Migalhas de Peso

Antigomobilismo – Questões envolvendo esse nicho de demandas – Regularizaçao de autos antigos e outras polêmicas relevantes

Analisa aspectos e peculiaridades deste nicho de negócios.

11/10/2022

Veículos antigos tem sido objetos culturais que atraem a atenção de muitos e das mais variadas tribos – desde os refinados apreciadores do vintage enquanto padrão de estética de algumas décadas, até caminhoneiros que sonham em restaurar veículos como os que começaram a trabalhar – são objeto de desejo de muitos, e, em grande medida, alcançando elevados valores de mercado, como pode ser verificado em simples e rápida consulta a sites de venda da internet (no Brasil e no exterior).

Basta ver que existem canais (por exemplo o Canal Turbo da Discovery) com enorme audiência divulgando 24 horas diárias, matérias de interesse deste público, cada vez maior e mais atuante.

Isso faz com que se agregue aos mesmos, por exemplo, valores estimativos, de afeição, repercutindo no valor de indenizações, inferindo-se danos morais que não ocorrem em carros que não sejam colecionáveis por exemplo. Os mesmos são protegidos como bens sobre os quais se adquire propriedade (fundamental right) direitos fundamentais, e, como não obstante circulem pouco por razões óbvias, se tem que o Poder Público, por vezes interfira de modo indevido no patrimônio particular, em excessos passíveis de judicialização.

Não se perca de vistas que carros sejam essencialmente bens móveis que se adquirem por tradição, as mais das vezes simbólica (entrega das chaves) e não pelo registro no Detran (tal registro regula apenas a posse administrativa para a finalidade de lançar tributos e atribuir multas), isso pode ser extraído sem maior sombra de dúvidas da redação dos artigos 1.261 e 1.267 CC. Sobre o tema, assim tem decidido os mais variados Tribunais do país:

TJ-SP - Apelação Cível AC 10025227320178260038 SP 1002522-73.2017.8.26.0038 (TJ-SP) Data de publicação: 9/5/19 Ação de obrigação de fazer c.c. indenização por danos morais. Parcial procedência. Compra e venda de veículo. Transferência não realizada. Indenização fixada. Insurgência do réu. Alegação de descumprimento do artigo 134  CTB . Hipótese resolvida à luz das regras de direito civil. Transferência de coisa móvel dá-se pela tradição. Responsabilidade da ré configurada. Apelo improvido.

TJ-SP - Inteiro Teor. Embargos de Terceiro Cível 10010510420218260322 SP Data de publicação: 30/6/21 De outro lado, a transferência da coisa móvel se opera com a tradição, consoante dispõe o art.1.267 e parágrafo único do Código Civil , como se infere do magistério de HUMBERTO THEODORO JÚNIOR in Posse...Não é o documento que produz a transferência da propriedade das coisas móveis, mas sim a tradição do objeto negociado (Cód. Civ., art. 620)"....matéria, é expressa pelo citado art. 620: é pela Tradição, não pelo contrato, que se opera a transferência do domínio.

