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Responsabilidade do condomínio em razão de furto ou roubo de veículos

Não se torna difícil concluir que as decisões judiciais prolatadas sobre o tema caminham na direção de compreender o advento de referidos eventos lesivos como resultante de força maior, excludente da responsabilidade civil condominial.

26/9/2022

Dois indicadores que costumam servir de base para mensurar o crescimento econômico de um país são, de um lado, a construção civil e, de outro, a produção fabril associada à indústria automobilística.

Neste último item, observa-se, ao menos em nosso país, que o número de carros segue em contínuo crescimento. O aumento da frota nacional aponta a existência de um automóvel para cada 4 habitantes, um quantitativo que já aponta para um universo de mais de 60 milhões de veículos automotores.

Estes carros, incorporados ao patrimônio pessoal de seu titular, costumam ser guardados nas garagens dos condomínios edilícios, sejam eles empresariais, residenciais ou multimodais, obviamente, quando o edifício contempla essa área específica em seu perímetro edificado.

Nesse contexto, quando ocorrem ilícitos civis, sobretudo quando vinculados à subtração de automóveis, com ou sem violência à pessoa, costuma-se indagar da possível responsabilidade do condomínio frente a estas situações patrimoniais deletérias.

Segundo os ditames do Código Civil Brasileiro, que ao menos nesta matéria, revogou a lei 4591/64, devemos atentar para o comando normativo emanado do art. 186 do diploma civilista, segundo o qual “todo aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.

Segundo o nosso entendimento, regra geral, não devem os condomínios responder por crimes de roubo ou de furto de veículos, ocorridos em suas garagens, incluindo-se neste raio de abrangência, possíveis objetos, valores ou bens guardados no interior dos automóveis de propriedade dos condôminos e demais moradores.

Isso porque, o condomínio, em sua natureza de entre despersonalizado, não assume aprioristicamente o dever de guarda ou de custódia, nem mesmo há se falar, na hipótese, em ajuste negocial apto a se conformar a um “contrato de depósito”.

Não raro, as convenções de condomínio costumam prever cláusulas expressas de isenção de responsabilidade, regras estas que possuem o condão de gerar ampla publicidade aos condôminos, no que se refere às relações jurídicas encetadas entre o condomínio edilício e o titular de domínio, isoladamente considerado.

De outro lado, pode haver situações reais em que, mediante ato de gestão, confirmado pela vontade do coletivo de proprietários em assembleia geral, houve o condomínio se valer de instrumentos materiais para a proteção da propriedade, como é o caso da contratação de empresas de segurança privada para atuar na tutela e na proteção direta do patrimônio coletivo e/ou individual dos condôminos.

Para esta hipótese, há de se perquirir se o modelo de gestão condominial houve eleger o sistema de contração de funcionários diretos ou se houve preferência pela contratação de uma empresa terceirizada. Na primeira hipótese, caso tenha ocorrido falha de agentes de segurança empregados diretamente pelo condomínio, decorrente de dolo ou de culpa, o condomínio haverá de ser responsabilizado; na segunda hipótese, atuando negligentemente os empregados da empresa terceirizada, e desde que tenha ocorrido dano proveniente de conduta comissiva ou omissiva, o condomínio, igualmente, poderá ser chamado à responsabilidade, com a diferença de que, nesta última hipótese, encontra-se legitimado a propor ação de regresso, em face do real causador do dano, a saber, a empresa contratada.

Há situações outras em que a própria convenção condominial se manifesta expressamente como passível de responsabilidade do condomínio o eventual dano de ordem patrimonial decorrente de furto ou de roubo, hipótese esta que deverá gerar responsabilidade do condomínio, frente a aplicação do princípio da força normativa da convenção, sendo esta, inclusive, a posição consagrada pelo repertório jurisprudencial pátrio, como vemos:

AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS - ROUBO EM CONDOMÍNIO COMERCIAL - recorrente surpreendido por motoqueiro portando arma de fogo nas escadas de acesso à entrada principal do condomínio/recorrido, onde trabalha - FALHA NA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS NÃO CONFIGURADA – FORÇA MAIOR - EXPRESSA DISPOSIÇÃO DA EXCLUSÃO DE RESPONSABILIDADE DO CONDOMÍNIO NO REGIMENTO INTERNO relativa a furto e roubos ocorridos nas dependências do edifício (artigo 19) – CAUSA EXCLUDENTE DE RESPONSABILIDADE - ENTENDIMENTO CONSOLIDADO DO STJ - "O condomínio só responde por furtos ocorridos nas suas áreas comuns se isso estiver expressamente previsto na respectiva convenção" ( REsp 268.669-SP ) - SENTENÇA MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS – RECURSO IMPROVIDO. (TJ-SP - Recurso Inominado Cível RI 10101376920158260011 SP 1010137-69.2015.8.26.0011 (TJ-SP).

