Migalhas de Peso

Racismo reverso

O racismo reverso não só veio pra revelar o racismo existente nesse meio radical, mas também denunciar a paralaxe cognitiva em que vivem tais humanoides.

4/10/2022

Esta expressão se popularizou muito nos últimos anos, principalmente nas redes sociais, onde se repercute tudo que ocorre nela e fora dela. Diz-se ser Racismo Reverso aquela atitude (de pessoas negras) que seria enquadrada como racismo ou injúria racial, caso fosse tomada ou praticada por pessoa branca em relação a alguém negro. Por que o direito de expressar esse entendimento está sendo censurado em vários  meios? O que o direito assegura neste sentido?

1. Do Direito Constitucional 

A Constituição Federal ou o que ainda resta dela, aduz que:

IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; 

É interessante notarmos que os grandes veículos da imprensa nacional vivem a declamar referências sobre a tal constituição, como se tivessem falando do manifesto comunista de Marx e Engels.  Mas, não só os veículos de imprensa, como artistas e influenciadores, além de intelectuais com entendimento confuso sobre democracia e direito. É só notarmos quando alguém da ala conservadora tenta falar sobre algum assunto que é dominado na grande mídia por ativistas radicais, que vivem a falar de amor e tolerância, e notamos o nojinho que expressam essa “galerinha do bem”. Chamam vingança de reparação histórica, ofensas de manifestação lícita do pensamento e injúrias  de cunho racial em relação a pessoas não negras é nominada de direito. Assim, não seria crime na visão dos radicais, ofender uma pessoa branca, pois só negros poderiam sofrer com referências à sua etnia, segundo eles. Neste contexto, surge o Racismo Reverso. 

A manifestação de um entendimento sobre comportamento social e racial, como ocorre por meio desta expressão, está acampada pela livre manifestação do pensamento, ainda preconizada pela carta política de 1988. O requisito inicial ou principal, a nosso ver, é a vedação ao anonimato, posto que a identificação do autor possibilita eventual responsabilização por violação de direito que possa ocorrer. Quando falamos em expressar um conceito comportamental, referido pala alcunha de Racismo Reverso, não nos parece que haja qualquer tipo de violação. Sobre eventual agressão a direito alheio, a mesma constituição ou o que ainda resta dela, diz que: 

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; 

Com relação ao uso dessa expressão, a cizânia se instalou devido à forte e enérgica reação da ala mais radical da esquerda, cujo monopólio dos discursos raciais a ela pertence, ou acha que lhe pertence. Esta reação truculenta tem um aspecto peculiar, não só pela negação do fato consubstanciado nesta expressão, mas, sobretudo, pela irresignação da perda de espaço - unânime - pra  suas ideias. Com isso tem-se violado sistematicamente o direito à livre manifestação do pensamento em veículos da imprensa.

Tal reação ocorre porque o monopólio dos discursos não é mais como antes pra esquerda radical. Isso porque, a partir de Antônio Gramsci, ideólogo marxista da extrema esquerda, houve uma investida pelo domínio dos meios de comunicação de massa e implementação de técnicas e táticas pra manobrar o imaginário popular. O domínio da cultura seria a forma mais eficaz e silenciosa de se fazer revolução, uma vez que o enfrentamento com armas estaria cada vez mais distante de ocorrer. 

Assim, mesmo não havendo violação a qualquer atributo protegido pela Carta Magna, como intimidade, vida privada, honra ou imagem, essa ala mais truculenta e antidemocrática tem cerceado o direito de muitas pessoas se manifestarem publicamente sobre o que entendem por Racismo Reverso. Essa violação ao direito à livre manifestação do pensamento vem na esteira de uma expressão de Gramsci "hegemonia" pra dizer sobre o domínio da cultura e outras estruturas sociais que possibilitassem o contágio intelectivo da esquerda nas massas com os ideais marxistas.