TJ-DF - Apelação Cível APC 20121010059620 DF 0005760-11.2012.8.07.0010 (TJ-DF) Data de publicação: 30/1/14 PROCESSO CIVIL. CIVIL. APELAÇÃO. AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE BEM MÓVEL. ALIENAÇÃO DE VEÍCULO. CERTIFICADO DE REGISTRO E LICENCIAMENTO DE VEÍCULO EM NOME DE TERCEIRO. CADEIA DOMINIAL. DIREITOS REAIS SOBRE COISA MÓVEL. TRANSFERÊNCIA PELA TRADIÇÃO. POSSE. PRESUNÇÃO DE PROPRIEDADE. ART. 1.226 E 1.267 DO CÓDIGO CIVIL . SENTENÇA MANTIDA. 1.NOS TERMOS DO ART. 1.226 DO CÓDIGO CIVIL , OS DIREITOS REAIS SOBRE COISA MÓVEL SE ADQUIREM COM A SIMPLES TRADIÇÃO. NO MESMO SENTIDO, O ART. 1.267 , TAMBÉM DO CÓDIGO CIVIL , ESTIPULA QUE A PROPRIEDADE DAS COISAS MÓVEL SOMENTE SE EFETIVA PELA TRADIÇÃO. A FALTA DO REGISTRO DA TRANSFERÊNCIA DO VEÍCULO JUNTO AO DETRAN NÃO CONDICIONA A VALIDADE DA COMPRA E VENDA DO BEM, PORQUANTO É UMA EXIGÊNCIA ADMINISTRATIVA. ASSIM, PRESUME-SE SER O DONO DO VEÍCULO AUTOMOTOR AQUELE QUE DETÉM A SUA POSSE DIRETA. 2.APERFEIÇOADO O NEGÓCIO JURÍDICO DE FORMA VÁLIDA E EFETIVADA A TRADIÇÃO DO VEÍCULO, O CONTRATO DE COMPRA E VENDA TORNA-SE ACABADO, POR SE TRATAR DE COISA MÓVEL. ASSIM, AS PENDÊNCIAS CONTRATUAIS DEVERÃO OBEDECER A SEQUÊNCIA LÓGICA DA CADEIA DOMINIAL. 3.RECONSTITUÍDA, PELAS PROVAS ACOSTADAS AOS AUTOS, A CADEIA DOMINIAL SOBRE O VEÍCULO OBJETO DA LIDE, VERIFICA-SE QUE SUA PROPRIEDADE É DO SR. NERIVALDO ALVES DE SOUZA, VISTO QUE, ERA ESTE O REAL POSSUIDOR, NO MOMENTO DO FURTO. 4.A TRANSFERÊNCIA DO BEM MÓVEL, IN CASU, VEÍCULO VW CROSSFOX, ANO 2007, OCORREU MEDIANTE A TRADIÇÃO, PRESUMINDO-SE PROPRIETÁRIO DO BEM, AQUELE QUE SE ENCONTRAVA NA EFETIVA POSSE DO BEM. ASSIM, DO COTEJO DAS PROVAS APRESENTADAS PELO APELANTE E AS PROVAS TESTEMUNHAIS, CONSTATA-SE QUE O PROPRIETÁRIO É O ÚLTIMO POSSUIDOR SEGUINDO A CADEIA DOMINIAL, NO CASO, O AUTOR/APELADO. 5.RECURSO CONHECIDO E SENTENÇA MANTIDA.

TJ-MG - Inteiro Teor. [CÍVEL] PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL 50031592520218130313 Ipatinga - MG Data de publicação: 23/8/21 Conforme aduz o Código Civil Pátrio, mais precisamente no art. 1.226 , a transferência de propriedade de bem móvel se concretiza com a tradição, ou seja, com a entrega do bem ....Os direitos reais sobre coisas móveis, quando constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com a tradição.” - Art. 1.267... .A transferência do domínio de bem móvel ocorre por meio da tradição , inteligência do art. 1.267 do Código Civil.

Por outro lado, um colecionador sabe disso, são veículos que rodarão muito pouco – o risco de acidentes e desgastes torna pouco estimulando que rodem no dia a dia (dificuldades de obter peças de reposição, perda de originalidade etc). Isso, ademais, esgotaria o discurso ambientalista de alguns no sentido de que seriam carros que poluiriam muito – não se está a aduzir algo que seja proporcionalmente devastador ao ponto de que haja algum dano ambiental sensível – não se quer que veículos antigos tornem a substituir modelos híbridos ou elétricos- a discussão ambiental, por mais que seja relevante para a grande variedade dos modelos de negócio hoje existentes não parece convencer como argumento para dificultar a ação daqueles que queriam restaurar um veículo antigo. 

Raramente o proprietário de um Maverick V8 77 canadense, rodará o dia todo, diariamente, gastando horrores em combustível e sujeitando o bem a desgaste de peças, expondo-o a acidentes, furtos, roubos, danificações etc– sabe-se que, quanto menos rodado for o carro, maior seu valor comercial enquanto objeto de um negócio.

Reconhecendo que o fato de um veículo ser considerado antigo para coleção lhe agregaria valor adicional em caso de acidente, valorizando a análise da questão em torno de sua originalidade:

Assim tem-se como evidente que em casos de acidentes, depredações, vandalismos, esses bens não são indenizados por valores de tabela, eis que agregam apego emocional (danos morais) e se indenizam pelo valor colecionável, a depender de fatores como estado de conservação, originalidade, raridade etc.

