Migalhas de Peso

A execução dos alimentos firmados em escritura pública. Como aplicar o artigo 733 do CPC?

Até o advento da lei nº 11.441/2007, os pensionamentos alimentícios eram fixados judicialmente, por sentença condenatória ou homologatória ou ainda, por decisão interlocutória, determinando alimentos provisórios ou provisionais.

5/4/2007


A execução dos alimentos firmados em escritura pública. Como aplicar o artigo 733 do CPC?

Fabiana Domingues*

Até o advento da lei nº 11.441/2007 (clique aqui), os pensionamentos alimentícios eram fixados judicialmente, por sentença condenatória ou homologatória ou ainda, por decisão interlocutória, determinando alimentos provisórios ou provisionais.

Assim, urgia o título executivo judicial, o qual afrontado pelo descumprimento do alimentante, proporcionava a execução do título sob os ditames legais previstos nos artigos 732 ou 733 do Código Processual Civil (clique aqui).

O artigo 732, o qual remete aos artigos dispostos no Capítulo IV do Título II, denominado “Das Diversas Espécies de Execução” (arts. 612 ao 731) sempre atendeu à execução de alimentos não pagos por um período maior que os três últimos meses anteriores à propositura da ação executória, determinando com a citação o pagamento em 24 (vinte quatro) horas ou a nomeação de bens à penhora (art. 652)

E o artigo 733 sempre serviu com muita eficácia às cobranças de alimentos considerados inadimplentes nos últimos três meses anteriores ao ajuizamento da medida executória. Em seu conteúdo, determinando a citação do devedor para em três dias efetuar o pagamento, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de fazê-lo, sob pena de prisão civil de um a três meses. O que poderia ser alterado com os preceitos do artigo 19 da Lei de Alimentos (nº 5.478/68 - clique aqui) a qual permite a prisão do devedor até 60 (sessenta dias).

Cumpre elucidar o porquê da delimitação da cobrança das três últimas parcelas anteriores à execução, vez que o texto do dispositivo não faz menção a esse período.

Referida prática se consolidou em nosso ordenamento jurídico, especialmente pela jurisprudência e recentemente pela Súmula nº 309 (clique aqui) do Superior Tribunal de Justiça, além de vasta doutrina, pois, como é sabido, as normas rigorosas que prevêem a coação pessoal tendem a ser interpretadas de forma restritiva e diante da excepcionalidade, e assim, na tentativa de assegurar o uso dessa forma executória, delimitou-se as parcelas que seriam o objeto da ação.

A novel legislação, a qual brindou a sociedade e os operadores do Direito com a permissão de realização de diversos institutos previstos em nosso ordenamento jurídico (separação, divórcio, inventários e partilhas) por procedimentos extrajudiciais, e em que pese a constatação de falhas em alguns aspectos, além da ausência de vacatio legis e regulamentação apropriada, não deixou de ser um avanço e uma resposta aos reclamos dos profissionais da área jurídica.

Todavia, um ponto que levanta divergências sendo de grande preocupação, é o que pertine aos alimentos.

Pois sendo a prestação alimentícia fixada por escritura pública poderá ser executada nos termos do artigo 733 do Código de Processo Civil?

Insta observar, antes de adentrar-se às possibilidades de respostas ao questionamento supra, que anteriormente à lei 11.441/2007, já se questionava a possibilidade da execução do título executivo extrajudicial quando a matéria abordava alimentos, vez que tanto o artigo 732, quanto o 733 do Código Processual Civil fazem menção à execução de decisão judicial, a qual sabe-se ser título executivo judicial.

Pois bem, a doutrina, neste sentido tendeu a não verificar óbice à proposição da ação executória de alimentos, com base em um título executivo extrajudicial, especialmente por não haver qualquer impedimento processual para o ajuizamento de referida demanda. Todavia, na prática as execuções embasaram-se nas decisões judiciais, não proporcionando maiores celeumas em torno do tema.