Por isso, não admitem  a existência de quem pensa diferente deles, violando preceito basilar da democracia e do direito constitucional. Desta forma, a extrema esquerda intelectual, por meio dos seus gurus, conseguiu dominar e, assim, ser hegemônica em diversos setores da sociedade, inoculando de maneira uníssona e, portanto, sem uma voz dissonante, seus ideais políticos e propostas de liberdade nos costumes e comportamentos, o que não estendem ao mercado e ao direito alheio, claro! 

A escola de Frankfurt também deu importante contribuição pro enfrentamento ao modelo social que chamava de burguês. A ordem e hierarquia vigente como fator de sustentação desse modelo foi duramente combatida pelos seus integrantes. A larga produção bibliográfica desta escola tanto quanto de outros pensadores como Foucault, Derrida, Sartre e outros, alimentou o imaginário de considerável parcela da população, notadamente nas universidades ocidentais. É interessante ressaltar que essas pessoas, mesmo com pensamento radical e antidemocrático, têm assegurado o direito a manifestar os ideais tanto da Escola de Frankfurt quanto de seus gurus, de forma livre, por ser direito assegurado pela constituição. Já em relação aos outros, aí já é querer demais, na visão deles! 

Essa inflexão é pra mostrar ao leitor o porquê a ala mais radical progressista reage tão agressivamente quando ouve a expressão Racismo Reverso. A capilaridade desse rótulo discursivo foi muito ampla no debate político e ideológico, mostrando a contradição e, como diz Rodrigo Constantino, o duplo padrão daqueles que se arvoram os "santos do bem" e vítimas eternas. Foi porque houve uma difusão e recepção popular, dessa expressão, que os extremistas se mostraram tão indignados, vez que sempre tiveram o monopólio dos discursos raciais e hegemonia na produção de rótulos de conhecimento (ou saber) e conceitos. Assim, se eles não concordam, eles cancelam, agridem e censuram o direito do outro, como se fossem juízes. 

Essa esquerda mais extremista tem verdadeiros calafrios adornados de puro ódio (do bem, é claro) quando ouve alguém falar ou quando lê essa frase. Não aceitam que outras matrizes de pensamento criem conceitos ou rótulos discursivos no campo do debate racial, mesmo que isso esteja assegurado pelo direito e pela constituição. A tal hegemonia apregoada pelo guru da intelectualidade extremista da esquerda (Gramsci),  está paulatinamente sendo dissolvida pelo campo da intelectualidade conservadora, tendo como grande nome Olavo de Carvalho. Isso faz com que se sintam desconfortáveis e perdendo espaço. Pra eles, não interessa que haja um direito previsto na constituição federal, se não concordam, excluem e censuram a fala alheia. 

A reação violenta (nos discursos) e autoritária dessa ala só mostra o quanto ela é assentada numa premissa ditatorial e intolerante. Só eles podem falar sobre racismo, só eles entendem de conflitos raciais e, por conseguinte, só eles podem conjecturar conceitos sobre esse campo. Por isso, reagem de forma tão intolerante, mostrando-se o quanto são reacionários e totalitários. Essa postura, como já bem frisado, viola o comando previsto na nossa Carta Política de 1988, notadamente no que determina o inciso a seguir que diz: 

VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei; 

O que ocorre atualmente, por parte desses radicais, é que se articulam pra violar os direitos previstos nos comandos da constituição, tanto em relação àqueles já citados quanto a este último (inciso VIII). Impedir o direito à livre manifestação do pensamento em qualquer meio, causando discriminação por meio de entendimento político, convicção religiosa ou posicionamento filosófico é ato ilícito e antidemocrático, como bem leciona o texto acima. Porém, ao invés de enfrentarem os argumentos trazidos sobre o lastro da expressão Racismo Reverso, o que enriqueceria o debate e esclareceria eventuais distorções sobre o assunto, preferem lançar mão de artifícios antidemocráticos e discriminadores, fazendo campanhas pelo "cancelamento" de pessoas que, no olhar deles, cometeram algo tão absurdo que merecem ser execrados publicamente, além de perderem seus empregos. 