Não se cuida de carros que devam ter o mesmo tratamento que outros carros que circularão mensalmente, o que aqui se tem seria uma situação em que o próprio regramento deveria facilitar e não dificultar o antigomobilismo que é um negócio que rende dinheiro, emprega pessoas, gera arrecadação e implica no favorecimento de preservação de bens culturais.

A prática de estímulo a colocação de placas pretas (originariamente pretas, depois rosas no padrão Mercosul e agora pretas novamente), prevista no CTB para veículos com mais de trinta anos, que conservem entre 70 e 80% de originalidade como atestado por clubes de colecionadores e órgãos autorizados pelo DENATRAN, ainda implica em taxas e despesas de alto valor – mais de um salário mínimo e com validade limitada, deveria ter sido seguida por algum tipo de compensação para o estimulo da prática.

A priori, a colocação de placas pretas levaria a uma valorização do carro, eis que se certificadas condições de originalidade (mecânica, painel, interior, pintura, acessórios de época etc), mas ainda há muitos obstáculos e desinformação – por exemplo, em medida em que o Governo retrocedeu, no início de 2022 quase houve cancelamento e baixa automáticas de todos os veículos com placas amarelas existentes no país.

O cancelamento levaria automaticamente a uma perda de recursos econômicos do país – inúmeros colecionáveis ainda tem placas amarelas e estão abandonados em galpões, oficinas, pátios etc, aguardando restauração para tornarem a ser comercializados, gerando empregos e renda.

Se fossem cancelados não mais poderiam ser restaurados, pois não poderiam ir rodando a exposições, eventos etc. Perderiam sua essência econômica, passando a ter que ser desmanchados e vendidos como sucatas – em desprestígio da história que representam.

Como o setor movimenta muitos milhões (basta que se vá nos encontros mais prestigiados como Águas de Lindóia, Poços de Caldas ou Araxá) para que se chegue a essa conclusão, os entraves que a desinformação e o preconceito lançam contra em esse tipo de hobby ou negócio, implicariam em indevidas limitações ao direito de propriedade e à circulação de riquezas – aqui, além de proteção constitucional ao empreendedorismo em geral (artigos 1º e 170, inciso IV CF) e do próprio direito privado civil, poderiam ser ponderadas garantias previstas no Estatuto da Liberdade Econômica – lei 13.874.

Isso vale, por exemplo, quanto a demora de órgãos públicos em analisar pedidos de regularização, observe-se que o artigo, inciso IX desta Lei de Liberdade Econômica, estabelece que, se houver demora para a liberação de uma determinada atividade econômica, após a apresentação dos documentos necessários à apreciação do pedido, de se ter por autorizado seu início. Observe-se:

IX - ter a garantia de que, nas solicitações de atos públicos de liberação da atividade econômica que se sujeitam ao disposto nesta Lei, apresentados todos os elementos necessários à instrução do processo, o particular será cientificado expressa e imediatamente do prazo máximo estipulado para a análise de seu pedido e de que, transcorrido o prazo fixado, o silêncio da autoridade competente importará aprovação tácita para todos os efeitos, ressalvadas as hipóteses expressamente vedadas em lei;

Isso é a repercussão legal de uma garantia constitucional que seria a do tempo razoável para o encerramento de um procedimento administrativo (artigo 5º, inciso LXXVIII CF). O Decreto 10.178 de 2.019 da Presidência da República, inclusive, fixa parâmetros para cálculo de risco de atividades econômicas, mas autoriza situações de liberação tácita, de igual modo.

No entanto, de modo paradoxal, o colecionador, o restaurador ou o entusiasta do antigomobilismo se deparam com a atuação paquidérmica dos órgãos de regularização que, repita-se, atuam de modo antieconômico impondo exigências não razoáveis nem proporcionais.

 Órgãos públicos hão de ter cuidado com essas práticas, eis que, como apontado, a questão não é apenas abrangente no sentido de uma discussão de patrimônio material, o carro antigo se torna objeto de estima cuja vulneração tem ido além do mero aborrecimento e permite a fixação de indenização por danos morais. Observe-se:

TJ-SC - Apelação APL 03013491020148240008 (TJ-SC) Data de publicação: 23/08/2022 APELAÇÃO CÍVEL. "AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS". EXTINTOR DE INCÊNDIO QUE NÃO FUNCIONOU DURANTE OCORRÊNCIA DE FOGO EM AUTOMÓVEL. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. APELO DA RÉ. ALEGADA INEXISTÊNCIA DE RESPONSABILIDADE CIVIL. INSUBSISTÊNCIA. ÔNUS PROCESSUAL QUE COMPETE AO FORNECEDOR (ART. 6º, VIII, DO CDC). RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA RÉ. INTELIGÊNCIA DO ART. 12 DO CDC.  LAUDO PERICIAL APRESENTADO NA PETIÇÃO INAUGURAL QUE INDICA DEFEITO NO PRODUTO. ALÉM MAIS, AUSÊNCIA DE ELEMENTOS DE PROVA A SUPORTAR A TESE DEFENSIVA. APELANTE QUE REQUEREU A PRODUÇÃO DE PROVA PERICIAL E DEIXOU DE ADIANTAR OS HONORÁRIOS DO EXPERT. ÔNUS DE COMPROVAR FATOS IMPEDITIVOS, MODIFICATIVOS OU EXTINTIVOS DO DIREITO DO AUTOR. ART. 373, II, DO CPC. RÉ QUE DELE NÃO SE DESINCUMBIU. DEVER DE INDENIZAR CONFIGURADO. APELANTE QUE DEVE SUPORTAR OS DANOS MATERIAIS COMPROVADOS. CONDENAÇÃO DA RÉ AO PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS QUE NÃO MERECE REFORMA. DEFEITO NO PRODUTO QUE AGRAVA A SITUAÇÃO. INCÊNDIO NO AUTOMÓVEL. DETERIORIZAÇÃO DE BEM, ADEMAIS, QUE NÃO MAIS SE FABRICA. CARRO ANTIGO. SITUAÇÃO QUE DESBORDA O MERO DISSABOR. CONDENAÇÃO MANTIDA, INCLUSIVE EM RELAÇÃO AO VALOR.  HONORÁRIOS RECURSAIS. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.   (TJSC, Apelação n. 0301349-10.2014.8.24.0008, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. André Carvalho, Sexta Câmara de Direito Civil, j. Tue Aug 23 00:00:00 GMT-03:00 2022)

