEN) poderia fixar taxa variável; e ii) o caráter potestativo da taxa, na medida em que calculada por entidade voltada à defesa dos interesses das instituições financeiras (no caso, a Associação Nacional dos Bancos de Investimentos e Desenvolvimento - ANBID).

Ou seja, as razões de ser da súmula residiam na autonomia exclusiva do BACEN e na impossibilidade de influência e ingerência das Instituições Financeiras sobre a definição da taxa.

Ocorre que, ambos os fundamentos não se aplicam à taxa DI.

Em relação ao primeiro dos fundamentos (centralização da fixação das taxas pelo BACEN), tem-se, por primeiro, que a normatização vigente à época não dispunha que a taxa variável somente poderia ser fixada pelo Banco Central do Brasil, e sim que incumbia à referida autarquia "fixar parâmetro para base do reajuste periódico das taxas"3; e, por segundo, desde a edição da Circular 2.216 pelo BACEN, em 19 de agosto de 1992, ou seja, antes mesmo da própria edição da súmula do STJ, não mais subsistia óbice na adoção das taxas de juros praticadas nas operações de depósitos interfinanceiros como base para o reajuste periódico das taxas flutuantes, desde que calculadas com regularidade e amplamente divulgadas ao público4.

Quanto ao segundo fundamento (influência e ingerência das Instituições Financeiras sobre a entidade responsável pela definição da taxa), há que se esclarecer que a taxa DI não se confunde com a taxa ANBID, que estava vigente à época da edição da súmula e era composta pela média das operações de mercado em determinados títulos emitidos por instituições financeiras e calculada por uma associação que representava as instituições financeiras (ANBID).

Diferentemente da taxa ANBID, o CDI é definido pelo mercado a partir das movimentações econômico-financeiras e reflete o valor de captação de moeda suportado pelas instituições financeiras no fechamento de seus caixas e, portanto, não se sujeita a interferências por parte destas ou das associações que as representam, e sim ao natural movimento do mercado. Além disso, a apuração do CDI é feita pela B3 S/A (extinta CETIP), a qual não representa as Instituições Financeiras, não possui ingerência sobre a sua definição (feita pelo mercado interbancário) e está sob permanente fiscalização e vigilância da Comissão Monetária de Valores (CVM) e do BACEN.

Em poucas palavras, o CDI é índice autônomo e as instituições financeiras e associações a ela ligadas não têm qualquer controle sobre ele.

Após longos anos de aplicação irrestrita e equivocada do enunciado da Súmula 176/STJ para afastar a aplicação da taxa DI como parâmetro de incidência de juros remuneratórios em contratos financeiros, em fevereiro de 2020, nos autos do REsp 1.781.959/SC, o STJ enfim deu a atenção devida ao tema. Em profundo e esclarecedor acórdão, a Terceira Turma, por unanimidade, confirmou que não é potestativa a cláusula que estipula os encargos financeiros de contrato de abertura de crédito em percentual sobre a taxa média aplicável aos Certificados de Depósitos Interbancários (CDIs), visto que tal indexador é definido pelo mercado, a partir das oscilações econômico-financeiras, não se sujeitando a manipulações que possam atender aos interesses das instituições financeiras5.

No mesmo sentido, recentemente a Quarta Turma do STJ, no julgamento do REsp 1.630.706/SP, também analisou a questão e entendeu que “Não há vedação à adoção da variação dos Certificados de Depósitos Interbancários - CDI como encargo financeiro em contratos bancários"6.

Com isso, verifica-se que a Segunda Seção do STJ, responsável pelo julgamento de casos dessa natureza, inicia uma pacificação sobre o tema, ratificando a legalidade do CDI.

A partir disso, espera-se que a instabilidade desta questão também seja eliminada nos Tribunais Estaduais, que provavelmente começarão a seguir a direção traçada nos julgados do E. Superior Tribunal de Justiça – em observância ao art. 926 do Código de Processo Civil.

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AgInt no AgInt no AREsp 1599182/SP, Rel. Min. MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 4/5/20, DJe 7/5/20

TJ/SP;  Apelação Cível 1119320-23.2020.8.26.0100; Relator Penna Machado; 14ª Câmara de Direito Privado; Data do Julgamento: 2/2/22; Data de Registro: 2/2/22.

Resolução 1.143/86, do Conselho Monetário Nacional, Item IV, “b”.

Parâmetros definidos pelo BACEN por meio das Circulares 2.216/92, 2.436/94 e 2.905/99.

REsp 1.781.959/SC, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 11/2/20, DJe 20/2/20

REsp 1.630.706/SP, relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 7/6/22, DJe de 13/6/22.

Ana Amélia Fornazari
Advogada do escritório /asbz e especialistas em Contencioso Bancário.

Marcelo Justo
Advogado do escritório /asbz e especialistas em Contencioso Bancário.

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