O Código Tributário Nacional prevê que tributo é toda prestação pecuniária compulsória, sendo cobrada mediante atividade administrativa vinculada. Diante da complexidade do sistema tributário, especialmente em virtude das diversas hipóteses de incidência tributária, a constituição do tributo é realizada pelo lançamento, que pode ser de ofício, por declaração e por homologação, isto é, o contribuinte apura e recolhe o tributo devido, cabendo ao Fisco a homologação deste procedimento no prazo de 05 (cinco) anos, sendo esta última a que abrange o maior número de tributos existentes em nosso sistema tributário.
Com esta sistemática, por diversas vezes ao efetuar a apuração e recolhimento dos tributos devidos, o contribuinte incorre em pagamentos indevidos ou em valores superiores ao efetivamente devido aos cofres públicos, gerando créditos em seu favor passíveis de restituição ou compensação.
Em uma economia cada vez mais competitiva, a disponibilidade de recursos torna-se essencial à manutenção do próprio negócio, seja qual for sua fonte, inclusive evitando-se, legitimamente, o pagamento de tributos quando o caso. Surge, assim, a compensação tributária como forma de recuperar tributos de forma rápida e eficaz, autorizada pelo próprio Código Tributário Nacional, procedimento segundo o qual o contribuinte quita tributo devido com crédito que possui contra a mesma pessoa jurídica de direito público.
Apesar de sua previsão no Código Tributário Nacional, sua implementação depende de regulamentação em lei. No âmbito federal, atualmente, tal regulamentação está prevista na lei 9.430/96.
Quando da edição desta o procedimento para compensação era realizado mediante requerimento prévio pelo reconhecimento administrativo do crédito e a compensação somente poderia ser realizada após sua análise e deferimento pela Receita Federal, o que gerava um acúmulo de pedidos pendentes de apreciação, motivando uma enxurrada de ações judiciais para obrigar aquele órgão à análise destes pedidos ou mesmo a compensação direta pelos contribuintes, o que igualmente gerava outras ações judiciais.
Diante disso e com o objetivo de tornar mais célere o procedimento de compensação, evitando-se, inclusive, o enriquecimento ilícito e sem causa da União Federal pela retenção de valores que não lhe pertenciam, promoveu-se a alteração do art. 74, da lei 9.430/96 para possibilitar aos contribuintes a compensação diretamente por meio da declaração de compensação sob condição de ulterior homologação.
Até a edição da lei 12.249/10 estas compensações quando não homologadas geravam a cobrança do tributo compensado indevidamente acrescido de juros e multa moratória de 20%, mesmo tratamento empregado quando do recolhimento fora do prazo.
Com a entrada em vigor da referida lei foi acrescido o §17 ao art. 74, da lei 9.430/96, pelo qual “será aplicada multa isolada de 50% sobre o valor do débito objeto de declaração de compensação não homologada, salvo no caso de falsidade da declaração apresentada pelo sujeito passivo.”
A partir desta alteração legislativa, os contribuintes que tiveram suas declarações de compensação não-homologadas passaram a receber autos de infração para cobrança da multa isolada equivalente a 50% do valor indevidamente compensado, além da cobrança do tributo já acrescido de juros e multa moratória equivalente a 20% já enviada no momento da intimação acerca da não-homologação da compensação.
Isso significa que o contribuinte que, adotando procedimento legítimo e previsto em lei, por qualquer razão não teve sua compensação aceita pela administração fazendária foi penalizado com mais uma multa, além daquela já aplicada pelo atraso no pagamento, em claro intuito de se restringir o direito constitucional à compensação tributária. Tal multa, inclusive, é aplicada antes de qualquer julgamento de eventual defesa apresentada pelo contribuinte relativa à legitimidade do seu direito creditório.