TJ-DF - Apelação Cível do Juizado Especial ACJ 20140111069763 (TJ-DF) Data de publicação: 10/12/15 JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS. REPARAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. SEGURO DE VEÍCULO. CONSERTO. ATRASO DE QUASE DOIS ANOS. AQUISIÇÃO DE NOVO VEÍCULO. CONJUGE DO AUTOR PORTADORA DE NECESSIDADES ESPECIAIS. NÃO UTILIZAÇÃO DE BENEFÍCIO. AUSÊNCIA DE NEXO CAUSAL. CARRO ANTIGO. DIFICULDADE DE LOCALIZAÇÃO DE PEÇAS. DIMINUIÇÃO DO VALOR DO DANO MORAL. RECURSO DO BANCO DO BRASIL NÃO CONHECIDO. RECURSO DA PARTE AUTORA CONHECIDO E NÃO PROVIDO. RECURSO DA BRASIL VEÍCULOS CONHECIDO E PROVIDO EM PARTE. 1. Trata-se de recursos interpostos contra sentença que julgou procedente em parte o pedido inicial, para condenar solidariamente as requeridas ao pagamento da quantia de R$ 8.000,00 (oito mil reais), a título de indenização por danos morais, em razão do atraso no conserto de veículo. 2. Primeiramente, o recurso inominado de fls. 316/339, interposto pelo Banco do Brasil S.A., CNPJ nº 00.000.000/0001.91, não merece ser conhecido pela ilegitimidade da parte, tratando-se de pessoa estranha à lide. Na verdade, a parte sucumbente na sentença foi a BB Corretora de Seguros e Administração de Bens S/A, CNPJ nº 27.833.1366/0001-39, que não apresentou qualquer recurso. Precedente: AgRg no AREsp 184312/SC, 2012/0111618-6, Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Terceira Turma do STJ, julgamento em 25/06/2013, publicação no DJe em 01/07/2013, partes ROGÉRIO SEBASTIÃO PEREIRA x BANCO DO ESTADO DE SANTA CATARINA S/A - BESC. 3. Dos danos materiais - O caso retrata sinistro ocorrido em veículo da marca KIA Besta SV, 1994/1995, de propriedade do autor (fls. 13), e que não foi adquirido com os benefícios fiscais de portadores de necessidades especiais. 4. Conforme se depreende dos autos, a esposa do Requerente já possuía veículo beneficiado com isenção para portadores de deficiência, GM Classic/Spirit 2008/2008 (fls. 102), portanto, tem-se ultrapassados mais de quatro anos da referida aquisição (bem pode ser vendido após esse período), o que contradiz a alegação de que "não teve opção senão adquirir um novo veículo sem, contudo, poder usufruir o desconto concedido por lei, vez que não havia passado o prazo necessário para nova aquisição" (fls. 299). 5. Apesar dos transtornos causados pela demora nada razoável no conserto do veículo da marca KIA, o fato de o casal já possuir outro veículo afasta a urgência na conduta do autor. Além disso, não restou comprovado o requerimento de isenção dos benefícios referentes ao ICMS e ao IPI, destacados às fls. 312, que justificasse a demora na tramitação dos processos junto à Fazenda do Distrito Federal e Receita Federal. 6. Saliente-se que o limite temporal para aquisição de novo veículo, nos termos da lei nº 8.989 /95, que trata do Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI, é de 2 (dois) anos. Também incidirá o prazo de 02 (dois) anos para isenção do ICMS, consoante Decreto nº 18.955/97 (Item 130, Caderno I, Anexo I). 7. Não há, portanto, nexo de causalidade entre o atraso no conserto do automóvel e a não utilização do benefício de isenções na compra de novo veículo, indevido o pedido de reparação por danos materiais. 8. Dos danos morais - Correta a condenação em danos morais, pois a seguradora poderia ter se eximido da obrigação do conserto, oferecendo ao recorrente o valor integral da indenização, mediante declaração da perda total do veículo. 9. Todavia, necessária a diminuição do valor dos danos morais no caso em análise, visto que o veículo era antigo (1994/1995), estando a demora em parte justificada pela grande dificuldade de se encontrar peças com viabilidade de uso. 10. Assim, merece provimento em parte o recurso da seguradora, somente para diminuir o valor dos danos morais, que ficam ora fixados em R$ 4.000,00 (quatro mil reais). 11. Recurso do Banco do Brasil NÃO CONHECIDO. Recurso do autor CONHECIDO e NÃO PROVIDO. Recurso da Brasil Veículos CONHECIDO e PROVIDO EM PARTE, para diminuir o valor dos danos morais para R$ 4.000,00 (quatro mil reais), mantidos os demais termos da condenação. 12. Custas e honorários advocatícios, estes últimos fixados em 10% (dez por cento) do valor da condenação, pelos recorrentes vencidos. Acórdão lavrado em conformidade com o disposto no art. 46 da lei 9.099 /1995 e arts. 12, inciso IX, 98 e 99 do Regimento Interno das Turmas Recursais.

A restauração tem se tornado um negócio lucrativo que, no entanto, esbarra em vários obstáculos administrativos, eis que muitas vezes, se compram veículos que funcionam mas ficaram parados por longos anos, com placas amarelas, cujos proprietários, ou pessoas em cujo nome o bem se encontra registrado desapareceram, morreram, ou já teriam vendido anteriormente a outros que igualmente desapareceram numa cadeia regular de transmissão.

Existe possibilidade de regularização administrativa de veículos não baixados do sistema como sucatas ou com registros cancelados, e o Detran voltou atrás na decisão de cancelamento automático de veículos com placas amarelas, que estava planejada para este ano.  

Mesmo sem regularização, o veículo pode ficar exposto em residência, em coleção, não podendo ser apreendido se não houver circulação em via pública - afinal é propriedade particular.
Se o veículo não é produto de ilícito patrimonial (roubo, extorsão, furto, estelionato etc) a regularização pode ser obtida bastando que se tenha documento que comprove a transação.

 A depender da situação, pode ser pedido um alvará judicial em processo de inventário, ou propor-se ação de usucapião de bem móvel ou obter alguma medida judicial que implique em declaração judicial que autorize o recadastramento de veículo com placas amarelas, anotando-se que veículos importados com mais de 30 anos de fabricação também podem ser regularizados.

