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Pautado no tema 1.199/STF, TJ/SP mantém improcedência de ação de improbidade por culpa

Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo aplica teses fixadas pelo Supremo Tribunal Federal sobre a revogação da improbidade culposa para julgar improcedente demandas em curso.

26/9/2022

Com o embate travado desde o advento da lei 14.230/21 sobre a retroatividade ou não das mudanças atinentes ao dolo e prescrição (geral e intercorrente) em improbidade administrativa (lei 8.429/92), o Supremo Tribunal Federal cuidou de afetar rapidamente a matéria para definir teses a serem observadas por todos os órgãos do Poder Judiciário, dando origem ao Tema 1199/STF (ARE 843.989), cujo julgamento se encerrou em 18/08/22.

A maioria dos Ministros acompanhou o voto do Relator, o Ministro Alexandre de Moraes, no sentido de que: os atos de improbidade são apenas aqueles dolosos; a extinção da modalidade culposa de improbidade não impacta nas ações transitadas em julgado ou nos processos em execução, mas, quanto às ações em curso, não será admitida condenação por culpa, mesmo nas causas propostas antes da lei 14.230/21; os novos marcos de prescrição passam a valer a partir da publicação da lei 14.230/21, sendo irretroativos, a saber.

  1. É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo - DOLO;
  2. A norma benéfica da lei 14.230/21 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes;
  3. A nova lei 14.230/21 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente;
  4. O novo regime prescricional previsto na lei 14.230/21 é IRRETROATIVO, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei.

E foi considerando esse desfecho que a 2ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em 21/9/22, manteve sentença de improcedência em ação de improbidade, que apreciava condutas negligentes de gestão, as quais teriam resultado em contratação de serviços junto à empresa pública em quantia superior ao preço praticado no mercado, em suposto prejuízo ao erário1.

A acusação narrava subsunção de condutas negligentes ao art. 10, da LIA, cujo teor admitia essa imputação de improbidade por culpa. Ao manter a sentença de improcedência, o acórdão emanado da Corte Paulista apontou que “não há como se reputar doloso o ato praticado pelos corréus. Ainda que o Ministério Público afirme ter havido dolo, depreende-se da própria petição inicial que a conduta praticada era culposa, na medida em que o argumento central deduzido era o de que os agentes públicos (Prefeito e Secretários Municipais que responderam pela pasta de assuntos viários) teriam sido negligentes”, além de que:

“... por força do entendimento exarado no Tema 1.199 de Repercussão Geral, não é mais admissível no ordenamento jurídico pátrio o reconhecimento de ato de improbidade administrativa calcado em culpa, mas apenas em dolo, o qual não restou demonstrado, sequer em caráter indiciário.

Assim, em não havendo sequer indícios deque os atos praticados pelos agentes eram minimamente dolosos, não há como se reputar presente a prática de improbidade administrativa. Imperativa, portanto, a manutenção da r. sentença que rejeitou a petição inicial e extinguiu o feito...”

Inclusive, a Corte Paulista, por sua 13ª Câmara de Direito Público, já havia prestigiado a aplicação das teses do Tema 1199/STF para julgar improcedente ação de improbidade, ao defender que deve haver delimitação, pelo autor da ação, dos movimentos e propósitos dolosos do agente acusado2.

Esses precedentes prestigiam a tese de não ultra-atividade da espécie culposa de improbidade, desenvolvida pelo Ministro Alexandre de Moraes no julgamento do Tema. O raciocínio foi esboçado na esteira de que, embora pese a irretroatividade da extinção da modalidade culposa, não há que ser “permitida sua aplicação a fatos praticados durante sua vigência, mas cuja responsabilização judicial ainda não foi finalizada”. Em fechamento, Ministro apontou que:        

“... Isso ocorre pelo mesmo princípio do tempus regit actum, ou seja, tendo sido revogado o ato de improbidade administrativa culposo antes do trânsito em julgado da decisão condenatória; não é possível a continuidade de uma investigação, de uma ação de improbidade ou mesmo de uma sentença condenatória com base em uma conduta não mais tipificada legalmente, por ter sido revogada.

Não se trata de retroatividade da lei, uma vez que todos os atos processuais praticados serão válidos, inclusive as provas produzidas – que poderão ser compartilhadas no âmbito disciplinar e penal –; bem como a ação poderá ser utilizada para fins de ressarcimento ao erário. Entretanto, em virtude ao princípio do tempus regit actum, não será possível uma futura sentença condenatória com base em norma legal revogada expressamente...”

Após votos e manifestações de seus pares, essa proposição de Alexandre de Moraes acabou dando lugar às Teses 1 e 3 do Tema em questão, as quais vedam a responsabilização do agente por ato culposo nas ações ainda em trâmite (Tese 1), mas que permite ao magistrado analisar se houve dolo (ou não) na conduta do agente, capaz de assegurar prosseguimento da ação para eventual condenação (Tese 3). Muito embora a Tese 3 possibilite análise de eventual dolo por parte do agente, a Corte não chegou a analisar a constitucionalidade dos §§ 2º e 3º, do art. 1º, da lei 8.429/92, inseridos pela lei 14.230/21, os quais versam sobre a necessidade de um dolo específico aos atos de improbidade.

Isto é: não houve manifestação definitiva pelo STF no sentido de rechaçar a necessidade de dolo específico para a prática de condutas ímprobas, capaz de restaurar o cenário anterior que demandava apenas dolo genérico às condutas tipificadas na lei 8.429/92. A definição estabelecida foi apenas quanto ao apontamento de que o magistrado, diante de uma demanda calcada em improbidade culposa, deve apreciar se essa culpa, em verdade, não configura dolo.

Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Tema 1108, cujo objeto era apreciar a "possibilidade de a existência de lei municipal que autoriza a contratação de servidor público sem a prévia aprovação em concurso público afastar o dolo genérico hábil à configuração do ato de improbidade administrativa", fez referências às mudanças feitas pela lei 14.230/21 na lei 8.429/92, pontuando que a norma "conferiu tratamento mais rigoroso para o reconhecimento da improbidade, ao estabelecer não mais o dolo genérico, mas o dolo específico como requisito para a caracterização do ato de improbidade administrativa".

Ante o esposado, se for o caso de emoldurar a imputação culposa feita contra o agente a uma ação proposital, o magistrado deve se ater ao elemento subjetivo vigente: dolo específico, conforme art. 1º, §§ 2º e 3º, da lei 8.429/92, e atento às considerações do STJ no bojo do Tema 1108.

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1 TJSP; Apelação Cível 1019855-93.2019.8.26.0482; Relator (a): Vera Angrisani; Órgão Julgador: 2ª Câmara de Direito Público; Foro de Presidente Prudente - Vara da Fazenda Pública; Data do Julgamento: 21/09/2022; Data de Registro: 21/09/2022

2 TJSP;  Apelação / Remessa Necessária 0001011-38.2010.8.26.0059; Relator (a): Isabel Cogan; Órgão Julgador: 13ª Câmara de Direito Público; Foro de Bananal - Vara Única; Data do Julgamento: 15/09/2022; Data de Registro: 15/09/2022

Priscila Lima Aguiar Fernandes
Mestra e Pós-Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP e advogada sócia do escritório Vilela, Miranda e Aguiar Fernandes Advogados.

Daniel Santos de Freitas
Pós-graduando em Prática de Direito Administrativo pelo DAMÁSIO e associado do escritório Vilela, Miranda e Aguiar Fernandes Advogados.

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