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A saída temporária como direito ressocializador do apenado: uma garantia de observância obrigatória

A “saidinha” é um instituto do direito brasileiro que tem como um dos principais objetivos a ressocialização do apenado e o seu caráter educativo.

11/10/2022

Introdução

As saídas temporárias dos indivíduos encarcerados são garantias asseguradas na legislação brasileira, em especial na Lei de Execução Penal (LEP), e que têm o condão de buscar a ressocialização do apenado bem como a sua reeducação social para um bom convívio coletivo que, por sua vez, é um viés importantíssimo dos direitos humanos.

Nesse sentido, esse instituto é de suma importância não só para preservar direitos dos presos - como o da liberdade de locomoção; considerando-se que tal benesse é adquirida após cumprimento de algumas condições impostas pela lei, tratando-se, portanto, de uma garantia de aplicação indispensável daqueles que preencherem os requisitos propostos legalmente.

Trata-se também de um procedimento fundamental para preservar o contato e o ceio familiar e cooperar para a reintegração do sujeito ao ambiente comunitário, dentre outros, – efeitos essenciais para que se observe o seu caráter educativo afim de se almejar uma melhor eficiência da medida.

Desenvolvimento

As “saidinhas”, como são popularmente conhecidas, é um fenômeno do ordenamento jurídico brasileiro concedido aos apenados que cumprem pena em regime semiaberto para que saiam, temporariamente e sob autorização, do estabelecimento prisional após o cumprimento de alguns requisitos legais, dispensando-se, inclusive, de sentinela. Veja o que diz a Lei de Execução Penal, lei 7.210/84:

Art. 122. Os condenados que cumprem pena em regime semiaberto poderão obter autorização para saída temporária do estabelecimento, sem vigilância direta, nos seguintes casos:

I - visita à família;

II - frequência a curso supletivo profissionalizante, bem como de instrução do 2º grau ou superior, na Comarca do Juízo da Execução;

III - participação em atividades que concorram para o retorno ao convívio social.

Parágrafo único.  A ausência de vigilância direta não impede a utilização de equipamento de monitoração eletrônica pelo condenado, quando assim determinar o juiz da execução.

§ 1º A ausência de vigilância direta não impede a utilização de equipamento de monitoração eletrônica pelo condenado, quando assim determinar o juiz da execução.

§ 2º Não terá direito à saída temporária a que se refere o caput deste artigo o condenado que cumpre pena por praticar crime hediondo com resultado morte.

No entanto, apesar de tal direito está sendo usual há tempos, há projeto de lei tramitando com o objetivo de extinguir a sua aplicação sob o argumento de “sentimento de impunidade”, o que, sem sombra de dúvidas, é uma exposição abstrata e que não guarda nenhuma segurança jurídica razoável para tanto.

O portal do G1 vinculou notícia no dia 3/8/22, informando acerca do projeto de lei, de relatoria do Deputado Capitão Derrite (PL-SP) que, por sua vez, fundamentou tal medida para acabar com a saída temporária em argumentos de clamor público, sem respaldo legal ou científico.

Segundo o site de notícias, no parecer do referido Deputado, afirma-se que "causa a todos um sentimento de impunidade diante da percepção de que as pessoas condenadas não cumprem suas penas, e o pior, de que o crime compensa".

E complementa:

"A saída temporária não traz qualquer produto ou ganho efetivo à sociedade, além de que, na verdade, prejudica o combate ao crime, eis que grande parte dos condenados cometem novos crimes quando estão fora dos estabelecimentos penais desfrutando do benefício".

Dito isto, nota-se que a insurgência contra as saídas temporárias é arbitrária e desarrazoada, pois pauta-se somente em sensações alegadas sem, contudo, oferecer rudimento verossímil que possa notadamente demonstrar que a extinção de tal medida seria viável.

O sentenciado, além de se encontrar no regime semiaberto, deve preencher os requisitos previstos no art. 123 da LEP, quais sejam:

I – comportamento adequado (requisito subjetivo);

II – cumprimento mínimo de 1/6 (um sexto) da pena, se o condenado for primário, e 1/4 (um quarto), se reincidente (requisito objetivo);

III – compatibilidade do benefício com os objetivos da pena (requisito objetivo).

Em relação aos requisitos objetivos, o cumprimento de, no mínimo, 1/6 (um sexto) da pena, se o condenado for primário, e 1/4 (um quarto), se reincidente, se faz necessário. Mas não é só. O sentenciado também deve reunir condições de natureza subjetiva, ostentando comportamento adequado, o que será certificado pelo diretor do estabelecimento prisional.

Dito isto, destaca-se que, com a presença de circunstâncias pessoais, como o bom comportamento, para que se obtenha a saída temporária, não é possível se falar em extinção desse benefício, haja vista estarem presentes exigências de cunho subjetivo que não podem ser, arbitrariamente, suprimidas pela sensação de uma parcela da população que, por sua vez, não tem sustentação legítima. Pois alegar sentimento de impunidade levando em conta uma baixa parcela da população carcerária seria estender aos demais consequências maléficas e que não deram causa para tanto, causando, assim, um enfraquecimento das normas jurídicas e uma punição à olhos cegos àqueles tidos como pessoas de bom comportamento.

Entende-se o seguinte:

(Imagem: Divulgação)

Considerações finais

Por oportuno, e depois do exposto acima, vale destacar que a extirpação do direito à saída temporária do preso após cumpridos as condições exigidas para tanto – que contemplam não apenas requisitos de cunho objetivo, mas também subjetivos; seria violar, sobremaneira, a sua garantia à locomoção, uma liberdade assegurada na Carta Magna, em seu art. 5º, inciso XV, o qual prevê que

“todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XV - é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens”.

Assim, o poder de autodeterminação, bem como o de ressocialização e o intuito educativo de tal instituto estariam fortemente violados se, porventura, o instituto alhures mencionado fosse suprimido por meio de um projeto de lei elaborado após um bramido social que vai de encontro aos preceitos alargados no ordenamento jurídico brasileiro. Deve-se manter, portanto, o respeito ao princípio da legalidade e garantir a aplicação, efetivamente, dos direitos que já vêm sendo aplicados há certo tempo.

Anderson S. Dias Santos
Advogado, pós-graduado em Direito Constitucional Aplicado, pós-graduando em Tribunal do Júri e Execução Criminal.

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