Para a regularização de sua posse administrativa e tributária, mister se faz o acionamento da via judiciária, justificando-se o peculiar interesse de agir no caso concreto. Nesse sentido, inclusive, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, em caso análogo:

STJ - RECURSO ESPECIAL REsp 1582177 RJ 2012/0070125-6 (STJ) Data de publicação: 09/11/2016 CIVIL. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. VEÍCULO. VIOLAÇÃO AO ART. 535 , I E II DO CPC/73 . NÃO OCORRÊNCIA. FALTA DE TRANSFERÊNCIA NO ÓRGÃO ADMINISTRATIVO CORRESPONDENTE. LIMITAÇÃO DO EXERCÍCIO DE PROPRIEDADE PLENA. SUCESSÃO DE PROPRIETÁRIOS. INTERESSE DE AGIR. EXISTÊNCIA. 1. Ação de usucapião extraordinária ajuizada em 20.10.2011. Recurso especial atribuído ao gabinete em 25.08.2016. 2. Cinge-se a controvérsia a definir se a recorrente possui interesse de agir para propor ação de usucapião extraordinária, com a finalidade de reconhecimento do domínio de veículo e regularização do registro de propriedade junto ao órgão de trânsito correspondente. 3. Inviável o reconhecimento de violação ao art. 535 do CPC quando não verificada no acórdão recorrido omissão, contradição ou obscuridade apontadas pela recorrente. 4. A ação de usucapião extraordinária, fundamentada no art. 1.261 do Código Civil , pressupõe posse da coisa móvel por cinco anos independentemente de justo título ou boa fé, e tem por objeto a declaração de aquisição de propriedade. 5. Apesar da regra geral de que o domínio de bens móveis se transfere pela tradição, em se tratando de veículo, a falta de transferência da propriedade no órgão de trânsito correspondente limita o exercício da propriedade plena, uma vez que torna impossível ao proprietário que não consta do registro tomar qualquer ato inerente ao seu direito de propriedade, como o de alienar ou de gravar o bem. 6. Possui interesse de agir para propor ação de usucapião extraordinária aquele que tem a propriedade de veículo registrado em nome de terceiros nos Departamentos Estaduais de Trânsito competentes. 7. Recurso especial conhecido e provido

Com igual teor, oriundos de outros Tribunais do país:

TJ-RS - Apelação Cível AC 70074856865 RS (TJ-RS)Data de publicação: 12/12/17 APELAÇÃO CÍVEL. USUCAPIÃO DE VEÍCULO. LAPSO TEMPORAL PREENCHIDO. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO PARA O REGISTRO JUNTO AO ÓRGÃO DE TRÂNSITO. No caso, implementado o lapso de tempo para a prescrição aquisitiva da posse do bem móvel, a teor do artigo 1261 do Código Civil . Necessária a regularização do bem junto ao órgão de trânsito, corolário lógico da declaração de domínio sobre o veículo, desde que atendidos os requisitos legais/administrativos. NEGARAM PROVIMENTO AO APELO. UNÂNIME. ( Apelação Cível 70074856865 , Décima Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Elisabete Correa Hoeveler, Julgado em 30/11/2017).

TJ-RS - Apelação Cível AC 50004532020188210065 RS (TJ-RS) Data de publicação: 31/3/22 APELAÇÃO CÍVEL. USUCAPIÃO (BENS MÓVEIS). AÇÃO DE USUCAPIÃO.\n1. Encontrando-se a autora na posse do veículo, de forma mansa e pacífica, por lapso superior a cinco (05) anos, contados a partir da data indicada como sua compra, impõe-se o reconhecimento da aquisição da propriedade sobre o bem, na forma do art. 1.261 do Código Civil.\n2. Ônus sucumbenciais invertidos e redimensionados, suspensa sua exigibilidade em virtude do benefício da gratuidade de justiça.\APELAÇÃO DESPROVIDA.

TJ-SP - Apelação Cível AC 10003161620198260653 SP 1000316-16.2019.8.26.0653 (TJ-SP) Data de publicação: 26/7/21 APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE USUCAPIÃO DE BEM MÓVEL – Extinção do feito sem julgamento do mérito, por inadequação da via eleita – Possibilidade de ajuizamento da ação de usucapião para fins de regularização do veículo junto aos órgãos de trânsito – Precedentes do STJ – Sentença anulada para prosseguimento da ação.

Júlio César Ballerini Silva
Advogado. Magistrado aposentado. Professor. Coordenador nacional do curso de pós-graduação em Direito Civil e Processo Civil e em Direito Médico.

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