Porém, agora com a recente lei introduzida no ordenamento, o cenário é outro, o que traz novamente à baila referida discussão.

A ausência de óbice para o ajuizamento da ação executória com base em título executivo extrajudicial é facilmente constatado ao ser analisado o disposto no inciso II, do artigo 585, bem como os dispositivos que arrolam os requisitos para realização de qualquer execução, (arts. 583 e 580) pois, notar-se-á que basicamente são exigidos para a demanda executória, (i) o inadimplemento do devedor, e (ii) o título executivo, previsto nos artigos 583 e seguintes do CPC.

E acrescida tal análise da leitura do parágrafo único do artigo 580, que assim dispõe: “Considera-se inadimplente o devedor, que não satisfaz espontaneamente o direito reconhecido pela sentença, ou a obrigação, a que a lei atribuir a eficácia de título executivo”, tem-se que a inadimplência exigida poderá ser caracterizada por descumprimento a título executivo extrajudicial também.

Como se nota, não haveria, em tese, qualquer óbice para a execução do título executivo extrajudicial que fixasse alimentos, (v.g. escritura pública), pois, o legislador não faz distinção entre os tipos de títulos, somente cita no dispositivo o termo “título executivo”.

Aparenta tal entendimento ser passível de acolhimento, especialmente quando o rito da execução é o previsto no artigo 732, seja porque este remete às regras dispostas para a execução por quantia certa contra devedor solvente (Capítulo IV- arts. 646 e seguintes), ou ainda, por não conter previsão sancionatória que restrinja a liberdade do inadimplente.

No tocante à aplicação do artigo 733 do CPC, acredita-se que haverá mais resistência, tendo em vista a possibilidade de prisão civil do devedor que não pagar ou justificar sua inadimplência quando citado.

O artigo 733 é claro: “Na execução de sentença ou de decisão, que fixa os alimentos provisionais, o juiz mandará citar o devedor para, em 3 (três) dias, efetuar o pagamento, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de efetuá-lo.”

Sob interpretação literal, o mencionado dispositivo, apresenta uma resposta negativa à possibilidade de execução da escritura pública de alimentos, haja vista estar-se diante de um título executivo extrajudicial, o que contraria a previsão do artigo.

Entretanto, não parece ser o melhor entendimento a ser aplicado neste momento em que uma novel legislação, se manejada sob o rigor da lei, cerceará uma ferramenta eficiente na busca de uma resolução que envolve alimentos e que há muito vem sendo utilizada com sucesso.

Sim, porque na maioria dos casos, o débito alimentar é quitado na iminência ou na efetivação da prisão do devedor.

Desta forma, há de se atentar que em matéria famélica a tutela deve ser diferenciada e aí porque já existir mecanismos que permitem a proteção e a execução especial. Ao se tratar de alimentos, implicitamente se aborda o direito à vida, ou seja, direito fundamental previsto na Constituição Federal (clique aqui).

E realmente não parece intentar a recente norma afrontar tais princípios e direitos já concretizados em nossas leis, doutrinas e jurisprudência.

Seria realmente um retrocesso do sistema não permitir a execução nos moldes do artigo 733 do Código de Processo Civil, como supracitado, pois, se assim for, além de latente prejuízo ao credor de alimentos, ter-se-á malfadado benefício ao devedor.

Pois, se em um primeiro plano, o jurisdicionado é “beneficiado” com a agilidade dos procedimentos notariais extrajudiciais para fixar o pensionamento almejado e necessário à sua mantença.

Em um segundo momento, o mesmo cidadão seria obstado ao exercer o direito constituído no documento firmado extrajudicialmente, quando diante de seu descumprimento, vez que o artigo 733 do CPC não permite sua execução sob pena de prisão, caso interpretado de forma literal.

E o risco e prejuízos aumentam na hipótese do alimentante inadimplente não dispor de patrimônio em seu nome, no caso da execução sob pena de penhora (rito do art.732), pois, não restaria alternativa ao alimentando.