CONDOMÍNIO – ROUBO – DANOS MATERIAIS E MORAIS - Ação de reparação de danos materiais e morais julgada improcedente – Apelantes que insistem na tese de responsabilidade das apeladas pelos prejuízos experimentados, argumentando que não houve a efetiva instalação de sistema de segurança, mas apenas a contratação de empresa terceirizada, com um único agente que, pela falta de funcionários no prédio no período noturno e finais de semana, operava o portão da garagem manualmente, facilitando a entrada de assaltantes no condomínio, invocando a teoria do risco e relação de consumo (a terceirização dos serviços de garagem e vigilância do condomínio atribui à referida empresa contratada a responsabilidade pelo evento), sustentando a existência de danos morais, defendendo a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor e postulando a procedência da ação ou, alternativamente, a redução da verba honorária – Roubo ocorrido no interior do condomínio, por indivíduos armados, surpreendendo dono de uma das lojas e o porteiro – Previsão expressa na Convenção de Condomínio excluindo a responsabilidade pela ocorrência de furtos e roubos ocorridos nas áreas comuns ou no interior de unidades, salvo na hipótese de que o Condomínio, o síndico ou a administradora não tenham agido com a necessária diligência no exercício de suas funções – Falha, todavia, não verificada – Responsabilidade do condomínio não caracterizada – Antecedentes jurisprudenciais desta Colenda Câmara – Verba honorária fixada em percentual mínimo, não comportando redução – Hipótese de manutenção da sentença (proferida sob a égide do Código de Processo Civil de 1973 ) pelos seus próprios, jurídicos e bem lançados fundamentos – Recurso desprovido. (TJ-SP - Apelação APL 10071222220158260002 SP 1007122-22.2015.8.26.0002 (TJ-SP)

APELAÇÃO CÍVEL. AÇAO DE REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS E MATERIAIS. ROUBO DE BENS EM APARTAMENTO. CONDOMÍNIO. CULPA DO CONDOMÍNIO E ADMINISTRADORA. NECESSIDADE DE PREVISÃO EXPRESSA NA CONVENÇÃO CONDOMINIAL. SENTENÇA MANTIDA. 1. Afastada a responsabilidade do Condomínio e Administradora, por ausência de previsão na Convenção Condominial à reparação de danos sofridos em decorrência do roubo em apartamento. 2. A jurisprudência é firme no sentido de que somente há de se falar em responsabilidade quando previsto na Convenção Condominial, o que não ocorreu em comento. APELAÇÃO NÃO PROVIDA. (TJ-BA - Apelação APL 03544296920138050001 (TJ-BA)

Não se torna difícil concluir que as decisões judiciais prolatadas sobre o tema caminham na direção de compreender o advento de referidos eventos lesivos como resultante de força maior, excludente da responsabilidade civil condominial. Da mesma forma, diversos julgados reforçam o poder normativo convencional, com isso fortalecendo o poder de regramento interno do colegiado de condôminos.

Porém, há de ser registrado o fato de que poderá haver responsabilidade civil condominial, quando se verificar, casuisticamente, que pode ter havido negligência, quando por exemplo reste configurado que o síndico deixou de acompanhar a execução do contrato de prestação de serviços de segurança e vigilância contratado pelo condomínio, ou deixou de atuar diante da notícia de falhas reiteradas no sistema de segurança. Haverá sempre de se perquirir as particularidades do caso concreto para que se possa afirmar se condomínio poderá o não ser responsabilizado por danos de tal natureza.

Vander Andrade
Advogado. Especialista, Mestre e Doutor em Direito pela PUC/SP. Professor Universitário e de Pós-Graduação. Presidente da Associação Nacional de Síndicos Profissionais.

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