2. Da Filosofia do Direito 

O direito não se desenvolve senão pelo labor da filosofia empregada ao campo jurídico, por meio da qual os operadores realizam seus questionamentos e postulam sua proposições, concorrendo mutuamente pro debate de ideias e pela extração de conclusões. Estas conclusões podem não ser inabaláveis, inquestionáveis ou representações da pura verdade. Mas, de outro modo, podem ser um caminho pra se trilhar um diálogo que pode levar a conclusões mais maduras e serenas. Por isso, a filosofia no campo do direito é uma ponte necessária através da qual podemos dialogar e nos questionar como seres sociais.

Ao levantar um debate sobre o tema Racismo Reverso, é possível amadurecer as proposições de ambos os lados, derrubar eventuais fantasmas argumentativos ou fortalecer outros. O radicalismo, seja de direita ou de esquerda, não se sente confortável no debate filosófico de qualquer tema, pois acredita fielmente, como um bom sectário, que não pode haver qualquer sombra de convicção ou verdade que não venha de si, de sua ideia política ou do seu cânone ideológico. Os extremistas costumam falar em democracia o tempo todo, declamar sobre direitos humanos, seja lá o que pensem que isso signifique. Mesmo assim, não admitem a existência de pensamento diverso ou até mesmo de pessoas com as quais discordam. 

Sim! Eles adoram falar sobre democracia e estado de direito. Sim! Eles se acham os representantes intergalácticos de toda forma de tolerância e convivência com diversidades! Não! Eles não gostam de democracia onde haja pessoas que pensam diferente deles! Não! Não suportam diversidade de ideias, pois se  acostumaram com a hegemonia em todos os meios culturais. Por isso, comportam-se como crianças mimadas e mal-educadas, esperneiam e se debatem aos prantos, exigem demissão de um aqui, outro ali, pois na democracia e na constituição deles só há uma maneira de ver o mundo e suas complexidades. Na democracia dos extremistas não é permitido haver diversidade de ideias, talvez nem de religião, pois acreditam numa tal opressão judaico-cristã. Que Deus os livre! 

Por isso, ao ouvirem falar sobre Racismo Reverso, eles sentem uma pontada aguda no fígado, como se tivessem "tomado" uma facada. A resposta é sempre a mesma, tão rápida e automática entre seus adeptos quanto esperada: Racismo Reverso não existe! - Eis aí a fórmula mágica pra não haver discordância sobre o assunto: "Não existe!", e se insistir eles cancelam como bons antidemocráticos e intolerantes que são. 

Exatamente como uma criança peralta e birrenta, eles assumem uma posição de negação, uma vez que não podem proibir que pessoas falem essa verdadeira "heresia identitária" no dia a dia, podem, por outro lado, simplesmente negar: "Não existe!" - assim, não correm o risco de argumentar, já que argumento pra quem só sabe repetir chavões não é exatamente algo fácil de se conseguir. Partindo dessa ideia, puramente como consolo psicológico, eles (os extremistas) sentem-se melhor, já que também não podem exterminar essas pessoas indecifráveis que ousam falar tal absurdo! - Como podem existir? - devem se perguntar. 

Ao pararmos pra analisar os efeitos causados e esses comportamentos antidemocráticos desses extremistas, chegamos à conclusão de que o Racismo Reverso não só veio pra revelar o racismo existente nesse meio radical, mas também denunciar a paralaxe cognitiva em que vivem tais humanoides. A democracia que dizem defender só vai até a página dois, quando percebem que essa forma de governo permite pessoas contrárias às suas supostas verdades inabaláveis e inquestionáveis, assim como fora na idade média por ocasião da inquisição. 

Que Deus nos livre desses Torquemadas de iPhones com sua democracia totalitária.

Marcelo Vasconcelo
Advogado, articulista de portal na web, autor independente, membro da Comissão de Direito e Liberdade Religiosa da 3° subseção da OAB/SP, Curso em Direitos Humanitários e Direitos Humanos (2018).

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