Ainda, não se pode olvidar que não se aplicando o artigo 733 do CPC às execuções fundadas nas escrituras públicas, estar-se-ia estimulando o desvio de bens a fim de se evitar a penhora de uma execução comum.

Pari passu, entende-se viável e urgente o ajuste neste tocante, de forma que seja permitido, sem qualquer restrição ou dúvida, o manejo de ações executórias, pelos ritos previstos tanto no artigo 732, bem como e fundamentalmente no artigo 733 do diploma legal em tela.

Todavia, até que a adequada normatização não ocorra, os julgadores poderão se basear, além de outras possibilidades, no artigo 5º da lei nº 4.657/1942- Lei de Introdução ao Código Civil (clique aqui), qual seja: “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.”

Ademais, o parágrafo 1º do artigo 1.124-A, acrescido ao Código de Processo Civil pela novel lei, preceitua: “A escritura não depende de homologação judicial e constitui título hábil para o registro civil e o registro de imóveis”. Aqui, se nota, que os instrumentos judiciais para fins de averbações e registros no âmbito cartorial, cederam lugar à escritura instituída pela nova legislação, dispensando-se a “chancela” judicial para os fins no referido título extrajudicial outorgados.

Assim, se os registros imobiliários e do estado da pessoa podem ser realizados mediante a apresentação da escritura lavrada perante o Tabelião, com a mesma força que outrora era inerente e exclusiva aos alvarás, formais de partilha, entre outros documentos judiciais, por analogia e inteligência interpretativa, o título (e diga-se, a mesma escritura que promoveu a partilha) que determina os alimentos extrajudicialmente, parece ser documento hábil para a execução de alimentos pelo rito do 733 do CPC.

Outrossim, poderão tomar por base a fundamentar suas decisões os ensinamentos do ilustre jurista Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, os quais traduzem de forma clara o que aqui se pretende, veja-se: “Há de interpretar as leis com o espírito do nível do seu tempo, isto é, mergulhado na viva realidade ambiente, e não acorrentado a algo do passado, nem perdido em alguma paragem, mesmo provável, do distante futuro”.

Ou ainda, os dizeres do mestre Goffredo Telles Jr., o qual assevera: "Na interpretação das leis, mais importante do que o rigor da lógica racional é o entendimento razoável dos preceitos, porque o que se espera inferir das leis não é, necessariamente, a melhor conclusão lógica, mas uma justa e humana solução. O que se espera é uma solução atenta às variegadas condições de cada caso concreto a que a lei interpretada se refere."

Por fim, colaciona-se julgado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, o qual revela o espírito que tanto as leis, bem como os operadores do Direito devem diante das lacunas encontradas em nosso sistema, de modo especial e extraordinário quando enfrentada uma nova legislação, confira-se:

É preciso que o Poder Judiciário se envolva nessa ‘onda renovatória’ do direito processual, que pretende torna-lo aderente à realidade social e às exigências da sociedade moderna, fugindo a soluções estritamente técnicas e a manifestações d e uma mentalidade não condizente com o escopo de pacificação social que está à base de todo o sistema1

Conclui-se, portanto, ser mister a aplicação das regras contidas no artigo 733 do CPC, e igualmente das disposições do artigo 732 do referido diploma processual, na ação de execução de alimentos, quando fundada em título executivo extrajudicial (escritura pública in casu), firmado com base na lei nº 11.441/2007, sob pena de aplicação de uma justiça retrógrada e inúmeros prejuízos aos jurisdicionados.

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BIBLIOGRAFIA:

CAHALI. Yussef Said. Dos Alimentos. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais.2002.

1 TJ-SP1ª Câmara Cível. AC nº 86.754-1.30.06.1987.

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*Advogada, Mestranda <_st13a_personname w:st="on" productid="em Direito Civil">em Direito Civil na PUC-SP.







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