A cobrança da referida multa isolada deixa clara a intensão arrecadatória por meio da aplicação de multa punitiva, pois por um lado a própria União Federal outorga ao contribuinte a responsabilidade de apurar e, ato contínuo, compensar seus créditos como forma de extinção do crédito, independentemente de qualquer aprovação prévia por parte da Secretaria da Receita Federal do Brasil, mas, em sentido contrário, impõe multa elevadíssima caso não concorde com o procedimento adotado pelo contribuinte.
A imposição da multa prevista no §17 do art. 74 da lei 9.430/96 contraria frontalmente diversos princípios constitucionais, tais como o direito de petição inserto no art. 5º, XXXIV, “a”, da Constituição Federal, o devido processo legal e o contraditório, previstos no art. 5º LV, da Constituição Federal, já que o contribuinte é punido pelo simples fato de ter sua compensação não-homologada, independentemente da comprovação de sua má-fé.
Não restam dúvidas de que a aplicação da multa prevista no § 17 do art. 74 da lei 9.430/96 é desproporcional à suposta falta cometida pelo contribuinte que procede à compensação de tributos, sem qualquer comprovação de prática de má-fé, mas no legítimo exercício do seu direito legal e constitucionalmente assegurado.
O próprio percentual da multa equivalente a 50% (cinquenta por cento) do imposto originalmente devido pelo contribuinte, além dos 20% a título de multa moratória, encerra verdadeira função arrecadatória, pois deixa de possuir caráter meramente punitivo, educativo, acarretando enriquecimento sem causa do Poder Público.
Com efeito, a exigência da multa em percentuais elevados, representa um verdadeiro excesso de exação, porque pune o contribuinte que agiu com boa-fé, tanto que não deixou de recolher o tributo devido, mas tão somente buscou seu pagamento por meio de créditos que acreditava possuir, tudo amparado em normas e princípios constitucionais e legais.
Nesta esteira de raciocínio, o critério confiscatório da multa está na total desproporcionalidade entre o valor tributável e a penalidade aplicada, já que o percentual utilizado é extremamente elevado considerando-se que a própria legislação autoriza o contribuinte a efetuar a compensação antes de qualquer crivo da Receita Federal quanto ao montante do crédito utilizado. Não se trata de uma punição por obrigação que o contribuinte deixou de cumprir, pelo contrário, pune-se pelo simples fato de, no entender da fiscalização, o contribuinte ter errado ao apurar um crédito que acreditava ter direito, sem qualquer comprovação de má-fé de sua parte.
Destaque-se que na própria Exposição de Motivos da MP 472/09, convertida na lei 12.249/10, que deu origem à penalidade ora tratada, resta clara a intensão de se punir os contribuintes que, de má-fé, utilizam-se do expediente da compensação para deixar de recolher tributos e, ao mesmo tempo, manterem sua regularidade fiscal.
A discussão acerca da inconstitucionalidade da multa isolada prevista no §17 do art. 74 da lei 9.430/96 aguarda julgamento pelo Supremo Tribunal Federal por meio da ADIn 4905 e do Recurso Extraordinário 796.939, cuja Repercussão Geral foi reconhecida, com relatoria do Ministro Edson Fachin, o qual analisando a matéria já proferiu voto reconhecendo a inconstitucionalidade da cobrança, propondo a seguinte tese para o tema: “É inconstitucional a multa isolada prevista em lei para incidir diante da mera negativa de homologação de compensação tributária por não consistir em ato ilícito com aptidão para propiciar automática penalidade pecuniária”. Além do Ministro Edson Facchin, o Ministro Gilmar Mendes também já proferiu voto favorável aos contribuintes reconhecendo a inconstitucionalidade da cobrança da referida multa.
O julgamento deste tema estava previsto para o último dia 1/6 tendo sido adiado em razão de outros julgamentos prioritários da pauta do Tribunal, mas em breve deve novamente ser selecionado para julgamento.
No âmbito dos Tribunais Regionais Federais a inconstitucionalidade da multa está sendo igualmente reconhecida sob o mesmo entendimento de que, inexistindo comprovada má-fé do contribuinte, é inconstitucional a imposição de penalidade por procedimento previsto em lei.